O 24 Horas de Samba, evento anual organizado pela Mocidade Alegre para comemorar o próprio aniversário, tem uma tradição: eleger um Sambista Imortal. Em 2025, pela primeira vez na história da festividade iniciada em 1972, houve uma ‘brecha’ em uma das tradições para a escolha: normalmente, o indicado não é ligado à Morada do Samba; mas, na temporada atual, Sidnei França recebeu a honraria. Criado na Mocidade Alegre não apenas enquanto profissional, Sidnei França falou sobre a honraria com o CARNAVALESCO durante o evento.

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Foto: Will Ferreira/CARNAVALESCO

Surpresa

Ao ser perguntado se esperava ser eleito o Sambista Imortal, Sidnei França fez questão de explicar o ponto de vista para a reportagem: “Eu não esperava por dois motivos. O primeiro deles: por eu ter uma história muito forte aqui – e essa história nem é tão antiga. No Carnaval de 2026, vão fazer dez anos do último que eu fiz na Mocidade Alegre – que foi em 2016, ‘Ayô – A Alma Ancestral do Samba’. Não é uma história antiga, uma história superada – ainda mais em tempos de rede social. Todo mundo entra no YouTube e pode ver os desfiles, é a gestão da Solange na qual eu atuei, que é atual presidente. Eu não esperava por eu ter atuado na escola muito recentemente e também não esperava agora. Daqui a 20 anos, talvez”, surpreendeu-se.

Reflexo de um pensamento maior

Na visão de Sidnei, elegê-lo enquanto Sambista Imortal traz uma contemplação sobre os dias que virão na folia paulistana: “Entendo que ser homenageado agora é reflexo de, talvez, a necessidade de renovar a identidade dos sambistas em São Paulo. De olhar e falar para onde São Paulo está apontando como manutenção das tradições, o respeito à ancestralidade do samba. A gente vive tempos no Carnaval de São Paulo muito decisivos para o que a gente quer para os próximos 20, 30, até 50 anos. A Mocidade sempre foi uma escola de vanguarda e continua sempre apontando para o futuro e falando o que quer para o mundo do samba – e a Mocidade deve olhar para mim como não só o fruto da própria história dela, mas como alguém que, hoje, defende muito a bandeira do samba para além de mais um carnaval”, refletiu.

O próprio carnavalesco segue: “A Mocidade Alegre dá um recado com a escolha do meu nome para Sambista Imortal para falar que nós precisamos, hoje, enxergar caminhos para um futuro do samba de São Paulo. Um samba que ainda respeita suas origens, seu berço e seu caminho. Hoje eu trabalho no Rio, mas eu ainda sou muito ligado ao Carnaval de São Paulo. Não só identitariamente, mas afetivamente, estou aqui torcendo. Não vou participar para 2026, mas estou torcendo por muitas escolas que eu tenho passagem, que eu tenho carinho. A Mocidade Alegre, ao me escolher, sinaliza o olhar para o futuro e entender que sambista o Carnaval de São Paulo está legando para o amanhã”, revelou.

Respeito às coirmãs

Mesmo estando há décadas na Mocidade Alegre, Sidnei começou a assinar desfiles em 2009, em uma Comissão de Carnaval – por sinal, ele teve um único desfile solo em tal posto: o já citado ‘Ayô – A Alma Ancestral do Samba’. Do Limão, foi para outras escolas de samba, como ele próprio relembra: “Eu sempre digo que, além de ganhar ou perder mais um carnaval, eu quero sempre honrar as cores das bandeiras por onde eu passo. Depois da mocidade eu fui pra Vila Maria: foi uma história curta, mas intensa. Eu procurei respeitar aquela comunidade. Fui para os Gaviões, respeitei a identidade de não usar verde, de ser torcida. Fui para o Águia de Ouro, e falam que a escola é fechada, mas eu respeitei a identidade da escola. Fui para o Vai-Vai, que é um colosso. Não sou eu que preciso falar sobre Vai-Vai: é uma escola que transcende o que é ser escola de samba. E, mesmo assim, procurei honrar a história e respeitar a Velha Guarda, as baianas, a bateria, a comunidade”, detalhou.

Memórias doces e simples

Quando perguntado sobre um momento especial na Mocidade Alegre, Sidnei França mostrou um sentimento de ser da comunidade como poucas vezes foi visto. Ao invés de falar um dos quatro títulos conquistados na escola ou de algum grande desfile, ele lembrou de instantes muito mais intimistas: “Eu lembro, olha só, quando a Solange comprou o primeiro projetor para projetar o conteúdo das oficinas socioculturais da Mocidade; porque, até então, a gente pegava emprestado do Rosas de Ouro, que era uma escola mais rica e poderosa – e a Mocidade não tinha a mesma estrutura. E a gente emocionado por um projetor! Eu lembro quando a Solange comprou o primeiro caminhão da Mocidade Alegre, a gente chorando porque, agora, a gente tem um caminhão. Isso não é o que a avenida traduz, não é o título: é aquilo que você vive dentro dos domínios de uma escola de samba”, disse.

Pouco depois, com um olhar mais macro não apenas sobre a própria história na Morada do Samba como também em relação à própria agremiação, Sidnei relembrou como, pouco a pouco, ele foi crescendo juntamente com a escola: “É uma vida nessa escola de samba. Eu não tenho uma memória, eu tenho várias. Eu lembro quando a Solange assumiu a Mocidade: era uma escola que não tinha performance de organização, não tinha uma estrutura – e nós nos unimos. A Solange montou uma Comissão de Carnaval e eu não era carnavalesco: eu era integrante de uma Comissão de Carnaval que não era pra criar o Carnaval, era uma espécie de uma direção de Carnaval que era para organizar as coisas e retomar o rumo da escola. Foi o momento decisivo para tirar a Mocidade do buraco, do sufoco que ela se encontrava. E eram coisas muito bobas que, para a gente, fazia sentido”, destacou.

Baluartes

Ainda falando sobre memórias, Sidnei fez questão de, dentre tantos nomes que colaboraram para a formação dele enquanto carnavalesco e cidadão, foram fundamentais para a história da Mocidade Alegre como um todo: “A Solange é uma pessoa muito oito ou oitenta. Ela é muito de personalidade forte. Tem gente que fala que essa mulher é muito brava, mas eu aprendi com ela que a determinação é a mãe do resultado. Tudo que, hoje, eu faço no Carnaval, eu aprendi na Mocidade Alegre. Seo Juarez primeiro, Elaine, depois Solange”, afirmou.

Por fim, ele pontuou o motivo pelo qual cada um desses baluartes tornou-se um exemplo: “Cada um trouxe um exemplo. Seo Juarez me deu o exemplo de identidade: seja autêntico, seja você. Elaine trouxe a sensação de valorização de cultura: seja um sambista orgulhoso da sua cultura e não deixa ninguém te desmerecer. E a Solange trouxe a determinação de se fazer bem feito o que se propõe a fazer. Hoje, eu sou o resumo de quem me formou sambista. Eu vejo a Mocidade Alegre como o meu berço enquanto sambista, mesmo”, emocionou-se.

Via de mão dupla

Solange Cruz, presidente da Mocidade Alegre, também fez questão de exaltar o, agora, Sambista Imortal da Mocidade do Samba: “É um filho que ganhou o mundo! Saiu daqui de casa, foi criado aqui, no nosso terreiro, no nosso chão. O Sidnei, com toda a família, fez parte da Mocidade Alegre desde lá de trás. Realmente, o Sidnei cresceu na Mocidade Alegre. A mãe dele era da ala Em Cima da Hora e eles participaram de várias ações, de várias coisas dentro da escola. E essas oportunidades ele foi tendo aqui”, recordou, citando o tradicionalíssimo que desfilou por 54 anos na Morada do Samba e foi reconhecida na final do samba-enredo da Mocidade Alegre de 2025.