Para 2025, a Nenê de Vila Matilde propõe uma artística viagem de quase um milênio. A Águia Guerreira volta à Idade Média para contar as origens medievais de festas brasileiras no enredo “Um quê de poesia e um tanto de magia, a arte de encantar o imaginário popular”, que será o sexto a ser apresentado no domingo de carnaval (02 de fevereiro), no Grupo de Acesso.
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![Série Barracões SP: Nenê de Vila Matilde conta as raízes medievais de festas brasileiras 1 nene barracao25 4](https://carnavalesco.com.br/wp-content/uploads/2025/02/nene_barracao25_4.jpg)
Para contar um pouco mais sobre o enredo e, também, sobre o trabalho realizado no barracão da onze vezes campeã do carnaval paulistano, o CARNAVALESCO entrevistou Danilo Dantas, carnavalesco da escola, no espaço em que são produzidas as fantasias e as alegorias do desfile matildense, localizado na Fábrica do Samba II, na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo.
História já contada
Honrando o compromisso de sempre estar ao lado das escolas de samba, o CARNAVALESCO também esteve presente em um evento realizado pela Nenê de Vila Matilde em que o idealizador do enredo explicava a história que será contada na avenida para os compositores interessados em entrar na eliminatória de samba-enredo . Realizado no dia 08 de maio, Danilo também aproveitou para contar do que se tratava o tema.
Empolgado, ele explicou, com riqueza de detalhes, o que seria abordado: “O enredo parece ser complicado, mas não é. Eu aprendi a gostar de carnaval com enredo que tenha consistência, uma boa história. Falar de festas populares seria algo muito simples, e, quando eu comecei a pesquisar manifestações folclóricas no Brasil, descobri que todas elas têm algo em comum: ligações com o tempo medieval. Isso me pegou muito. Fazendo minhas pesquisas, criei esse conto – que tem o contador, o Poeta Trovador, que narra desde a Idade Média. Ele convida a Águia [símbolo da Nenê] para voltar àqueles tempos, com o surgimento do trovadorismo; passa pela chegada ao Brasil com os portugueses e demais europeus, que trouxeram tantos artistas para cá – incluindo os de rua e os mambembes. Todos esses artistas trouxeram muitas informações, histórias e livros, todos com histórias fantásticas da Idade Média. Entre eles, destaque para o livro “Os Doze Pares da França”, que falava sobre a guarda pessoal do rei Carlos Magno. Essa publicação dá origem a uma das principais atividades folclóricas brasileiras, a Cavalhada e o Reisado. É aí que começam a ter as ligações da Idade Média com o Brasil. Através dessa história, surge um grande visionário brasileiro: Ariano Suassuna. Na década de 1970, ele estava muito incomodado com as manifestações folclóricas brasileiras, que estavam perdendo força e sendo muito criticadas – e, aí, ele cria o Movimento Armorial. O armorial vem da Idade Média, mostrando que as manifestações folclóricas brasileiras nascem com uma raiz erudita, mesmo sendo popular. O maracatu, a congada, o cavalo marinho e tantas outras manifestações folclóricas brasileiras bebem do medievalismo – Suassuna percebeu isso com o manifesto e com o movimento”, abordou.
Ao ser perguntado sobre eventuais mudanças no que foi dito em maio, Danilo destacou que nada foi alterado: “Nada foi mexido em relação ao enredo. Desde a proposta inicial até o desenvolvimento, tudo está do jeito que foi falado no dia da apresentação do enredo para os compositores. Tudo se manteve, não mudou nada, graças a Deus. A gente está seguindo à risca todo o projeto. Não incluímos nada, também. Não tem que tirar nem pôr nada”, comemorou.
Alteração prévia
A ideia original do enredo, de acordo com Danilo, teve uma mudança antes mesmo de começar a ser concebido: “Quando eu apresentei o enredo, inicialmente a ideia era para falar sobre o cordel, porque o Cordel sim vem da Idade Média – por meio das feiras medievais, já que os livros e as histórias eram expostos por cordas. Mas, pesquisando mais na história e conversando com um dos nossos diretores, ele perguntou por que a gente não abre mais esse leque para falar de outras manifestações folclóricas do Brasil. Foi aí que a gente, pesquisando, chegou nesse denominador final, fazendo essa ligação, esse pool entre a Idade Média, as festas populares brasileiras e o Movimento Armorial. Foi uma conversa informal, com um dos diretores da escola, que me fez abrir o leque do enredo. Mas, quanto à escola, eu apresentei quase onze propostas de enredo para a escola. A gente ficou em quatro no final e, dessas quatro, foi o que foi mais aceito por todos justamente por falar de brasilidade, por falar de Brasil, falar de história, ter luxo; mas, ao mesmo tempo, ter um colorido, falar de Nordeste. Foi o que foi mais aceito desde o início, inclusive pela Ala das Baianas, que foi uma das primeiras a me dar o aval e falar que queriam esse enredo”, lembrou, destacando a tradicional participação da comunidade matildense.
Difícil?
Uma das principais críticas do universo do carnaval paulistano ao enredo da Nenê está em uma suposta dificuldade para compreender a história que será contada. Danilo tratou de responder e, também, de acalmar os torcedores da escola: “Não tenho dúvida que, com fantasias e carros alegóricos, o enredo vai ficar bem claro. O enredo conta uma história, não é um tema, é o que eu sempre falo. Isso não é um tema, isso é um enredo – e todo enredo tem um conteúdo, tem um destrinchamento. O enredo começa na Idade Média, que é onde começam os primeiros vestígios de arte popular na humanidade. Tudo tem um início, não surge do nada as coisas. O início de todas as manifestações folclóricas do mundo começa na Idade Média, começa nos tempos mais primitivos da humanidade. E não foi diferente, também, com as manifestações populares do mundo, as do Brasil não foram diferentes. O nosso enredo conta a história da arte popular desde a Idade Média e, também, chegando no Brasil. Basicamente é isso. Quando as pessoas falam que não sabem do que a Nenê está falando, eu sempre falo isso. A Nenê fala de artes populares brasileiras. Desde a história, no início da Idade Média, até chegar no Brasil, com o Movimento Armorial, fazendo um compilado de tudo isso. Quando entrar na avenida, todos vão ver um desfile basicamente cara crachá: vão ver Idade Média, vão ver a vinda dos artistas populares de rua chegando no Brasil e vão ver as festas populares que se manifestam no Brasil pelas ruas, pelos guetos, pelos vilarejos do país, que têm ligação com a Idade Média. Todas essas festas que a gente cita no enredo fazem alusão a histórias que aconteciam na Idade Média. É isso que a gente está querendo mostrar para as pessoas: que as festas populares brasileiras têm essa origem medieval. E o Ariano Suassuna pega tudo isso e, quando ele cria o Movimento Armorial, ele mostra para as pessoas que essas manifestações folclóricas do Brasil todas têm uma origem: a Idade Média, a Era Medieval – e esse Movimento Armorial se tornou relevante até hoje no Brasil”, pontuou.
Há, por sinal, uma curiosidade que chamou atenção do carnavalesco durante as pesquisas para desenvolver a temática: “Esse enredo pode ser destrinchado em mais uns três ou quatro, se você parar para pensar. O que mais me deixou curioso é essa ligação que todas as manifestações folclóricas do Brasil têm – principalmente a congada e o reisado. Eles fazem a coroação de um rei, e esse rei é sempre uma alusão a Carlos Magno. Em alguns lugares do Brasil, a Dom Sebastião também, mas a gente preferiu pegar a história do histórico livre ‘Os Doze Pares da França’, que foi muito difundido na cavalhada de Pirenópolis, nas cavalhadas do Brasil inteiro, no reisado e na congada, para mostrar que a coroação de um rei é comum em quase todas as festividades do Brasil. Poucas pessoas param para pensar nisso. Todas as festas, no final, mostram a coroação de um rei. E, quando a gente vai pesquisar a história, vai ver que esse rei, no imaginário das pessoas, é Carlos Magno – que era uma figura mitológica também da Idade Média, que criou uma dinastia lá na Idade Média, e que essas histórias fantásticas dele, a luta dele contra os mouros entrou na cabeça dos brasileiros de uma tal maneira que fez gerar esse monte de manifestações folclóricas no Brasil inteiro. Se você pegar, durante o ano inteiro, todos os estados brasileiros têm manifestações folclóricas que têm ligação com a Idade Média. A gente só pegou um apanhado de algumas festas para poder colocar no enredo, mas ainda tem a representatividade do cavalo marinho, a presença também na festividade do bumba-meu-boi na Idade Média e por aí vai. São muitas histórias, dá para fazer vários enredos com um só condensando tudo isso. Achei bastante curioso”, refletiu.
Prova de que o enredo é de fácil compreensão, na visão de Danilo, é o samba-enredo escolhido pela agremiação: “Os três sambas que foram para a final eram bem descritivos. O que decidiu e o que pesou para esse samba ter sido vencedor foi a melodia. Por ele ser mais para frente, por ele ser mais aguerrido. O refrão do meio tem aquela levada de dois refrões, uma com uma melodia pausada e a segunda mais corrida, mas que tem a mesma nuance. Mas, basicamente, os três sambas tinham esse descritivo: não era uma coisa subjetiva. Todos os sambas que estavam na final contavam bem o enredo. O que diferenciou foi a melodia, foi o jeito mais gostoso, mais malandreado que esse samba tem. O samba é meio cara-crachá, também: se você parar para ouvir e ler o samba, você vai entender o enredo. Isso pesou muito. Meu voto não foi decisivo porque todos da diretoria já sabiam bem do enredo, foi uma coisa meio que inconsciente”, relembrou.
Na avenida
Indo contra uma tendência dos carnavalescos paulistanos para 2025, Danilo destacou que a apresentação matildense terá a divisão tradicional de apresentações de escolas de samba: “”Nosso desfile será setorizado. Nosso nome do enredo setoriza a escola. Um que é de poesia, ‘Um quê de poesia’ é o primeiro setor – que é a Idade Média, a era da Poesia, a era em que as ficavam presas nos castelos. Com a vinda do movimento do trovadorismo, ela sai dos castelos e começa a ganhar os burgos, as vielas dos entornos do castelo. Com a evolução da humanidade, começou-se a fazer impressões – e essas cantigas, que até então eram cantadas, passaram a ser escritas e começaram a ser expostas em cordas nas feiras medievais, para ter acesso a outras pessoas e se tornaram mais populares. No nosso primeiro setor eu falo da Idade Média, da era do trovadorismo. ‘Um Tanto de Magia’ é o nosso segundo setor, que é a vinda dos europeus ao chamado Novo Mundo – e quando eles chegam nas Américas, eles trazem com eles, também, vários artistas. Junto com esses artistas, eles trazem essas histórias fantásticas vindas da Idade Média. Está aí um tanto de magia, porque você começa a colocar a magia nas histórias brasileiras, nas festas brasileiras, no imaginário das pessoas. ‘A arte de Encantar o Imaginário Popular’ é o nosso terceiro setor porque Ariano Suassuna, a partir do Movimento Armorial, faz essa arte encantar o imaginário das pessoas de uma forma mais popular ainda – através de livros, através de filmes, através de encenações. O imaginário popular é o Ariano Suassuna viajando, colocando a Idade Média misturada com o Nordeste, uma coisa muito louca. o Ariano Suassuna era um cara fora da caixinha. No nosso último carro, a gente faz uma reverência ao Movimento Armorial, em que ele faz esse compilado de tudo que ele conheceu na história. Nosso enredo vai ser dividido em três setores”, confirmou.
Para se adaptar à escola no primeiro ano trabalhando na Nenê, Danilo também fez uma pequena alteração no que habitualmente costuma fazer em apresentações: “Eu trabalho sempre com dois setores, mas a Nenê, por específico, já trabalha com três setores. A gente só destrinchou o último, a gente deu uma quebra para poder fazer o Movimento Armorial se tornar um terceiro setor. Na verdade, a gente, nesse terceiro setor, vai ter na avenida Os Guardiões do Movimento Armorial. Eles fazem a abertura do último setor, que é onde entra o maracatu e o reis ado. Poucas pessoas sabem, mas os estandartes do maracatu, a coroação que tem no reisado, são da Idade Média. Os pavilhões de escola de samba, muitas pessoas não sabem, mas eles também vêm das ideias da Idade Média.
Mascote em dose dupla
Historicamente a escola mais ligada a um mascote no carnaval paulistano, a águia da Nenê de Vila Matilde terá participações (no plural) importantes no desfile: “Vão ser duas águias, uma abrindo e uma encerrando. A Nenê sempre tem isso com a águia, sempre ela teve isso. Mas, dessa vez a gente optou por colocar a águia em dois setores, em dois momentos: uma no estilo mais tradicional, de Nenê de Vila Matilde de azul, com as nuances que ela tem; e uma outra no último carro, em que ela vem com um tom diferente de cores – mas que não deixa de ser uma águia. Ela vem abraçando toda essa história e, no final, ela entende tudo. Eu sempre faço uma pergunta no início do enredo, e, nesse ano, ao pegar a sinopse, eu pergunto de onde vem a ligação de todas essas festividades. Por que o brasileiro gosta tanto dessas ligações, dessas festas? A águia volta lá na Idade Média para entender de onde vieram essas ligações. E a águia, no final do desfile, vem fechando esse desfile com a história que ela tanto buscou junto com esse trovador”, contou.
Trunfo e tranquilidade
Ao ser perguntado sobre qual o grande ponto forte da agremiação para 2025, Danilo preferiu repartir responsabilidades: “Eu acho que o conjunto é o nosso grande trunfo. Não tem uma coisa que se destaca mais. O pessoal que vem aqui no barracão sempre fala que não sabe se gostou mais do primeiro ou do segundo carro, e eu sempre falo que eles vão gostar mais do terceiro – porque a gente vai caprichar tanto quanto o primeiro. Eu não tenho um xodó, eu gosto dos três. Mas o que vai pegar o que vai fazer com que ele se sinta representado, são o começo e o final da escola – de formas diferentes. A nossa águia percorre essa história toda junto com o nosso trovador – e ela vai encerrar o desfile, também. isso vai pegar o matildense. A abertura da escola, por mais que seja uma história medieval, uma história luxuosa, dvai ter a leveza da Nenê nas cores.
Por fim, Danilo foi só elogios ao ritmo do barracão matildense: “O andamento do barracão foi bem tranquilo. A gente começou no finalzinho de agosto, no começo de setembro a gente já encerrou o abre-alas. o carro dois, para falar que não encerramos ainda, faltam as águias (que é uma coisa que a gente vai deixar para o final) e o nosso elemento da comissão de frente. De resto, a gente está cem por cento finalizado. Na comissão de frente, as indumentárias já estão prontas, os casais já estão prontos, as composições estão prontas, as fantasias da escola já estão cem por cento encerradas, graças a Deus. Falta um pouquinho de costura pra terminar, e o último carro, aquele último carro, eu tô deixando para o final, também – porque o tecido dele é mais claro eu não queria deixar ele muito tempo exposto também então a gente tem o último carro pra terminar e o carro ainda comissão de frente”, finalizou – é importante destacar que a entrevista foi realizada no dia 24 de janeiro e, desde então, a agremiação, obviamente, avançou na produção do desfile.
Ficha técnica
Enredo: “Um quê de poesia e um tanto de magia, a arte de encantar o imaginário popular”
Componentes: 2.000
Infelizmente: 15
Alegorias: 03
Diretor de Barracão: Cristiano Paixão
Diretora de ateliê: Bruna Moreira (Babalu)