A Unidos de Padre Miguel vai retratar o intercâmbio cultural entre as culturas árabe e nordestina. “Baião dos Mouros” é um enredo elaborado pela dupla de carnavalescos Edson Pereira, experiente na escola, e Wagner Gonçalves, recém-chegado. Previamente, o tema escolhido havia sido a Irmandade da Boa Morte, mas, como houve atritos de comunicação, a escola optou por respeitar os possíveis homenageados e mudar o enredo. A última vez que a UPM fez um desfile com a temática nordestina foi em 2015 com a homenagem ao Ariano Suassuna, executada por Edson. A agremiação conseguiu o vice-campeonato da Série Ouro naquele ano. Oito anos depois, os carnavalescos acharam que era o momento adequado de voltar a essa estética e se afastar desta vez da plástica africana dos últimos anos.
“Eu acho que o enredo é original. A gente já teve carnavais com essa linguagem muçulmana e árabe, que dá um visual bem interessante, e nordestina, esse ano é um ano de muita estética nordestina. Mas o nosso é uma mistura mesmo, essa coisa híbrida. Nos apropriamos da questão do boi, por causa dos mouros e o nosso boi vermelho. Parecia um enredo que já estava pronto ou engatilhado para ser da escola e surgiu naquela circunstância”, explicou Wagner Gonçalves.
A meta da escola da Vila Vintém é subir para o Grupo Especial, após anos chegando perto de alcançá-la. Agora, próximo do desfile na sexta-feira, dia 17 de fevereiro, os componentes conseguem visualizar melhor o potencial do que será apresentado na Sapucaí. Segundo o carnavalesco, a Unidos de Padre Miguel vai entrar para ser protagonista na disputa.
“A nossa inspiração é que a Unidos faça mais um grande desfile. Ela sempre protagoniza o desfile da Série Ouro. Sem querer ser pretensioso e com muito respeito às co-irmãs, esse é o histórico que ela vem apresentando. A gente tem que atender a essa expectativa do público e do componente”, contou Wagner.
Para evitar falhas técnicas em alegorias que já fizeram parte do histórico da UPM, a agremiação vai seguir à risca as especificações da Liga RJ que são próprias para quem está tão longe do Sambódromo. Entre as estratégias está a montagem em módulos dos carros alegóricos para facilitar o transporte.
“Para mim é um carnaval diferente porque é um barracão muito atípico. A escola gosta de carros grandes, só que existe um limite maior do que as outras escolas porque tem um traslado muito maior para a Presidente Vargas. Eu tenho a felicidade de ter um diretor de barracão que foi da Cubango. Mesmo na grandiosidade, a gente fragmenta tudo para atender a medidas que a Liga passa para a gente, sobretudo as escolas que estão desse lado da Av. Brasil”, explicou Gonçalves.
Beleza árabe-nordestina
Para imergir os componentes nesse cenário árabe e nordestino, Wagner Gonçalves e Edson Pereira vão se garantir em um carnaval colorido. Quem for assistir o desfile da Unidos de Padre Miguel, vai observar mistura de tecidos, a presença de bordados e contraste de texturas. Wagner afirma que, por conta da crise na indústria têxtil nos últimos anos desde a pandemia, a solução foi encontrar materiais baratos e investir nas cores.
“A indústrias ainda estão se estabelecendo e a gente não está podendo importar, então fomos no mercado entender. Misturamos muito tecido barato, brincamos com as cores e muita pintura. Deu o resultado que nós queríamos. A comunidade teve acesso às fantasias e ficou bem satisfeita. As fantasias acabaram muito rápido e tem pouquíssimas vagas”, disse o carnavalesco.
Trabalho em dupla
O Carnaval 2023 do boi vermelho da Vila-Vintém está sendo construído a quatro mãos. Edson Pereira é um velho conhecido da casa. Ele é responsável por oito carnavais da agremiação, cinco destes na Série Ouro sempre figurando na parte de cima da tabela de classificação. Já Wagner Gonçalves acabou de chegar na UPM, vindo da Estácio de Sá onde trabalhou com o carnavalesco Mauro Leite.
“Na verdade, eu não pretendia fazer um carnaval de dupla. Acredito que nem o Edson. Já fui chamado para a escola em outro momento, havia esse namoro comigo aqui. Para esse momento agora, a ideia era manter o Edson e ele tem muito carinho pela escola. Então ele me ligou falando que queria continuar, mas, com o compromisso no Salgueiro, ia ficar difícil. Se eu aceitasse, ia ser mais fácil de ele permanecer. Casou. Foi feito um carnaval a duas cabeças, mas a quatro mãos. Eu conheço o trabalho do Edson e o Edson conhece o meu. Mesmo quando eu criava alguma coisa, eu enveredava pela estética dele e vice-versa”, relatou Wagner.
A dupla tem a consciência de que embarcou em um projeto de uma escola que está constantemente entre as primeiras colocadas da Série Ouro, sempre brigando ponto a ponto para subir ao Grupo Especial. O foco é um trabalho dinâmico e objetivo, já que Pereira também tem que se equilibrar com o carnaval do Salgueiro. Deste modo, surge um carnaval em que o chão da escola está se reconhecendo, se identificando e sonhando com o título.
Para Gonçalves, é importante compreender que a Unidos de Padre Miguel é uma escola de Série Ouro e enfrenta problemas como as co-irmãs. A vantagem está na estrutura que foi desenvolvida nos últimos anos e Edson também é responsável por construí-la. Neste Carnaval, Wagner vê como uma passagem de bastão e um aprendizado sobre como funciona a vermelho e branco e isso inclui lidar com a criatividade para fazer um desfile com a cara da agremiação.
“Ele está passando o bastão me instruindo como aqui funciona. A gente não faz um projeto grandioso e executa achando que o dinheiro vai chegar. Não vai chegar. Tem que ser muito criativo, entender as prioridades da escola. É um ano de muita dificuldade, com um orçamento mais modesto para todas as escolas do grupo; com a Unidos não é diferente. Então temos que trabalhar, se dedicar e privilegiar a criatividade e o truque. É o truque mesmo, o falso brilhante”, comentou o carnavalesco.
Conheça o desfile da Unidos de Padre Miguel
A vermelho e branco da Vila Vintém vai dividir seus 2500 componentes em três alegorias, dois tripés e 23 alas. O carnavalesco Wagner Gonçalves manteve o segredo da estrutura do desfile, mas contou o que o público pode esperar quando vir a UPM entrar na Marquês de Sapucaí. Primeiramente, o desfile será atemporal, logo não terá uma ordem cronológica do intercâmbio entre os árabes e o povo nordestino.
“Nós entendemos que, entre todas as interferências, a música é a mais latente. Nós estruturamos através da música, o nosso enredo é um repente. E uma estrutura narrativa de repente é que ele pode vir nessas emboladas e improvisações”, disse Gonçalves.
Como a estratégia foi catalogar as influências dos árabes, esse resultado das pesquisas será visto de forma objetiva na Avenida. A promessa é de um visual de fácil entendimento, até mesmo quando os carnavalescos recorrem a analogias. Signos e símbolos de conhecimento geral ajudarão nessa narrativa, por exemplo, o uso de xilogravuras, incensos, cactos, camelos.
“É muito mais simples do que as pessoas possam imaginar, com leitura muito direta. Por mais analogias que tenhamos feito, a leitura visual é muito direta. Nos preocupamos com isso”, garantiu Wagner.
Embora visualmente objetivo, o “Baião dos Mouros” pretende ter um desfile poético por conta da estrutura do repente. A divisão de setores é a solução de trechos compilados da pesquisa feita pelos dois.
“Não é tão literal. A gente pegou trechos do que a gente leu tanto em crônicas quanto em poesia e demos tópicos e títulos. O samba conta isso. ‘Sou eu vivendo o sonho das Arábias, são mil e uma noites de histórias ao luar’, isso é um setor inteiro que nós chamamos de ‘Mil e uma noites sertanejas’. Neste setor, cabem as questões da literatura entre outras. O nosso trunfo, para poder ter essa liberdade de ir e vir nessa construção narrativa, é apresentar um carnaval com novidade, com recorte atemporal, com recortes visuais mais criativos. Não é nada de outro mundo, mas é uma opção que fizemos para criar uma reversão de expectativa”, explicitou Wagner Gonçalves.
Os carnavalescos adiantam que o público pode esperar um tratamento sobre música, literatura, folclore e muitos outros recortes culturais. Para descobrir todos os segredos da Unidos de Padre Miguel, o público terá que esperar a sexta-feira de Carnaval e vê-la como a quinta escola a passar no Sambódromo.