O site CARNAVALESCO dá prosseguimento a série de matérias intitulada de “Desfiles da Década”, na qual apresentações marcantes que passaram pela Marquês de Sapucaí, entre os anos de 2011 e 2020, serão relembradas. Nesta edição, vamos recordar o irreverente e repleto de gingado desfile do Salgueiro de 2016 que homenageou todos os tipos de malandros cariocas. Apesar da grande expectativa que o enredo “Ópera dos Malandros” e o samba marcante geraram antes do carnaval, a escola parou no quarto lugar depois de dificuldades com a iluminação da primeira alegoria. Apesar dos problemas e da decepção com a perda do título mais uma vez, o desfile levantou a arquibancada fazendo com que a escola terminasse sua apresentação sob alguns gritos de “é campeã”.

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Pré-carnaval

A expectativa por título do Salgueiro antes do carnaval era enorme. A escola vinha de dois vice-campeonatos em 2014 e 2015, e confiava no trabalho do casal Renato e Marcia Lage, juntos no Salgueiro desde 2003, com exceção apenas de 2009, em que Márcia esteve no Império Serrano e Renato ganhou o último título da agremiação em produção solo. Além da dupla que vinha colecionando grandes carnavais, o Salgueiro apostava no enredo irreverente, divertido e carioca, e no forte samba, de autoria de Marcelo Motta, Fred Camacho, Guinga, Getúlio Coelho, Ricardo Fernandes e Francisco Aquino, que já estava na boca do público no pré-carnaval.

Apostando nos bons desfiles que a agremiação vinha fazendo, a Academia do Samba também manteve o trabalho de outros segmentos da escola, como o coreógrafo Hélio Bejani na Comissão de Frente, o casal Sidclei e Marcella Alves, para mestre-sala e porta-bandeira, Mestre Marcão na bateria, Dudu Azevedo na Direção de Carnaval e comandando os microfones oficiais, o trio Leonardo Bessa, Serginho do Porto e o cantor Xande de Pilares, que havia se juntado à escola no carnaval anterior.

Desfile

O Salgueiro iniciou o desfile com seus “três tenores”, já na arrancada, mostrando que queriam levantar o público na Sapucaí. Leonardo Bessa, aos gritos, profetizava “Lá vem o Malandro Batuqueiro, o couro vai comer”. E o samba que era o grande carro chefe do desfile, foi assim valorizado pelo trio que tinha o privilégio e a responsabilidade de entoar o hino de elaborada letra feita em primeira pessoa, refrão forte e melodia de fácil assimilação. Dessa forma, não poderia ser diferente, a presidente Regina Celi nem precisava ter feito o pedido no microfone para que a comunidade e o público cantassem o samba. Desde o primeiro “É que eu sou malandro…” a Sapucaí veio junto e assim ficou de forma efusiva até o final.

“Foi um processo bem complexo durante a disputa de samba e uma final bem tensa. Mas a preferência da escola acabou sendo respeitada. O samba trouxe uma atmosfera de muito otimismo dentro da escola e isso se refletia em todos os ensaios de quadra e na rua. O samba tomou conta da cidade e foi um grande sucesso também nas rodas de samba. Na avenida foi emocionante ver a reação das arquibancadas. Carro de som e bateria estavam muito entrosados” explica Leonardo Bessa, um dos integrantes do trio que comandava o carro de som da escola na época.

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Na comissão de frente comandada por Hélio Bejani, a escola optou por não trazer elemento alegórico, justamente para valorizar o abre-alas. Onze malandros, elegantes em terno de risco, mas com as calças e os paletós sujos em tom betume eram comandados pela entidade Exu que abria os caminhos para a escola desfilar. Os malandros também tinham a companhia de três damas com saias enormes com placas de LED de onde saía as maiores surpresas da apresentação. Hélio, dialogou bastante com o estilo Lage na vestimenta das dançarinas, fazendo representações de roletas, do símbolo da escola e uma espécie de fogo cenográfico. Os malandros se exibiam cheios de ginga e elegância sendo guiados pela figura mística do Exu que lhes abria os caminhos e os guiava madrugada a fora.

“Eu acho que aquele Exu da comissão de frente foi o grande momento daquele desfile e o Exu interagia comigo e com a Marcella(Alves, porta-bandeira) na nossa apresentação. Ele protegia o casal. Então eu acho que o Exu foi um dos pontos essenciais além dos carros, fantasias maravilhosas, e poxa, também o samba enredo com a escola toda cantando. Era o samba mais ouvido no pré-carnaval”, conta o mestre-sala Sidclei Santos.

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No aspecto visual e enredo, Renato e Márcio dividiram o desfile em 6 setores para apresentar os tipos de malandro homenageados no enredo. No primeiro setor “Eis o malandro ‘no palco’ outra vez…” a Academia do Samba apresentou a Ópera dos Malandros trazendo os personagens da rua, da noite e também evidenciando um contraste entre elegância e até nobreza, como o apresentado nas fantasias do casal de mestre-sala e porta-bandeira Sidclei Santos e Marcella Alves, “Reis da Ralé” com a turbidez, a sujeira e os farrapos que eram expressados também na fantasia da dupla e em outros personagens da cabeça da escola. No detalhe da saia da Marcella, com a renda arrastando no chão, o efeito de sujeira, do manchado lhe atribuía aos dois, a sensação do monarca da pobreza, sintetizando bem a intenção deste primeiro setor.

“A fantasia foi maravilhosa. Eu acho que quando eu vi o desenho que o Renato (Lage) mostrou para mim e para a Marcella (Alves), eu amei porque a fantasia me lembrou a roupa dos antigos casais de mestre-sala e porta-bandeira, da nobreza. Era uma roupa de época com as cores da escola, mas tinha uma sujeira ali. Também tinha uma capa, e essa capa, eu cheguei para experimentar a roupa faltando uma semana pro carnaval e eu descobri que nós seríamos o rei e a rainha da ralé. Então eu tive a ideia de começar a rasgar a capa, já que era o rei da ralé. E realmente causou um efeito muito grande na roupa, fantasia maravilhosa” lembra Sidclei.

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Em seguida a dupla de carnavalescos trouxe a “Ópera Carioca” com o sonho de grandeza do malandro introduzindo uma relação entre o Morro da Babilônia e os históricos Jardins Suspensos da Região de mesmo nome onde hoje está o Iraque. No terceiro momento do desfile “Pra se viver do amor”, o Salgueiro trouxe o mundo do Cabaré com dançarinas e vedetes. No quarto setor “entre dados, cartas e roletas” foi a hora de mostrar a relação com os jogos, encerrada na alegoria “O filho da sorte” que enfatizava a premissa de que todo malandro tem uma relação íntima com a sorte.

No penúltimo setor “Filosofia da Malandragem”, a Academia trouxe o malandro filósofo de bar que tem sempre um conselho em forma de poesia e analogia para passar. O desfile se encerrava trazendo a relação com a religião, retomando um pouco da comissão de frente. ”Apoteose, o malandro de fé e de paz” retoma a presença de Exú, traz os patuás, fala das encruzilhadas até chegar ao último carro “Meu santo é forte” em que o Malandro se torna uma divindade cultuada pelas regiões espíritas, especialmente a umbanda.

Ao longo da apresentação desta narrativa, o Salgueiro traz destaque para algumas fantasias como a da ala das Baianas, fantasiadas de Carmen, de Georges Bizet, em magníficos tons de bordô e preto, incorporando na avenida uma Pomba Gira que roda ao som da batucada salgueirense. Já mais para o final do desfile, a tradicional ala coreografa, comandada por Carlinhos, veio de Exu, o coreógrafo em sua versão africana, e os demais integrantes, já sincretizado no candomblé e na umbanda, com a presença das pombas giras se exibindo com sensualidade e atitude. Outro destaque foram as divertidas fantasias do quinto setor que apresentavam de maneira descontraída, colorida e criativa provérbios de bar como “Camarão que dorme, a onda leva” e “pra tirar o brasil dessa baderna, só quando o morcego doar sangue…”.

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A bateria também foi um show à parte. O casal Lage e mestre Marcão convenceram os ritmistas a vir fantasiados de Geni, um dos personagens mais marcantes da trama da “ópera do Malandro”. Geni personifica a opressão contra os marginalizados. Com a capacidade de negociação e instinto de sobrevivência típicos da malandragem, defendeu a cidade do ataque de um enorme Zepelim comandado por um asqueroso forasteiro na trama. O Zepelim, inclusive, inflado por ar quente, veio acima da bateria, ainda que o nariz estivesse um pouco amassado, foi mais uma atração para o público. A fantasia se resumia a um terno cor de rosa pink, muito elegante, e a máscara da personagem com maquiagem. Uma mensagem contra o falso moralismo e o preconceito. Era também bastante leve, dando condições para que a Furiosa mantivesse o andamento lá em cima o tempo todo. A rainha Viviane Araújo, sempre um acontecimento, também participou da brincadeira e veio fantasiada de Max Overseas, o malandro por quem Geni se apaixonou.

O Salgueiro fez um desfile bastante coeso, alegre, irreverente e colorido. A escola passou leve, cantando, brincando e o samba realmente caiu no gosto do público que cantou junto com a escola o tempo inteiro principalmente o refrão “É que eu sou malandro, batuqueiro, cria lá do Morro do Salgueiro/ Se não acredita, vem pro meu samba pra ver, o couro vai comer”. Porém, a comoção que tomou conta do samba e pelo enredo bem carioca e carnavalesco, talvez, tenha gerado uma expectativa sobre o desfile maior do que aquilo que a escola conseguiu entregar. Isto, somado aos problemas de iluminação do Abre Alas, deixaram a Academia do Samba apenas em quarto lugar. De consolo, ficou apenas os gritos de “É campeã” no final do desfile.

“Minha maior lembrança foi a reação do público no fim do desfile. Um final apoteótico e eu lembro de ter chorado muito no final abraçado com o Serginho (do Porto). Serginho e Xande (de Pilares) foram grandes parceiros assim como toda a equipe musical da escola” conta Leonardo Bessa.

Apuração

Na quarta feiras de cinzas o Salgueiro chegou cheio de confiança, visto o samba que rendeu na Sapucaí e o feedback do público no final. A abertura das notas começou com o Salgueiro indo muito bem nos três primeiros quesitos: samba-enredo, enredo e comissão de frente, não perdendo nenhum décimo válido, pelo critério do descarte da menor nota. Já em fantasias, a escola tomou dois 9,9 e um 9,8, descartado, alcançando apenas um 10. Na justificativa foi citado pouca variação de cores e dificuldade de leitura. No que seguiu a apuração, a Academia passou ilesa na avaliação de Casal, harmonia, evolução e bateria, gabaritando sempre.

O Salgueiro chegou ao último quesito, Alegoria e Adereços, empatado com a Estação Primeira de Mangueira no primeiro lugar. Mas, após a leitura das notas, aconteceu o que nenhum salgueirense queria. A escola não teve nenhum 10 no quesito, recebendo três 9,9 e um 9,8 descartado, despencando na classificação, sendo ultrapassada por Unidas da Tijuca e Portela, e tendo de se contentar com o quarto lugar. Nas justificativas, foi unânime a menção ao problema de luz do carro abre alas que passou apagado em todos os módulos.

“A escola merecia o título. O Salgueiro é uma escola que sempre briga pelo título. Ela tenta sempre alcançar o primeiro lugar. Naquele ano, se não acontecesse alguns erros, erros que todos sabem, que o carro da escola não acendeu, seria sim campeã do carnaval de 2016. Foi muito frustrante para gente, tinha um samba maravilhoso que eu acho que depois do ‘Explode Coração’, é um dos sambas mais cantados do Salgueiro. Foi um samba, um desfile que marcou a minha vida, a vida do salgueirense, só faltou o título realmente par consagrar aquele desfile” entende Sidclei.

Apesar de mais uma expectativa não correspondida no resultado final, a escola manteve boa parte do time para o carnaval 2017, tendo como troca mais importante a entrada de Alexandre Couto no comando da direção de Carnaval no lugar de Dudu Azevedo que havia aceitado convite da Grande Rio. O casal Lage ainda assinaria o desfile de 2017 da Academia do Samba, antes de acertar com a Grande Rio para os carnavais de 2018 e 2019 e com a Portela para 2020, onde estão atualmente.

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