Na sua estreia na Sapucaí, a União de Maricá apresenta o enredo “O Esperançar do Poeta”, uma homenagem ao papel social, cultural e humanitário presente no ofício do compositor. Com um barracão quase pronto, o carnavalesco André Rodrigues reconhece a ajuda da prefeitura de Maricá e contou um pouco do que envolve a criação do desfile, que, segundo ele, tem a simplicidade como trunfo, mas com muito luxo e romance. A escola, que vem da série bronze como vice-campeã, traz um enredo que, lançado em forma de curta-metragem, é fruto de uma conversa de André com uma amiga, que promete homenagear grandes compositores e o universo deles na Sapucaí.
“A ideia do enredo veio até mim, quando a minha amiga Kamila me mostrou um texto do Igor Trindade, sobre a carreira do Guará, o Guaracy Sant’anna, um grande compositor carioca. E partindo daí, contar a vida desses compositores. É um enredo que fala sobre o ato de compor, a arte de compor, a escola vai exaltar os compositores, tendo como fio condutor Guará, mas falando sobre essas vivências e realidades desses compositores e o que esses compositores viveram. A gente está vindo aí para honrar um pouco a história desses compositores e compositoras que fizeram grandes sambas para tocar a nossa vida, e às vezes a gente não sabe, muitas vezes a gente lembra mais do intérprete e acaba esquecendo de pensar em quem compôs aquela música, a realidade que aquela pessoa viveu e a mensagem que ela queria passar”, conta André.
Guaracy Sant’anna foi um cantor e compositor do subúrbio carioca e teve a sua trajetória como artista marcada por diversos sucessos. O maior deles é o samba “Sorriso Aberto”, faixa-título do disco de Jovelina Pérola Negra em 1988. O enredo também tem como inspiração outros compositores de sambas, como, por exemplo: “Castelo de um quarto só” (Vinny Santa Fé), “Sonhar não custa nada, ou quase nada” (Dico da Viola/ Moleque Silveira/ Paulinho Mocidade), “Zé do Caroço” (Leci Brandão), “Despejo da Favela” (Adoniran Barbosa), etc., todos alinhados com a narrativa do enredo, composições que falam sobre a realidade dos compositores e os locais em que eles vivem.
“Para mim, o grande trunfo desse enredo é a simplicidade dos compositores, a simplicidade da vida deles que se reflete na arte de compor. Algo que vai ser visto no desfile é o universo particular de cada compositor. Fazendo uma homenagem ao próprio ato de compor mesmo, à magia envolvida nesse processo, e às formas com que a inspiração pode chegar até a gente, falando das coisas que nos trazem inspiração. Eu mesmo fiquei muito tocado com a leitura do texto do Igor, que inclusive assina o enredo junto comigo e com a Kamila. O trunfo é esse, falar da essência desses artistas que nos atravessam de diversas formas com suas músicas e nem sempre são reconhecidos”, afirma o carnavalesco.
A União de Maricá faz sua estreia na Série Ouro, por conta disso, entende-se que o porte da escola, consequentemente, tende a aumentar, pois ela estará disputando com escolas já consagradas e que conhecem muito bem a Sapucaí nesses 40 anos de existência da avenida. No entanto, é sabido que o trabalho de concepção de um carnaval na Série Ouro é precarizado, pois faltam recursos e estrutura necessária para o trabalho. Porém, André, que já tem experiência com a Série Ouro, relata que com a União de Maricá, essa questão tem sido muito diferente das outras.
“Eu entendo e conheço muito bem a situação precária que é fazer um carnaval na Série Ouro, mas a minha experiência para o carnaval desse ano, aqui na União de Maricá, tem sido muito diferente graças a uma subvenção da prefeitura de Maricá. Eu seria até hipócrita se falasse que enfrentei alguma dificuldade desse tipo aqui. Mas essa subvenção da prefeitura não foi apenas para o artístico do carnaval, mas também e inclusive para a estrutura da escola, porque a escola vem da Série Prata, então é preciso dar uma estrutura maior para a escola ir para a avenida, como um novo barracão. Então, é necessário construir uma identidade nova para essa escola, né? Porque ela vem fazendo um desfile na Intendente, que era de um jeito, e agora ela vai ter que se comportar, de certa forma, de outro jeito na Sapucaí, né? Com outro tamanho, com outros objetivos”, revela André.
Uma nova estrutura, uma equipe de ponta, uma prefeitura que apoia. A União de Maricá vem preparada para a sua estreia na Sapucaí, no entanto, a estreia é um momento histórico e muito esperado pela comunidade e pelo público do carnaval, o que acaba gerando ansiedade e colocando muita responsabilidade em cima dos responsáveis pelo desfile, André se mostra tranquilo quanto a isso, mas reconhece a responsabilidade desse momento.
“Eu sempre procuro estar muito próximo das pessoas, as pessoas que são a escola, né? Procurar entender quem são essas pessoas que fazem essas escolas para a gente desvendar um pouco a alma dessas agremiações. Eu falo muito que, assim, eu sou sambista, eu gosto de carnaval, eu gosto de escola de samba. Eu até tento consertar essa frase, eu não gosto de carnaval, eu gosto de escola de samba. Escola de samba é uma coisa que eu gosto e que eu respeito muito. E que eu procuro levar cada vez mais as importâncias da escola de samba para sociedade em si. Então, eu procuro muito entender quem são essas pessoas que fazem as escolas de samba. E a Maricá, nesse sentido, me toca um pouco justamente por essa estreia dela na Sapucaí, né? É uma coisa que é difícil você ver uma escola que vai estrear na Sapucaí de alguma maneira. E eu me sinto feliz, assim, de estar vivendo esse momento com essas pessoas, de estar vivendo esse momento com os outros profissionais que também estão aqui, que são muito meus amigos, muitos de vários outros anos, assim. Então, eu acho que a ansiedade é mais pelo que a gente pode dar para o torcedor da Maricá, sobre o que a gente pode construir com o torcedor da Maricá, com a pessoa que é Maricá. Então, dar um pouco do tom desse objetivo é uma responsabilidade muito grande. Mas, para mim, é sempre muito emocionante. Eu gosto de lidar mesmo com as pessoas em si, de entender quais são as expectativas delas, para poder entrar cada vez mais na alma das escolas. Eu fiz assim na Portela, fiz assim na Maricá, fiz assim na Sossego principalmente e, enfim, fiz na Beija-Flor e eu acho que essa maneira é a maneira mais correta, a gente respeitando o que são as escolas de samba, até porque, a gente que está chegando tem que entender um pouco o que são esses redutos, quem são as pessoas que fazem ele para poder construir algo que respeite a história dele”, disse o carnavalesco.
Conheça o desfile da União de Maricá
Na sua estreia no Sambódromo, a União de Maricá vem com 1500 componentes, divididos em 19 alas, com três carros alegóricos e um tripé, além do tripé da comissão de frente. O desfile é dividido em quatro setores.
1º Setor: “O primeiro setor fala sobre o local desses poetas, como eles enxergam um pouco o local onde eles vivem, como eles romantizam esse local. O desfile todo tem uma visão muito romântica, sobretudo porque é a visão da composição, é a visão da poesia, da melodia e tudo mais. Então, o abre-alas é isso, são esses barracos suspensos entre nuvens, em meio às bananeiras. É uma visão muito dos anos 70, dos anos 80, dessas favelas, que tem aquele monte de bananeira, os barracos e tal. Só que tudo isso envolto em muito luxo, obviamente, de delírio, de sonho. Então, tem esses pássaros que vão voando. Enfim, tudo é muito romântico para essa visão do poeta sobre o seu lugar”.
2º Setor: “O segundo setor fala sobre como eles acabam compondo grandes músicas, também extremamente poéticas, sobre esses lugares, sobre denúncias desses lugares, músicas ótimas que falam sobre fome, falam sobre estrutura, sobre trabalho, sobre, enfim, sobre uma série de denúncias sociais que eles conseguem fazer através das suas músicas”.
3º Setor: “O terceiro setor fala sobre eles vivendo nesse mundo da escola de samba, sobre como eles constroem o mundo das escolas de samba, a partir também dos sambas-enredos, como os sambas-enredos, que são esses que a gente selecionou, acabam extrapolando o mundo da escola de samba para esses compositores, pensando que muitos compositores buscam esse reconhecimento, buscam o reconhecimento das suas obras”.
4º Setor: “E o último setor, fala sobre como eles depositam a esperança, esse esperançar, principalmente construindo músicas de fé e construindo músicas que propõem novos futuros a partir principalmente das crianças, a partir desse legado deles de que outras pessoas virão para manter essa busca por um esperançar de um lugar melhor, onde eles possam fazer música por fazer música, não necessariamente por viverem ou romantizarem esses lugares. Então, essa homenagem a essas múltiplas facetas que a gente encontra nesses compositores e sobre como eles conseguem criar imaginários para a gente em vários outros lugares”.