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Série Barracões: Xica Manicongo: a revolução trans ancestral no Carnaval 2025 do Tuiuti

Artista de longa trajetória no carnaval, Jack Vasconcelos leva mais uma vez um enredo de cunho social para a Sapucaí. Em mais um desfile à frente do Paraíso do  Tuiuti, o carnavalesco, que já conduziu a escola ao vice-campeonato em 2018, consolida uma marca: enredos que denunciam problemas brasileiros através da folia. Em 2025, não será diferente. Com o tema “Quem tem medo de Xica Manicongo?”, o artista resgata a história da primeira travesti não indígena do Brasil, mergulhando em uma narrativa que une crítica social, espiritualidade e ancestralidade.

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Jack detalhou o processo de criação do enredo, que transcendeu a pesquisa acadêmica para entrar no campo espiritual. “Já conhecia Xica há alguns anos e tinha um argumento pronto, mas não havia surgido a oportunidade. Na reunião de planejamento, apresentei a ideia, e foi aceita imediatamente”, explicou.

Sua metodologia inclui leituras, diálogos com especialistas e, neste caso, uma imersão na Quimbanda. “A espiritualidade de Xica exigiu um estudo profundo. Durante a pesquisa, ela se manifestou e guiou o enredo. Os livros ficaram em segundo plano; a própria Xica assumiu a frente”, revelou.

O carnavalesco enfatizou a urgência de debater questões trans em um cenário global de ataques aos direitos LGBTQIA+. “O mundo discute o tema com atraso, pressionado por retrocessos. Levar essa pauta para a avenida é uma forma de resistência. Queremos que as pessoas percam o medo do diálogo, da convivência, da existência do outro”, afirmou.

Para ele, a simples presença de corpos trans na avenida já é um ato político. “Não precisamos chocar: a existência delas já incomoda muitos. Nosso papel é normalizar”.

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Nas alegorias e fantasias, Jack revisitou técnicas tradicionais, como artesanato em contas, cerâmica e penas, mesclando-as a elementos contemporâneos. “É um Carnaval colorido que atravessa o tempo. A Xica ‘transcestral’ conecta a história à luta atual, mostrando à juventude trans que elas não estão sós”, explicou.

O ápice será um carro com 30 “traviarcas” – matriarcas travestis que desafiaram estatísticas de violência e exclusão. “Será a maior concentração de travestis por metro quadrado do mundo. São sobreviventes que gritam ‘eu existo’ para mais de 200 países. O Tuiuti faz Carnaval por necessidade política”, concluiu.

Conheça o desfile do Tuiuti

O Paraíso do Tuiuti levará para a Avenida cinco alegorias, um tripé e um pede passagem, com 2.750 componentes. Jack Vasconcelos falou ao CARNAVALESCO sobre como virá o desfile em setores, para a Sapucaí.

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Setor 1: “A gente fala de uma história da cultura da Quimbanda sobre o início da criação do mundo, em que o Exu maioral divide os exus primordiais, que inicialmente tinham as duas energias dentro deles, a masculina e a feminina. E o maioral divide essas duas energias e deixa um Exu primordial sem dividir para sabermos como eram eles. E hoje a gente conhece ele como Exu de duas cabeças, que é uma parte feminina e masculina dentro de um ser só. Abrimos o desfile com essa lenda”.

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Setor 2: “Mostramos a Xica Manicongo em África, ela sendo uma sacerdotisa Quimbanda. Ela se intitulava filha do Exu de duas cabeças, ela tinha um Exu de duas cabeças que ela cuidava, e ela era uma grande feiticeira, uma pessoa respeitada dentro da sociedade como uma mulher trans, como uma travesti, que hoje a gente não compreende, como isso, mas na cultura dela isso nem era questionado”.

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Setor 3: “A gente fala da chegada dela já escravizada, depois da invasão portuguesa e da escravização dela à força, ela vem pra Bahia, para Salvador e ela é vendida a um sapateiro e ela vai trabalhar em Salvador pra esse sapateiro Nesse setor mostramos o contato da Xica Manicongo com o Brasil, com uma outra realidade, um outro lugar, outra luz, outras cores, e Salvador é uma cidade portuária e o Porto da Barra naquela época era o principal porto das Américas, então era um burburinho, era uma confusão, vinham produtos, coisas do mundo inteiro naquela época, e produtos de várias partes, também das Américas, saíam pelo Porto da Barra, lá em Salvador. Ela no meio dessa metrópole colonial”.

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Setor 4: “No próximo setor a gente fala da Xica tomando o contato com os indígenas brasileiros. Ela conhece uns indígenas que a gente chama, porque chamavam, de tibiras, que hoje em dia conhecemos como se fossem os homossexuais. E os índios tupinambás já entendiam a pluralidade das pessoas, então eles eram completamente aceitos e inseridos dentro dos seus povos, das suas aldeias, não era uma questão e ela conhece os tibiras e eles a levam para conhecer a mata brasileira. Ela conhece a cultura do catimbó e da espiritualidade tupinambá, porque ela vê um paralelo. Porque a cultura da kimbanda dela é baseada no culto aos n’gangas, que são os antepassados, e a cultura tupinambá religiosa também é baseada no culto aos antepassados, as pessoas que já estiveram nesse mundo e que já faleceram, ela vê uma proximidade muito grande nisso. Xica aprende muita coisa e ela vai unir o que ela aprendeu do catimbó com o que ela já trouxe da África, então nesse setor a gente fala dessa libertação que a Xica passa, porque até então, quando ela chega na Bahia, ela é obrigada a se vestir de homem, ela não tá entendendo e ela sofre muito por conta disso, porque ela quer botar a saia dela que ela usava na África, e a população estranha muito, então ela passa um perrengue danado lá. E quando ela está na floresta e tem contato com a cultura indígena, ela é liberta, ela se encontra novamente, e vê que não tem problema nenhum”.

Setor 5: “No próximo setor a gente já vê a Xica como uma grande feiticeira, porque ela, como a gente viu no setor anterior, uniu as duas culturas. Ela é novamente uma mulher muito poderosa, uma mulher conhecida inclusive na cidade, as pessoas usam seus serviços no sigilo, cidadão de bem, todo mundo curte no sigilo, e ela é vista como uma ameaça, a figura dela é demonizada, a crença dela é demonizada, o amor dela é demonizado. E durante a primeira visita da inquisição no Brasil, em 1591, a gente vai ter o primeiro caso de transfobia documentado no Brasil, que é o processo da Xica Manicongo, ou Francisco Manicongo. Ela é acusada de fazer parte de uma quadrilha de sodomitas, de bruxaria, e de se vestir de roupas femininas, e isso era um crime de lesa-majestade pelas leis manuelinas na época, e para ela não morrer na fogueira, ela entra num acordo para não ser queimada e de voltar a ser chamada de Francisco e usar roupas masculinas. Só que esse acordo ela cumpre durante o dia, e de noite, quando a cidade está dormindo, ela volta a ser a Xica na rua, no escuro, vai para a floresta, quando a cidade está dormindo, quando ninguém está vendo. E, no final desse setor, ela transcende. Quando ela faz a passagem, ela desencarna, é acolhida pela egrégora das pombagiras. Ela continua esse trabalho de rua noturno que ela tinha quando estava viva, essa coisa da marginalização que só consegue sobreviver de noite, no escuro, longe dos olhos da sociedade. Ela continua esse trabalho espiritual, só que ela vai para a rua proteger as suas. E a gente fala do pajubá, que é uma linguagem oriunda dos terreiros, do iorubá, que as travestis vão usar na rua para se proteger da violência urbana, e as pombagiras estão nesse trabalho. Elas sopram no ouvido das travestis esse pajubá para elas se defenderem, e a Xica está nesse trabalho”.

Setor 6: “No setor de encerramento a gente fala dessa perseguição histórica e sistemática à população travesti e trans, que a gente fala que as inquisições não pararam. Então a gente tem, por exemplo, a Operação Tarantula em São Paulo, que ficou muito famosa. A gente tem hoje um quadro de ação política que é muito organizado na perseguição da população trans e ataca diretamente as conquistas dessa categoria. E em contrapartida a gente fala também das mulheres trans e travestis que estão nessa linha de frente no combate a essas inquisições que não param, e não pararam durante a história. A gente vem homenageando mulheres importantes da história brasileira, do ativismo trans e travesti, travestis que ficaram famosos nessa luta, nessa rede de apoio, e no final coroamos a Xica Manicongo como uma grande transcestral, a grande traviarca das traviarcas, porque ela é a grande inspiração e madrinha e apoio espiritual de todas elas nessa luta”.

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