Por Victor Amancio
Na busca pelo bicampeonato depois do título da Mangueira em 2019, o carnavalesco Leandro Vieira se debruça na biografia de Jesus para o próximo carnaval, mas diferente da história contada, ele apresentará diversas faces de Jesus Cristo. Em visita do site CARNAVALESCO ao barracão da Verde e Rosa, o artista explicou que o enredo não é um questionamento a história de Jesus, mas é um questionamento a supremacia branca da figura de Cristo.
Leandro diz que gosta de aprofundar as temáticas e que a construção de enredo para ele se dá de forma contínua. Na Mangueira, ele diz ter iniciado essa construção em 2018, com o enredo: “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”, vislumbrando um desfile de escola de samba como um lugar para defender uma ideia.
“Essa ideia de apresentar carnavais contra hegemônicos, contra a hegemonia das abordagens, se aprofunda no carnaval de 2020. Para mim, é uma construção, o que não torna o enredo de 2020 uma novidade, porque ele é fruto da construção. Ele nasce da minha vontade de apresentar, ainda me debruçando sobre a “história que a história não conta” e se tem algo que a história não conta direito é: a imagem de Jesus Cristo”. (fotos de Oscar Liberal/Divulgação)
‘Podemos afirmar, com certeza, Jesus não era branco, os olhos azuis e dos cabelos aloirados’
Para Leandro a imagem de Cristo foi construída girando em torno de interesses eurocêntricos para favorecer a supremacia da raça branca.
“Hoje sabemos que é uma imagem construída para atender interesses eurocêntricos, interesses relacionados a supremacia da raça branca. Se temos uma coisa que podemos afirmar, com certeza, é que Jesus não era de forma nenhuma, pela condição territorial, da geografia, pelo biotipo do homem do oriente médio, é que ele não era branco dos olhos azuis e dos cabelos aloirados. Isso foi uma construção que foi feita para atender interesses, e o que eu vislumbro é a imagem de um Jesus que a gente possa chamar de Jesus da Gente”.
Por mais que seja um questionamento, o carnavalesco pondera que o enredo da Estação Primeira é tradicional por ser uma biografia que será respeitada.
“É um enredo tradicionalíssimo, é a biografia de Jesus Cristo, todo mundo sabe que é e eu não vou mudar. Ele nasce, cresce, é crucificado e ressuscita, esse é o enredo da Mangueira, esse ano não tem surpresa, não tem segredo, pois a biografia é essa, talvez, a mais conhecida da humanidade. De diferente, e nesse ponto o enredo é contra hegemônico, é o contorno físico desse Jesus, é como ele se apresenta”.
Entusiasmado, o carnavalesco disse que a parte mais interessante do enredo é o questionamento artístico da imagem de Jesus. Para ele, questionar a supremacia vendida pelos europeus é o mais importante, pois a forma em que a figura de Cristo chega nas Américas é distante para o que ele acredita ser a realidade.
“A possibilidade artística de questionar a supremacia branca da figura de Jesus é o mais interessante nesse enredo. É muito importante porque a figura de Jesus Cristo, no Brasil e nas Américas, foi apresentada de forma muito diferente daquilo que nós somos enquanto povo. Eu fico me perguntando quão diferente seria a história da humanidade se a figura de Jesus fosse apresentada mais retinta, o quanto determinados processos históricos como a dominação de povos, a questão da dominação territorial, a transformação do negro em mercadoria escrava… Como isso seria olhado de forma diferente se a figura de Jesus fosse apresentada de forma mais retinta. É interessante pensar como a escolha de modelos, a escolha de signos, a escolha da tonalidade da pele, da textura capilar influencia na maneira como as pessoas olha o outro”.
‘Eu gosto de me debruçar sob temas populares’, diz Leandro
Desde sua estreia, na Caprichosos de Pilares, Leandro Vieira trouxe enredos populares e de fácil aceitação e entendimento dos sambistas. Sobre essas escolhas, Leandro aposta que o trunfo para 2020 é exatamente este: apresentar uma história que todo mundo de alguma forma conheça.
“O grande trunfo do desfile da Mangueira, sem dúvida, é o fato de estarmos apresentando uma história que todo mundo conhece de alguma forma. É uma história popular e eu gosto de me debruçar sob temas assim populares, de fácil compreensão. Faço carnaval para todo mundo compreender. A maneira que eu apresento o desfile é buscando ser fácil e os temas que trouxe até agora são fáceis de serem compreendidos. Não me interessa o difícil”.
Sobre a crise que sobrevoa o carnaval o carnavalesco é direto: “Eu não conheci carnaval bom, eu não sei o que é carnaval com dinheiro, com facilidade”, indaga Leandro.
Para o carnavalesco, as pessoas que fazem o maior espetáculo da Terra precisam entender a situação atual e que os tempos mudaram. Leandro explica que por desconhecer o carnaval em seus tempos áureos, com sobra de dinheiro, não sente falta.
“Eu acho que as pessoas têm que entender que o modelo que elas conheciam de carnaval acabou. Não existe mais e não dá para voltar atrás. Não vou dizer que é bom ou é ruim, não vou defender carnaval de miséria ou carnaval de criatividade mas acabou, é um modelo que chegou ao fim. Pessoas falam muito de crise, de dificuldade e sempre estão associando isso ao luxo, ao dinheiro. Eu sou carnavalesco desde 2015, eu fui contratado pela Caprichosos de Pilares que passava por um momento extremamente difícil, não tinha nada para fazer carnaval. No ano seguinte fui contratado para fazer a Mangueira, que não desfruta da melhor condição financeira, dentro do Grupo Especial. Eu sou carnavalesco desde quando o carnaval entrou em crise, tanto Caprichosos quanto Mangueira são escolas em constante crise. Eu não conheci carnaval bom, eu não sei o que é carnaval com dinheiro, com facilidade, não sei o que é carnaval onde tudo que você quer você pode realizar. Tem mais dificuldade quem conheceu o carnaval com fartura de dinheiro, talvez, essas pessoas sintam falta, mas quem não, desconhece”.
Sobre o número de elementos alegóricos no seu desfile, Leandro prefere não falar para evitar uma expectativa quantitativa, já que para ele, isto é irrelevante para a qualidade artística, mas afirma que a Mangueira irá apresentar um desfile superior ao de 2019.
“O número de alegorias e tripés eu deixo em segredo. Não acho que seja importante, eu até nego essas coisas e não é porque eu não queira falar ou que seja um mistério, mas de um modo geral criasse uma expectativa quantitativa a respeito das coisas e eu tenho brigado muito na maré contrária do carnaval quantitativo. Eu acredito que a qualidade do carnaval não está na quantidade. Vejo as pessoas dando muita importância a quantidade de alegorias, tripés e deixando de lado coisas que eu considero mais importante. Ficar dizendo aqui se a Mangueira vem com o número máximo ou mínimo de alegorias vai vender falsa qualidade ou falso derrotismo. Mas a única coisa que eu digo é que a Mangueira vem uma escola maior do que 2019, pois uma escola que briga pelo bicampeonato ela tem por obrigação de apresentar um desfile superior ao seu campeonato e isso tenho certeza que a Mangueira fará, e irá apresentar um conjunto de alegorias e fantasias superior ao carnaval de 2019”.
Entenda o desfile:
Leandro não costuma passar a setorização do desfile porém em linhas gerais sugere que o desfile seja dividido em 4 setores. Pode-se notar um barracão maior do que o de 2019, com 5 alegorias e um tripé.
“Eu não costumo setorizar mas é a biografia de Jesus Cristo, ele nasce, cresce, morre e ressuscita. É isso, não tenho para onde fugir”.
Buscando explicar e trazer uma narrativa para o leitor do site, o CARNAVALESCO interpretou a sinopse baseada na fala de Leandro Vieira, que divide em nascimento, crescimento, morte e ressuscitação a biografia de Jesus Cristo:
Setor 1: Interpretando a fala do carnavalesco, no primeiro setor temos o nascimento de Cristo. Neste trecho da sinopse temos a primeira parte do enredo. O nascimento de Cristo, diferente da “história oficial”, no desfile da Mangueira, nasce mais retinto e no morro de Mangueira. “Se ele voltasse à terra por uma encosta que toca o céu – para nascer da mesma forma: pobre e mais retinto, criado por pai e mãe humilde, para viver ao lado dos oprimidos e dar-lhes acolhimento – ele desceria pela parte mais íngreme de uma favela qualquer dessa cidade. Talvez na Vila Miséria, região mais alta e habitada do Morro de Mangueira”.
Setor 2: Jesus cresceria entre becos e vielas defendendo as mesmas ideias que defendeu a mais de dois mil anos atrás. Estaria do lados dos oprimidos e excluídos, do lado do amor irrestrito. “Ele cresceria entre os becos da Travessa Saião Lobato, correria junto das crianças da Candelária, espalharia suas palavras no Chalé e no “Pindura” Saia. Impediria que atirassem pedras contra os que vivem nas quebradas e nos becos do Buraco Quente. Estaria do lado dos sem eira e nem beira estranhando ver sua imagem erguida para a foto postal tão distante, dando as costas para aqueles onde seu abraço é tão necessário”.
Setor 3: Crucificação de Jesus, que mesmo crescendo na favela e fugindo das estatísticas, morre na mão das velhas ideias que, ainda hoje, são alimentadas pelo homem. “Se sobrevivesse às estatísticas destinadas aos pobres que nascem em comunidades, chegaria aos 33 anos para morrer da mesma forma. Teria a morte incentivada pelas velhas ideias que ainda habitam os homens”.
Setor 4: Jesus após ser condenado e morto, ressuscita no morro de Mangueira e volta para a grande festa: o carnaval. “Morto, ressuscitaria mais uma vez e, por ter voltado em Mangueira, saudaríamos a possibilidade de vermos seu sorriso amoroso novamente com o que aqui fazemos de melhor. Louvaríamos sua presença afetuosa com samba e batucada”.
- trechos da sinopse escrita por Leandro Vieira