Os Acadêmicos do Tucuruvi abrirão, na noite do dia 22 de abril, os desfiles do Grupo Especial no Sambódromo do Anhembi. Em seu retorno à elite da folia paulistana, a escola pretende levantar o público com o enredo “Carnavais… De lá pra cá o que mudou? Daqui pra lá o que será?”, mas também propor uma reflexão sobre o que as pessoas querem para o futuro dessa festa popular. A equipe do site CARNAVALESCO visitou o barracão do Zaca e conferiu o andamento dos preparativos.
Procurando entender onde a gente se perdeu
A apresentação, desenvolvida pelos carnavalescos Dione Leite e Fernando Dias, foi proposta pelo presidente Jamil. Teve como principal fonte de inspiração as pessoas da própria comunidade, mas também deu voz a todos aqueles envolvidos com o carnaval de alguma forma.
“Tivemos o cuidado de mostrar o que as pessoas falavam dentro da nossa escola, em outras escolas, pessoas que não são de escolas. Todas as pessoas que têm alguma ligação com o carnaval usavam praticamente as mesmas falas. O que é o engessamento do carnaval de São Paulo? Quais são os valores que estão balançando contra o pavilhão de uma escola de samba? Onde foi parar o samba no pé?”, disse Dione.
Ao longo dos quatro setores, o público será convidado a viajar nos “Trilhos da Saudade”. A escola irá relembrar como era brincar no carnaval de São Paulo desde os seus primórdios, partindo do Vale do Anhangabaú, passando pela Avenida Tiradentes até chegar no Anhembi, para compreender onde a alegria e a simplicidade deixaram de ser prioridades.
“Precisávamos ir lá atrás, falar sobre o passado, trazer a essência do carnaval, discutir a ideia onde ela acontece com muita força. Como que isso começa a se diluir, em que parte da história que isso se perdeu ou não, que essa é a pergunta do enredo. Para que se chegasse ao final do enredo e tivéssemos uma conclusão com perguntas muito bem embasadas, e houvesse uma comparação. Não tinha como falar do que é ou o que será sem refletir com o que estava lá no passado”.
O ápice da liberdade foi na Avenida Tiradentes
O diretor de carnaval da Tucuruvi, Rodrigo Delduque, marca presença no carnaval desde os tempos da Tiradentes. Tempos esses em que as regras não eram tão complexas, o folião sambava despreocupado e trazem lembranças calorosas para todos aqueles que testemunharam os anos dourados das escolas de samba. Em sua opinião, o desenvolvimento do enredo ajudou a própria escola a rever seus conceitos.
“É uma das coisas que fez com que nós também mudássemos um pouco a cabeça da Tucuruvi. Relembrar tanto o passado, com alegria, e hoje estamos em um jogo, uma disputa com outras 13 coirmãs. Mas que a gente também não deixe de levar a alegria, não deixe de levar a essência e as pessoas que fizeram tanto pelo nosso carnaval”, declarou Rodrigo.
O peso da globalização com a chegada ao Anhembi
“Eu vejo o Anhembi como o grande divisor do carnaval. Quando chegamos ao Anhembi, recém-chegados da Tiradentes, nós não tínhamos carnaval para a tal estrutura. Era certo que o carnaval cresceria para que o Sambódromo nos acolhesse na forma como é hoje. Com essa mudança toda, esse crescimento todo, tende a administração também imperar. A partir daí começamos a mostrar a grandiosidade do Anhembi, o crescimento das escolas de samba, e começamos a apontar até que ponto o jogo é sadio. Até quando o número é muito melhor que a essência. Hoje nós deixamos de fazer essência para fazer jogo, resultado”, opinou o diretor.
“Nós nos globalizamos. Nos transformamos no maior espetáculo da Terra quando chegamos ao Anhembi. E isso é bom para o carnaval, é ótimo e é reconhecido. Não podemos ser hipócritas e dizer que isso aqui está tudo errado ou que não está. O que está errado é a forma como as pessoas olham o carnaval, como estão cuidando do carnaval, da forma que estamos fazendo as coisas por ele. Quando ele chega no Anhembi, cresce de uma forma muito grande e toma essa proporção mundial. Isso nos traz o bônus, mas também tem o ônus”, completou Dione.
O Grande Cassino Carnaval
Um dos momentos de maior destaque no desfile dos Acadêmicos do Tucuruvi será o terceiro carro da escola, batizado de “O Grande Cassino Carnaval”. O público conseguirá identificar diversas críticas que são muito comuns de serem feitas entre as pessoas no cotidiano das agremiações. Uma grande mão errante será a responsável por apontar quem são aqueles que se enquadram dentro de todos aqueles elementos retratados, ou seja, algo visto pela escola como imprevisível nos dias de hoje.
“Uma grande aposta. Sabe-se lá o que vai acontecer. Antes da quarta de cinzas é uma interrogação para qualquer ser humano ligado ao carnaval. Uma coisa que o nosso diretor sempre defende muito é que não há surpresa. Não existem surpresas quando você se prepara, quando você realmente trabalha em prol disso. Só que muitas vezes no carnaval há algumas surpresas. E essas surpresas nem sempre estão relacionadas ao dia do resultado. Não é só sobre o resultado. Mas é sobre o dia a dia do carnaval. Nós trabalhamos 365 dias fazendo o carnaval para a grande noite, e na grande noite nós nem vemos o que acontece. O que a gente vivencia do carnaval são os 365 dias, que é quando você planeja, executa, vai atrás, motiva, se motiva, e isso para mim é o que dá uma diferença grande. E esse Cassino Carnaval fala um pouco de tudo. É onde tem uma pitada bem mais assim, uma ‘alfinetadinha’ muito legal para quem irá se identificar. Acho que é o carro da identificação. Quem estiver lá na arquibancada vai conseguir olhar, se identificar e dizer ‘é, eu também acho que é isso aí’”, explicou o carnavalesco.
Conheça o desfile
Primeiro setor: “Uma viagem nos trilhos da saudade”
Dione: “A gente começa nos primórdios de tudo. Damos uma pincelada para termos uma referência do surgimento do carnaval, que vem do povo preto, do povo de alma simples. Mas ao mesmo tempo tem a parte europeia do carnaval, que traz toda a grandiosidade dos salões, traz as riquezas, traz os corsos pela cidade, e isso cria um contraste. É onde o samba se encontrava nesse momento, ele estava em todos os lugares. Mas quem será que é o preferido dele? A simplicidade do seu povo, que andava pela rua com qualquer roupa, batendo em lata de graxa, ou quem estava no salão de luxo, que havia até interferências de outras culturas na arte do carnaval? É a partir desse ponto que começamos a mostrar para o público onde o samba sempre quis estar, que é no meio do povo dele, por causa da essência dele.”
Segundo setor: “Um desfile na Avenida Tiradentes”
Dione: “A partir desse ponto, vamos traçar um segundo momento. Vamos recordar a Avenida Tiradentes, que é onde o carnaval de São Paulo ganha uma base muito forte e uma avenida para si. Ganha notoriedade e charme para fazer seu carnaval. Nós não vivemos a época da Tiradentes, mas escutamos as pessoas falando. Escutamos o Rodrigo e todo mundo falando, que tem cada história incrível, e isso nos encantou. Né, Rodrigo? Fala um pouco da Tiradentes para a gente.”
Rodrigo: “As lembranças que tenho da Tiradentes é que toda vez que eu conseguia chegar lá com a minha mãe, só conseguíamos assistir a Peruche, que hoje é retratada dentro da nossa bateria como uma das grandes essências do carnaval. Por estar no segundo setor, onde evidenciamos a Tiradentes, não poderíamos deixar de destacar também uma escola como a Peruche, dentre tantas outras que virão nesse setor e ao longo do nosso carnaval. Também é um presente ao nosso mestre de bateria (Serginho), que foi criado dentro do Peruche”.
Terceiro setor: “De lá pra cá, o que mudou?”
Fernando: “No nosso terceiro setor é a parte aonde chegamos no Anhembi, no nosso templo. Ele é construído e nós vamos para lá. E assim vão surgindo novas histórias e novas escolas, como as escolas de torcida, as disputas, que nem hoje estamos envolvidos nela. A partir daí começamos a ter outro momento, outra visão do carnaval, em uma época em que se criam as regras em que estamos dentro para poder nos organizar e ter um outro caminho. Porque não dá para chegar lá e crescer sem ter uma disciplina, uma regra. Não dá para chegar no oba-oba”.
Dione: “É exatamente como o Fernando falou. Vem a questão das disputas entre as escolas. Há uma questão, que foi taxada de forma pejorativa como ‘escolas de torcida’, mas elas trouxeram para o carnaval mais organização. A partir disso nós vimos que não dá para ficar dormindo, está aparecendo gente nova e precisamos começar a nos organizar também. Então o carnaval ele ganha, só que ao mesmo tempo, quando o Fernando fala sobre as regras, nós nos perguntamos muito, porque nem tudo também está escrito. Nós também estamos engessados”.
Quarto setor: “Daqui pra lá, o que será?”
Dione: “É uma reflexão para que todas as pessoas possam pensar que, se não mudarmos de atitude, o que pode acontecer com o carnaval? Esse último setor está muito pautado nas falas das pessoas. Nós como escolas de samba não afirmamos nada. Nosso dever é fazer com que as pessoas pensem, para que possam ter as suas respostas. Vamos pegar a fala das pessoas, colocar dentro de um enredo plasticamente, para que tenha alguma identidade e quem sabe isso se torne a grande voz que o povo do samba está tendo a oportunidade de usar. Tivemos esse cuidado de que não fosse apenas a voz do Tucuruvi, mas de todo o carnaval, de todo sambista, para que possamos repensar o caminho futuro da nossa festa”.
Ficha técnica
Enredo: “Carnavais… De lá pra cá o que mudou? Daqui pra lá o que será?”
Alas: 14
Alegorias: 4
Componentes: 1800