A Acadêmicos de Vigário Geral, da Série Ouro, apresenta esse ano o enredo “Ecos de um Vagalume”. O CARNAVALESCO esteve no barracão da escola e conversou com os carnavalescos Alex Carvalho e Caio Cidrini sobre o misterioso tema do desfile e o que esperar da Vigário em 2025.
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“O título é meio abstrato e eu gosto desse mistério. As pessoas pensam no Vagalume inseto, não sabem quem é o Vagalume, mas quando sentam para ouvir a gente falar, olham a sinopse, ouvem o samba, se surpreendem com a história dele”, disse Caio.
Conhecido como Vagalume, o cronista Francisco Francisco Guimarães documentou o estilo de vida e festividades da população preta e periférica da Cidade Maravilhosa no final do século XIX e início do XX.
“Quando o Francisco, nosso Vagalume, foi convocado a ser repórter no Jornal do Brasil em 1894, na primeira coluna dele, que foi a reportagem da madrugada, a expectativa era que ele cobrisse casos de polícia, violência, acidentes, incêndios. Ele fez o oposto: começou a cobrir as práticas de lazer e cultura daquela população que durante o dia estava trabalhando no Porto ou na casa das pessoas ricas. É isso que a gente traz um pouco para o nosso desfile”, disse Caio.
“A gente fala muito que o Vagalume jogava xadrex lutando capoeira, porque sendo um homem negro num ambiente completamente elitizado, no jornalismo, trazendo questões sociais e pautas de que se tinha um extremo preconceito, ele era um cara com um jogo de cintura muito, muito bom. Um cara extremamente inteligente e ligado ao povo”, enalteceu Alex.
Embora tenha vivido em uma época anterior ao surgimento das escolas de samba, Vagalume mergulhou na cultura do carnaval e dos folguedos populares do Rio de Janeiro. Acabou noticiando, ao final de vida, concursos entre blocos e ranchos carnavalescos, no que daria origem ao maior espetáculo da Terra. Respeitado pela comunidade carnavalesca de sua época, o cronista recebeu a alcunha de rei do samba e do carnaval.
‘Hoje, somos ecos do Vagalume’, resumiu Alex
“É um encontro de dois dos maiores cronistas e intérpretes da cultura carioca, senão brasileira: o Vagalume e a escola de samba. Todo ano a gente aprende muito, a gente vê o mundo através da escola de samba. Os desfiles ensinam, criticam, fazem refletir. Poder promover esse encontro na nossa estreia na Sapucaí é motivo de alegria, de felicidade”, expressou Caio.
A dupla criativa encontrou o enredo ao folhear o livro Dicionário da Literatura Afro-Brasileira, de Nei Lopes. O verbete “Vagalume” lhes chamou a atenção. Eles apresentaram a ideia, jamais performada na Sapucaí, à presidente da Vigário, Betinha, que aceitou de primeira.
O objetivo, no entanto, não é falar sobre toda a carreira do talentoso jornalista. Na contramão do que se espera de um enredo biográfico, Alex e Caio escolheram destacar, nos três setores da escola, temáticas específicas da vida do escritor. São elas a boemia noturna carioca, a ligação com religiões de matriz africana e o carnaval em si. A decisão se deu em prol da fácil leitura e identificação visual do desfile, por parte do público.
“Uma das questões que a gente traz muito é o discurso popular, já que o Vagalume falava de uma forma acessível. A gente procurou trazer uma linguagem de fácil leitura para quem estiver na arquibancada, assistindo pela televisão ou desfilando compreender o desfile”, ressaltou Alex.
Além disso, os artistas priorizaram o trabalho plástico de cor e volumetria. “As pessoas podem esperar cores bem escolhidas, um tapete de cor bonito, que faz sentido. A gente sempre tentou levar a cor de uma fantasia para a ala seguinte. Por exemplo, se essa fantasia aqui tem azul, vermelho e roxo, a gente vai pegar uma dessas uma dessas cores e na próxima ala a gente vai querer usar isso”, adiantou Caio.
“A gente gosta dessa unidade de cor. A cabeça da escola vem toda na cor da escola. Eu gosto muito de trabalhar essa paleta, de fazer o chão, a ala da frente e levando para o carro, dar essa unidade”, complementou Alex.
Nas fantasias, especificamente, eles destacaram o uso não só de costeiro, mas também de adereços de mão e cabeça para criar volume de forma original. A decisão de produzir a própria estamparia é outra particularidade da Vigário neste ano.
Ainda nas indumentárias, a dupla elegeu as baianas como o ponto alto de seu trabalho à frente da Vigário.
“Elas trazem o elemento do malandro na frente, um desenho que é uma estampa que a gente fez; a bandeja na cabeça com a cerveja, o copo de cerveja; o leque que remete à cabaré, à noite, ao bar. Elementos que você olha e entende o que aquela fantasia representa. Tudo isso nas cores da escola: azul, branco e vermelho”, desenvolveu Caio.
Nas três alegorias, o volume também foi pensado, sobretudo através da utilização de múltiplas esculturas.
“Uma escolha que a gente fez, em questão de alegoria, foi ter mais uma quantidade maior de escultura, só que menores, para distribuir esse volume pelo carro. A Vigário tinha um certo costume de comprar poucas esculturas, mas muito grandes. A escola acabava jogando uma escultura no meio e o carro não tinha outras esculturas distribuídas. Esse ano a gente procurou distribuir essa volumetria. Quando você olha no conjunto parece que tá muito mais volumoso do que uma escultura só grande”, revelou Alex.
“A gente tentou trazer carros preenchidos mas ao mesmo tempo vazados. São carros que você vai perceber que ele não é uma caixa, mas sim ele tem esculturas bem distribuídas e entre elas um certo espaçamento”, reforçou Caio.
A iluminação cênica, que ano passado foi destaque de desfiles no Grupo Especial, será, este ano, mobilizada pela Acadêmicos de Vigário Geral no intuito de fornecer um espetáculo grandioso e potente.
“O enredo já pede. A gente está falando de um de um homem que se auto-intitulava Vagalume. Não teria como a gente não brincar com a luz. A gente usa ela principalmente na cabeça da escola: comissão de frente, baianas, segunda ala e abre alas. Vai ter uma brincadeirinha com a luz para trazer um pouco dessa carnavalizada, dar essa carnavalizada com o vagalume inseto. A gente também faz esse paralelo de ser um inseto que produz sua própria luz e o Vagalume cronista jogar luz sobre questões e pautas que merecem ter visibilidade”, garantiu Alex.
Os artifícios são vários. Muitos deles, a despeito do déficit orçamentário da Série Ouro. Na segunda divisão do carnaval carioca, as dificuldades financeiras exigem criatividade e trabalho redobrado para serem superadas, quando comparada à competição principal.
“Requer malandragem, no bom sentido da palavra. Sagacidade de trazer soluções que sejam práticas, baratas, que tenham um visual, uma estética bonita. Como a gente falou no início, sobre o Vagalume, é jogar xadrez lutando capoeira. É sempre ter esse jogo de cintura de saber em que material investir, para saber se vai chegar a tempo, que vai trazer uma solução rápida”, abordou Alex.
“Não é segredo e nem vergonha nenhuma saber que a gente usa esculturas que a gente compra, até porque nosso espaço nem dá para fazer tanta escultura. Eu acho que esse tipo de maturidade só veio porque a gente já fez carnaval sem dinheiro nenhum. Vendo os diferentes cenários por onde a gente passou, a gente conseguiu agora ser capaz de tomar soluções, tomar decisões mais assertivas, de saber onde gerenciar melhor as nossas escolhas”, enfatizou Caio.
A dupla de carnavalescos ingressou no carnaval através de workshops da Pimpolhos da Grande Rio, escola-mirim da tricolor de Caxias. Foi lá que se conheceram, durante aulas ministradas pelo artista Clebson Prates. Depois, comandaram juntos o desfile da Chatuba de Mesquita (Série E, última divisão) e, mais tarde, o da Independentes de Olaria (Série Prata – terceira divisão), ambas na Intendente Magalhães. Foram, e são até hoje, assistentes de Lucas Milato, carnavalesco de escolas da Série Ouro como Inocentes de Belford Roxo e Unidos de Padre Miguel, pela qual ascendeu ao Grupo Especial em 2024, ingressando na competição principal em 2025. Como autores principais, este Carnaval marca a estreia de Alex e Caio na Marquês de Sapucaí.
“É uma missão, uma responsabilidade vestir tantas pessoas, fazer três alegorias. É toda uma expectativa de uma comunidade, de pessoas do carnaval, admiradores, torcedores. Ao mesmo tempo, é muito gratificante e emocionante quando dá certo. E até agora está dando muito certo. As fantasias estão saindo de uma forma que a gente almeja e as alegorias são estão saindo dentro dos nossos planejamentos”, disse Alex.
“Tem dia que eu fico ansioso, que me dá vontade de chorar, mas ultimamente, vendo o trabalho do barracão, vendo a equipe, recebendo as pessoas, eu estou bastante tranquilo. A gente tá com um ritmo bacana no barracão. O suporte que a escola dá com os diretores de Carnaval novos, a própria Betinha, que é uma mãezona, também me tranquiliza”, compartilhou Caio.
Com o Carnaval se aproximando, e, com ele, os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, onde Caio e Alex estreiam, fica a torcida para que os vigaristas se satisfaçam com um belo desfile. Ano passado, com o enredo “Maracanaú: Bem-Vindos ao Maior São João do Planeta”, a Vigário fez um bom começo de desfile, com destaque para a comissão de frente e primeiro casal, mas pecou em quesitos como Harmonia e, sobretudo, Evolução. Com equipe renovada, entre ela novos carnavalescos, espera-se que os percalços sejam reduzidos, mantendo-se a força da comunidade.
“Vagalume vai brilhar na avenida. A gente tem certeza que ele tá do nosso lado. A direção, o enredo… É um conjunto de fatores que acaba somando para que a Vigário este ano, com as bênçãos do Vagalume, entre lindíssima, aguerrida e vestida da forma que ela gosta e merece”, prometeu Alex.
“Claro que a gente faz Carnaval para ser campeão, para conseguir transmitir a mensagem que a gente quer, deixar a nossa identidade artística, a nossa linguagem ali, mas não tem nada melhor do que você receber um abraço, um tapinha nas costas, ver gente chorando com seu desfile, falando que foi lindo. O povo de Vigário pode esperar um desfile pelo qual eles vão se orgulhar de lembrar”, finalizou Caio.
Entenda o desfile
Em 2025, a Vigário Geral conta com cerca de 1.400 componentes, divididos em três setores. Há três alegorias, uma por setor, além de um elemento cênico na comissão de frente. Os carnavalescos Caio Cidrini e Alex Carvalho contam a seguir os detalhes.
Setor 1: Caio: “A gente abre o desfile com a noite carioca, com a boemia, com uma estética de circo popular, de cabaré, de teatro de rua, que foi a porta de entrada de Vagalume no jornalismo, através de sua coluna noturna. Na primeira coluna, ele já escreve “Sejamos todos notívagos””. Alex: “A gente trabalha muito, nessa primeira parte, com as cores da escola: azul, vermelho, branco, muito dourado”.
Setor 2: Caio: “Na segunda parte, com as alas do meio e segunda alegoria, a gente parte para uma estética das religiões afro-brasileiras, em referência à coluna Mistérios da Mandinga, que o Vagalume escreveu nos anos 20. Vagalume trata as religiões de matriz afro com respeito, de forma diferente do que era feito na época. As crônicas do João do Rio são relevantes, são importantes para a história do Brasil, mas tinham uma visão mais bárbara, exótica”. Alex: “No setor afro, a gente trabalhou muito as cores cítricas. É o setor em que mais nos distanciamos das cores da escola. Brincamos com tons de laranja, verde limão e também mesclando com o rústico do afro, trazendo a palha e a madeira. Tem muito preto também”.
Setor 3: Caio: “O desfile termina com um grande baile exaltação dos antigos carnavais, bem clássicos. Vagalume teve uma coluna chamada Clubes e Foliões no jornal A Crítica por quase 30 anos. Foi o trabalho dele mais duradouro”. Alex: “No último setor, a gente volta com umas nuances de azul, de vermelho, mas brincando com rosa, brincando um pouquinho com dourado. A gente também tem amarelo. A gente começa o desfile na cor da escola, mas com dourado, e, no final, o prata, substituindo o dourado pelo prata. Começamos e terminamos com a cara da Vigário Geral”.