Por Matheus Mattos
A série de barracões do carnaval de São Paulo detalha o enredo da campeã de 2019, Mancha Verde. A equipe do CARNAVALESCO visitou a quadra e conversou com o Jorge Freitas, artista responsável.pelo desenvolvimento do enredo: “Pai! Perdoai, eles não sabem o que fazem”. Segundo o carnavalesco, o projeto tem teor crítico e social, mas com foco em causar a reflexão do sambista que assiste.
“Na realidade, o enredo faz um paralelo com a vida de Cristo e a atualidade. É um grande cortejo, onde a passarela do samba se torna um altar e a Mancha Verde, em nome de toda humanidade, pede perdão por todos os erros cometidos. O nosso desfecho é que só o amor pode salvar a humanidade. Cada um que estiver assistindo vai se interiorizar e questionar ‘será que não estou atuando como tal?’. Muitas das vezes a gente acha que está fazendo certo, mas tá errado. O teor do enredo é fazer enxergar o problema e fazer renascer um novo ser. A gente gosta de jogar pedra, mas quando somos vidraças, a gente se encolhe”.
Segundo o carnavalesco, a ideia do projeto já era imaginada. Com o alto nível plástico disponível pela escola e situação atual do mundo, ele enxergou a necessidade da abordagem.
“É um momento onde, não só o Brasil, mas como o mundo todo passa por um momento de turbulência. O ser humano perdeu as referências do que é certo e errado. Eu já tinha esse enredo há anos, mas não tinha a oportunidade de desenvolver com a plástica que eu queria. Quando falamos de um enredo como esse, é porque precisa acertar muita coisa. Quem dera se a gente não precisasse abordar esse tema”.
Jorge Freitas cita também que proposta foi bem recebida pelas pessoas e enaltece letra do samba-enredo.
“O que mais me chamou a atenção foi a proximidade das pessoas de falarem que estavam precisando de um enredo desse. O nosso enredo e o nosso samba são uma oração. Quando você declama, não pensando nele como samba, é um pedido de perdão por tudo que nós estamos cometendo”.
Questionado sobre favoritismo no carnaval de 2020, o artista recua e defende foco em qualidade do desfile.
“A gente não se sente favorito. Todo mundo vai lá pra ganhar, com a gente não seria diferente. Mas não vejo como defender um título, eu vejo com a oportunidade de fazer um trabalho tão bom quanto o ano passado. A gente tem que estar bem com a nossa comunidade, como o nosso povo. Nós estamos com uma comunidade comprometida. Quantas vezes já fui campeão e no ano seguinte eu tinha que fazer um trabalho melhor”.
Mancha terá movimentação humana em todas alegorias
Uma das novidades do carnaval da Mancha Verde será as encenações nas alegorias. O próprio lançamento do enredo, realizado em junho, trouxe elementos teatrais e encenações. Jorge explica mudança de postura e foca no impacto nas arquibancadas.
“Não é um estilo meu. O meu requinte é o acabamento e o detalhe. Consegui mesclar algumas coisas dentro do meu trabalho, mas através das pessoas. Tenho componentes que vão fazer atos cênicos e coreográficos, eles vão compor o nosso enredo. A Mancha está se preparando pra fazer um espetáculo e passar uma mensagem, não vai ser só um desfile bonito e que simplesmente passou. Tenho certeza que o desfile da Mancha vai fazer com que as pessoas reflitam nos seus atos, em algumas situações”.
Já no final da entrevista, Jorge Freitas aproveitou pra enfatizar: “A nossa comunidade pode ter a tranquilidade que o nosso projeto foi feito com muito comprometimento e profissionalismo. Estamos prontos pra apresentar um grande trabalho, ganhar é consequência. O mundo do samba pode se preparar pra acompanhar um grande espetáculo da Mancha”.
Conheça o desfile
O desfile da Mancha Verde terá cinco alegorias, em 20 alas, com 3 mil componentes.
1° SETOR – Nascimento de Jesus
“As coisas vão se repetindo com a mesma simplicidade que Jesus nasceu. Quantas crianças nascem e muitas das vezes em condições precárias, mas a grande comemoração não é do nascimento, que é o que tinha que ser comemorado, e sim a festa do Natal, que se transformou em algo comercial, num elo de venda”.
2° SETOR – Traição
“Aqui a gente já fala de Jesus quando ele foi traído por Judas. Eu falo das múltiplas faces do homem, tanto do bem quanto do mal. Jesus condenou o interesse comercial, mesmo a frente do seu tempo. Hoje o homem trai pela cobiça, pela ganância financeira. Quantos políticos, pessoas usufruem dos seus poderes para ganhar em cima de quem tem menos. Toda essa ganância por poder vai ser contada na avenida”.
3° SETOR – Condenação
“Jesus é entregue à Pilatos, o povo condena Jesus e Pilatos lava as mãos. Quantas vezes a justiça lava as mãos para aqueles que menos tem. Nesse setor vamos falar da Lei Maria da Penha e a justiça que tem que ser feita. Fechamos esse setor com igualdade, todos os gêneros com a mesma igualdade. Fomos nós, seres humanos, que fizemos a diferença. Nós que determinamos que o negro não tem tanto quanto o branco, e quem somos nós pra definirmos alguma coisa. Colocamos todos na mesma balança. É um momento muito forte do nosso enredo”.
4° SETOR – Morte
“Pilatos condena Jesus, e nós condenamos o próximo por diversas ações. Vamos falar da inquisição, Ku Klux Klan, Nazismo, da natureza que morre pela ganância do homem, mais de 80 tiros numa família de negros. Tudo isso termina com a morte. No carro a gente retrata a homofobia, feminicídio”.
5° SETOR – Ressurreição
“Claro que nosso desfecho é a ressurreição. Na nossa concepção, a gente tem que fazer renascer um novo ser dentro da gente. O tempo passou, mas o conteúdo do ser humano é o mesmo. A gente tem que aprender a valorizar tudo o que Deus nos ofereceu. Encerramos o desfile dizendo ‘só o amor pode curar o mundo’.
A agremiação não permitiu a entrada do site no barracão para fotos.