O carnaval de São Paulo foi imensamente impactado no dia 16 de abril de 2024. Jorge Marcos Freitas Neto, o Jorginho Freitas, filho de Taiana Freitas, coreógrafa da comissão de frente da Unidos de Vila Maria e neto de Jorge Freitas, carnavalesco da Dragões da Real, partiu com apenas oito anos de idade graças a uma síndrome tão rara que sequer foi nomeada. O avô, que já trabalhava o enredo para 2025 da agremiação defendida por ele, fez o que para muitos seria impensável: alterou todo o curso do que já estava sendo produzido para homenagear o rebento. Assim surgiu A vida é um sonho pintado em aquarela!”, enredo que será apresentado pela agremiação da Vila Anastácio na sexta-feira de carnaval (28 de fevereiro) e que será o terceiro desfile a ganhar o Anhembi na noite em questão.
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O CARNAVALESCO conversou com exclusividade com Jorge Freitas, carnavalesco da agremiação, para saber mais sobre a criação de enredo tão singular.
Sentimento puro
Mesmo que todo o carnaval de São Paulo conheça a história do enredo, a reportagem fez questão de ouvir do próprio carnavalesco como o processo criativo aconteceu: “Esse enredo, como todos sabem, é muito especial na vida do profissional Jorge Freitas. Mas também estamos em uma competição em que, acima de tudo, a síntese do enredo é você comemorar a vida. O Jorginho tinha esse amor pela vida. Ele queria cada vez mais viver, cada vez mais estar presente em tudo que a família fazia – e o carnaval está enraizado dentro da minha família. Ele presenciava tudo e era um lugar que ele gostava de estar. Para o enredo, além do ciclo da vida, nós nos baseamos na música ‘Aquarela’, do Toquinho. Do desenrolar, do início ao fim do nosso desfile, todos vão poder se contemplar com as imagens que ficam no inconsciente coletivo dessa canção e se conectar com o ciclo da vida através da música e através do samba – que conta, na verdade, toda a trajetória do ciclo e da música citada”, disse.
O neto do carnavalesco volta a ser citado logo na sequência: “E é claro que, quando falo do Jorginho, na parte inicial, quando a gente começa com a pureza da imaginação de uma criança em enxergar o mundo. Era isso que o Jorginho tinha de mais belo. Ele nunca reclamou de nada, ele sempre nos presenteava a cada dia com uma novidade ao falar que o mundo é feito para a gente viver e amar. É isso que a gente vai ver durante todo o nosso desfile”, revelou.
O profissional, pouco depois, traçou um paralelo entre a temática que está sendo desenvolvida e um desfile de escola de samba: “É um carnaval, é um projeto que tem uma grande comemoração pela vida. Basta nós sabermos aproveitar. Temos o livre-arbítrio. São escolhas que a gente faz e, lá na frente, a gente não pode se arrepender e nem olhar para trás – igualzinho o carnaval. Quando a gente chega no final da avenida, lá na faixa amarela, fechou o portão, a gente olha para a Concentração e fala que poderia ter ensaiado mais, poderia ter feito de forma diferente ou que não demos o nosso melhor. Essa é a conclusão que a gente tem. A gente faz esse paralelo do ciclo da vida com um desfile de escola de samba porque não tem nada melhor para comemorar a vida que um desfile festivo – como é o nosso espetáculo grandioso, que é o Carnaval de São Paulo”, comentou.
Vale destacar que, como apontado por Renato Remondini, o Tomate, presidente da Dragões da Real, a canção que serviu de inspiração para o enredo é a segunda música brasileira mais executada em todo o planeta – o que gera conexão instantânea.
O carnavalesco também destacou que a estrutura do enredo também sofreu algumas modificações – todas elas motivadas por sentimentos que foram surgindo a cada instante: “É claro que, ao longo da estrutura do projeto, a gente tem algumas mudanças. A grande mudança que está acontecendo nesse projeto ‘A vida é um sonho pintado em aquarela!’ são as emoções. Essas emoções vão mudando a cada dia, porque a cada componente que chega e compra a ideia você sente que não basta apenas apresentar um desfile de carnaval na avenida: é necessário você viver aquele desfile durante todo o ano. A conclusão é o espetáculo que você apresenta, comentou.
Em outro momento da entrevista, o profissional voltou a falar sobre sentimentos e reflexões que o desfile irá propor – mas já falando sobre temas mais cartesianos sobre a disputa: “A vida é um grande sonho. Quando você nasce, você tem a sua trajetória todinha sonhando com a próxima parte desse ciclo, com um grande sonho. Quando a gente fala que a vida é um sonho pintado em aquarela, é porque quem faz o sonho somos nós. E esse sonho é o que a gente vai contemplar na avenida com um grande espetáculo. Tenho certeza que a Dragões está preparada. É uma competição e nós estamos preparados para ganhar o carnaval. Nós estamos preparados para fazer um grande espetáculo. Mas, acima de tudo, é fazer uma bela apresentação onde todo mundo da comunidade esteja inserido dentro dessa proposta. Ao longo desse ano nós trabalhamos muito e a nossa comunidade está muito preparada para transformar realmente o Anhembi em uma grande aquarela”, prometeu.
Celeridade
Por conta do triste episódio ocorrido com Jorginho, Jorge destacou que toda a roteirização do projeto foi feita de maneira bastante rápida: “Eu acho que a emoção toma conta de todo momento. Em cada canto eu sinto a presença do meu neto e a inspiração para eu criar esse projeto é ele. Nada acontece de uma hora para a outra e esse projeto foi concebido em duas semanas. Eu sentei aqui na minha mesa e fui riscando coisas que vinham com uma força muito forte. Elas vinham e faziam eu colocar tudo no papel para trazer à realidade. Existem os profissionais que executam e os profissionais que estão fazendo essa execução, eles estão totalmente dentro de toda essa emoção que o profissional Jorge Freitas está vivendo. Isso é o mais importante disso tudo. Esse é o carnaval que eu estou trabalhando mais. Eu chego hoje, há quase um mês do carnaval e eu estou cansado, muito cansado, mas também com muita vontade de fazer mais até o último componente sair da avenida e a gente contar essa história tão bela”, destacou.
Trunfo
Para o carnavalesco, a temática, tão especial, será o ponto alto da Dragões da Real em 2025: “Para mim, enquanto profissional, a emoção que esse enredo criou no mundo do carnaval é o grande trunfo da escola. Todos sabem da história, do amor, do carinho entre o Jorge Freitas e o Jorginho e de toda a minha família. Mas o lúdico que esse enredo traz é de uma emoção muito grande. As pessoas perguntavam se é um enredo infantil e não, não é nada infantil. É um enredo que, na verdade é muito sério – só é lúdico. Ele faz com que a gente descubra porque por muitas vezes a gente deixa escapar essa criança que tem dentro da gente e a gente começa a fazer algumas situações que não deveria fazer: é porque nós deixamos essa criança que tem dentro da gente escapar – e, por muitas vezes, a gente até mata essa criança. Em certo momento da vida, a gente esquece da criança que temos e nunca mais ela está viva. Se nós pensássemos com a pureza de uma criança até o fim das nossas vidas, como o mundo seria diferente? O lúdico, a emoção; mas, acima de tudo, o colorido que nos traz a alegria é um trunfo muito grande. E é um enredo que foge totalmente, está na contramão de todos os outros enredos que irão passar na avenida”, refletiu.
Setorização
Ao falar do ciclo da vida, uma sequência cronológica é evidente: nascimento, infância, adolescência, maturidade, melhor idade e o descolorir – para ficar na expressão muito utilizada por toda a escola ao falar da temática. Jorge não fugiu de tal ordem quando perguntado sobre como a escola desfilaria setor a setor: “Essa já é uma característica do meu próprio desfile. Eu uso a alegoria como pano de fundo para tudo que vem à frente dela, que são os personagens que a gente cria para ilustrar essa ópera a céu aberto. A gente tem a bateria e o samba da escola como trilha. Os personagens que se apresentam são as nossas fantasias, com a nossa comunidade. e o palco, aquele cenário maravilhoso, é a nossa alegoria como pano de fundo. Basicamente, eu utilizo dessa forma. Tem uma abertura, primeiro setor, segundo e terceiro setor. A abertura, quando você ressalta o ciclo da vida desde o nascimento (ou melhor, desde a imaginação de uma criança que vem ao mundo), ela enxerga, na pureza dela, um mundo maravilhoso”, iniciou.
O próprio carnavalesco continua: “Ao longo dessa estrada que termina com o atravessar daquele portal para a parte da espiritualidade, a gente vai enxergando o que é o mundo e a gente o torna difícil. A gente faz a abertura com o nosso grande castelo. Na música e no samba a presença dele é muito forte. A segunda, já no primeiro setor, é a questão da juventude: são as emoções, as sensações desse período da juventude. De lá nós vamos para o próximo setor, que é a maturidade e a busca pelo futuro. No terceiro e no último setor a gente faz essa brincadeira do carnaval, linkando aos sentimentos e transformando essa passarela em uma grande aquarela até o descolorir – que, para a gente, é apenas atravessar, trocar a fantasia com a mesma consciência, ter a chance da renovação e reiniciar novamente um próximo ciclo da vida”, explicou.
No sangue
Em alguns momentos da entrevista concedida ao CARNAVALESCO, Jorge Freitas foi além e destacou o quanto o desfile ultrapassou as barreiras de barracão, ateliê, quadra e Sambódromo para adentrar outras regiões bastante importantes da vida pessoal do profissional. O ocorrido com o neto, obviamente, é um desses fatos: “Além de tudo, a luta do Jorginho vai continuar. Como a passarela do samba é um palco em que a gente tem voz, eu também quero continuar na luta pelas crianças têm a mesma síndrome mas não tem atenção, não tem o carinho necessário. O Jorginho nasceu em uma família que deu de tudo para ele – incluindo muito amor. A luta vai continuar. E que seja através desse carnaval, que as pessoas se sensibilizem para que a gente possa, cada vez mais, ter um pouco mais de atenção – não só da síndrome do Jorginho, mas de várias e raras que existem pelo mundo afora”, pontuou.
A família Freitas e os integrantes da comunidade da Dragões são outras pessoas que mereceram uma palavra de Jorge: “A minha família toda é envolvida, a minha esposa cuida da parte de fantasias. A Dragões é muito organizada, e esse estilo Jorge Freitas só veio a completar essa organização. Eu sei que eu sou categórico em afirmar que, quanto mais a gente ensaia, a probabilidade de errar é menor. Esse é o meu estilo. Nesse ano, eu tripliquei esse meu estilo e as pessoas estão ficando meio loucas comigo. Mas, quando eu dou uma bronca, ou quando eu falo um pouco mais rude, as pessoas sabem que eu quero o melhor para elas – e elas têm algo a mais para me oferecer. Ela encarra aquilo com carinho, com amor. O profissional Jorge Freitas é assim: eu não sou apenas de prancheta, de desenhar. Eu gosto de trabalhar com o ser humano. Eu volto a afirmar: o que faz uma escola realizar um grande espetáculo é a comunidade. Carro alegórico e fantasias são um complemento para que a comunidade se sinta homenageada e feliz em vestir aquela fantasia e ter aquele carro. Mas o ser humano é o principal de tudo. Eu sei que eu trabalho muito bem com isso – e, na Dragões, não seria diferente até mesmo porque ela já estava preparada para receber esse meu trabalho”, destacou.
A própria escola, por sinal, também foi motivo de palavras bastante elogiosas do carnavalesco: “Nós já tínhamos um enredo e, com o acontecimento envolvendo o meu neto, apresentei essa proposta e a escola comprou de imediato. No mês de maio, nós apresentamos o enredo. Duas semanas depois já estava com tudo desenhado e começamos os pilotos. Nós estamos desde o mês de maio na estrutura de toda a concepção do enredo, da montagem, da roteirização de tudo. Eu tenho uma equipe: tenho o Raphael Villares, meu afilhado, que é o enredista; tenho o Raphael Maslionis que está comigo; tenho o Márcio Santana, o Rogério Félix. Uma escola de samba aceitar uma proposta como a Dragões aceitou e estar junto nessa briga é difícil. E a Dragões… eu só a agradecer a Dragões e agradecer ao carnaval como um todo. Esse é um espaço em que a gente pode conseguir inúmeras coisas, são situações que a gente tem diversidades imensas. Essa é a minha luta e eu falo: o protagonista é o astronauta e o astronauta sou eu, é você, somos todos nós que vamos em busca dos nossos sonhos”, agradeceu, reiterando o DNA de inovação da agremiação.
Recado
Quando indagado sobre um recado que gostaria de deixar a quem estiver assistindo ao desfile pela televisão ou na arquibancada, Jorge focou no samba-enredo e na música-tema do desfile: “O samba já conta essa narrativa que a plástica vai apresentar na avenida. É muito no olhar de quando a escola entrar: a pessoa vai ver o guarda-chuva e já lembra do guarda-chuva da música, vai ver a gaivota no sentido de ter um acolhimento, ter a mão do outro na hora que o outro necessita ou que você mesmo necessita. Quando a gente fala ‘Hawaii, Pequim ou Istambul’, são esses novos ares que cada um de nós vai em busca. O beijo azul, o barquinho, a vela… são essas coisas que vão remeter à música e que vão nos levar ao samba que está sendo tocado. E são essas emoções que vamos passar no Anhembi. Cada um vai se sentir parte das quatro alegorias em algum momento da vida. Essa ligação do que você está ouvindo, do que você está vendo e do que você está sentindo vai ser o fundamental para o nosso desfile”, indicou.
Por fim, o hexacampeão do Grupo Especial de São Paulo tratou de deixar todos muito à vontade: “Também quero frisar que a nossa comunidade se preparou com muito amor e com muito carinho para fazer um grande espetáculo, um grande desfile para todos aqueles que estiverem nos assistindo. Eu convido a todos que, mesmo da arquibancada, mesmo de casa, façam parte do nosso desfile. Estar desfilando com a gente e se encontrando em algum momento, em alguma parte do nosso desfile, é muito prazeroso”, finalizou.
Ficha Técnica
Enredo: “A Vida é Um Sonho Pintado em Aquarela”
Número de Alas: 19
Número de Alegorias: Quatro
Número de Componentes: 2500
Diretora de Ateliê: Beth Freitas
Diretor de Barracão: Elias Vieira