A última participação da Inocentes de Belford Roxo no Grupo Especial ocorreu em 2013, com o enredo “As sete confluências do Rio Han – 50 anos de imigração da Coreia do Sul no Brasil”. Agora, a Caçulinha da Baixada promete levar um grito de salvação à Amazônia para o Carnaval de 2025. Em entrevista ao CARNAVALESCO, o carnavalesco da escola, Cristiano Bara, compartilhou detalhes sobre o enredo deste ano, que será uma reedição do Carnaval de 2008: “Ewe, a cura vem da floresta”, que na época foi produzido por Jorge Caribe.
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
“Por se tratar de uma reedição, eu participei do projeto com o Caribe em 2008. Eu elaborei os protótipos e já trabalhava na Inocentes. Estive envolvido em todo o processo, inclusive, guardo figurinos daquela época. Para mim foi relativamente tranquilo aprofundar alguns aspectos e dar uma nova roupagem ao enredo. É um tema bastante atual: precisamos preservar as florestas. O ecossistema não se resume apenas a incêndios ou chuvas intensas. Precisamos abordar a questão de que, se não tivermos floresta, de onde virão a essência e os recursos para a produção dos medicamentos que conhecemos, como a Novalgina e a penicilina? Esses remédios têm origem em folhas e, se não preservarmos a floresta, em diversas entrevistas já mencionei que o planeta é nossa casa. Não podemos simplesmente fechar a porta e nos enclausurar, pois, ao fazermos isso, o planeta também sucumbirá e nós juntos. Se não cuidarmos das florestas e do ecossistema da Terra, não haverá mais lugar para vivermos, e o futuro das próximas gerações estará comprometido. A mensagem principal deste enredo, que adaptamos ao final, é um alerta sobre a importância da preservação. O carnaval, como expressão cultural, é uma ferramenta poderosa. Através das histórias dos orixás, conseguimos narrar desde tempos remotos até os dias atuais, sempre destacando a possibilidade de salvação. Na última alegoria, apresentaremos uma escultura representando o ossam, segurando uma folha e clamando: ‘Salvem as florestas!’, pois, sem elas, não teremos cura para as futuras gerações e o progresso da humanidade estará em risco”, afirmou Cristiano.
Questionado qual será o grande destaque do desfile, o artista compartilhou sobre o tema.
“O grande destaque é o humano, que trará à vida toda a história que estamos preparando em alegoria, fantasia e arte. Acredito que, sem o humano, não temos trunfo algum. Pode haver a melhor alegoria ou a fantasia mais elaborada, mas é o humano que tornará tudo isso realidade, conforme imaginamos”, disse.
A escola apresentará a narrativa de Ossain e o conhecimento das ervas, revelando como elas podem produzir cura por meio das folhas. Essa abordagem mostrará todo o processo africano que chegou ao Brasil, iniciando um diálogo sobre a fé no país, abordando a Umbanda e as tradições dos pretos-velhos. Além disso, serão exploradas as contribuições dos indígenas e o conhecimento dos pajés, que preparam bebidas e realizam rituais com folhas voltados para a cura e o espiritual. Assim, a proposta é enfatizar a cura tanto do corpo quanto da alma. No final, o enredo falará sobre renovação e um futuro promissor.
“A cada passo que a escola der, compreenderemos de forma clara o enredo, que começa com a origem africana, avança pela religiosidade e culmina na união de todo esse conhecimento com a história, incorporando a modernidade da biomedicina para promover a cura da humanidade. Assim, será evidente que começamos e terminamos com o sangue, dando um grande grito de alerta em defesa de nossas florestas e do nosso povo, para que compreendamos a importância de cuidar do planeta”, afirmou Cristiano.
Na entrevista com o carnavalesco Cristiano Bara ficou a curiosidade sobre o que significa para ele revisitar o enredo que foi apresentado em 2008. Sem hesitar, ele explicou que, como praticante do candomblé e com mais de 20 anos de vivência na religiosidade, além de cultuar seu pai de santo, ele compreende a profunda importância das ervas e de um enredo tão potente quanto esse.
“É fundamental cultuar o conhecimento da ancestralidade. No início do desfile, apresentamos uma ala que aborda essa temática. Para mim, isso é extremamente gratificante, pois é uma religião à qual me dedico. É o começo da nossa história e me proporciona um contexto para observar tudo o que acontece em outras culturas, como a indígena, e em outras práticas, como a Umbanda. Eu não sou umbandista, mas frequentei a Umbanda quando criança, acompanhando minha madrinha. Portanto, essa experiência me permite aprofundar meu entendimento e percepção, o que é essencial para respeitar o próximo, independentemente de cor, raça ou crença. Isso se reflete no enredo e me leva de volta à inocência, especialmente após minha experiência no ano passado. Participei do projeto com o Caribe, foi um desfile que nos consagrou campeões, com um samba muito envolvente que a escola adora. Para mim, foi um prazer reviver tudo isso, contar essa história com um olhar renovado, imerso pelas transformações do carnaval e do espetáculo, entendendo de forma diferente que é um grito de alerta para que possamos salvar a humanidade no futuro”, comentou Cristiano.
O carnavalesco acrescentou que, apesar de ser um enredo conhecido, ele o considera tranquilo, pois já fez parte do projeto anterior.
“Não se trata apenas de pegar um enredo de outra pessoa, mas de se apropriar de toda a criação. Eu criei todos os protótipos e figurinos. O Caribe supervisionou e aprovou, e essa interatividade foi muito gratificante. Reviver algo do passado e retornar a esse momento traz um sabor especial. Tenho fotos em casa com o troféu daquela época, e ele está em um porta-retrato na minha casa. Revisitar tudo isso em um momento tão importante é significativo, já que sou apaixonado pelo carnaval. Amo essa festa, pois é a celebração do meu pai Exu, que cuida tanto de mim!”, afirmou Cristiano.
Cristiano recorda um momento marcante do Carnaval de 2008: “Era uma fantasia do olho que tudo vê. Hoje eu fiz algumas modificações, mas quem assiste logo compreende”.
“Lembro-me bem de uma fantasia inspirada no olho que tudo vê, um ritual indígena que envolve o chá das folhas em busca do terceiro olho, o olho da espiritualidade. Recriei essa fantasia, mas de uma forma que permite uma compreensão mais rápida por parte do público em comparação com a época anterior. Naquele tempo, tínhamos recursos mais limitados. Hoje contamos com diversos artifícios que nos permitem aprimorar a apresentação. O figurino original está guardado, e fiz a nova versão com base nele. Essa ideia ficou gravada na minha memória, o que me levou a preservar esse figurino, pois o nome é muito sugestivo: o olho que tudo vê. Mantivemos essa fantasia, agora com uma nova interpretação da minha equipe e da escola de samba. Embora houvesse pessoas que a apreciavam e outras que não a entendiam, encontramos uma forma de apresentar que agradasse a todos. É uma nova perspectiva do olho que tudo vê!”, disse o carnavalesco.
Cristiano contou suas experiências ao lidar com os desafios da Série Ouro.
“Acredito que a chave está em reunir toda a equipe, garantindo uma integração efetiva. Costumo dizer que somos como um relógio: todas as engrenagens devem funcionar em harmonia, sempre colaborando umas com as outras para que possamos respeitar o tempo do espetáculo, que possui dia, hora, minuto e segundo determinados. Vejo a equipe como pequenas engrenagens interconectadas, essenciais para produzirmos um espetáculo de qualidade, mesmo quando temos que superar limitações financeiras ou estruturais. A montagem é extremamente complicada: os barracões, a altura dos carros, tudo exige uma montagem cuidadosa e precisa. No dia do desfile, os carros são transportados em caminhões e muitas vezes desmontados, pois não dispomos da altura necessária para testes adequados. Esta semana, por exemplo, precisamos colocar o carro para fora para testá-lo, uma vez que possui elementos internos que exigem elevação. Essas limitações podem tornar o processo desafiador, mas conseguimos extrair o que há de melhor em nós para entregar um grande espetáculo, pois o público está ansioso para vivenciar isso. E não é apenas o júri que nos interessa; direcionamos nosso trabalho a todos, pois, quando há interatividade com o público, os jurados também são impactados e, consequentemente, podem nos conferir a sonhada nota 10”, declarou Cristiano.
O artista garante que podemos esperar das alegorias da Inocentes para 2025 um toque de modernidade aliado a um conteúdo significativo.
“As alegorias da Inocentes possuem um toque de modernidade, transmitindo uma rica carga de informação. O carnaval se transforma em uma experiência que deve ser cantada, vista e ouvida, demandando um entendimento profundo do que acontece diante de nós. Muitas vezes, nos deparamos com belíssimas representações durante o Carnaval, mas, como profissionais desse universo, há momentos em que não conseguimos compreendê-las plenamente. Embora sejam deslumbrantes, nos questionamos: o que significam? Por isso, é fundamental atentar para as informações visuais e sonoras que nos são oferecidas. Trata-se de um espetáculo audiovisual; é necessário escutar as canções e observar as imagens para captar a narrativa que se desenrola. Sem isso, corremos o risco de nos perdermos. Eu, que considero ter um bom entendimento do carnaval, às vezes me deparo com cenas que não compreendo. Por exemplo, ao falar sobre o Mico-Leão-Dourado, é imprescindível deixá-lo claro e visível, para que o público possa entendê-lo como parte da história que estamos contando. É importante fazer esse ‘jogo de identificação’ para facilitar a compreensão do enredo. Assim, ao visualizarmos as alegorias, conseguiremos entender a ligação entre o samba, a alegoria e a fantasia. Vamos cantar, brincar, ouvir, observar e absorver a totalidade do enredo que está sendo apresentado, com as fantasias e alegorias organizadas da melhor forma possível para criar um grande espetáculo. É crucial que tanto os participantes da escola quanto o público — seja na televisão, no sambódromo, na arquibancada ou no camarote — se envolvam intensamente com a apresentação. O objetivo final é transmitir uma mensagem significativa. A mensagem que buscamos comunicar com nossas alegorias e fantasias é um grande alerta à humanidade: precisamos cuidar da nossa casa, que é o planeta!”, explicou Cristiano.
O carnavalesco ainda abordou as inovações que está implementando no carnaval da Inocentes, tornando as fantasias mais leves tanto para o corpo quanto para o bolso, uma vez que as vestimentas de antigamente eram muito pesadas e onerosas.
“Estamos utilizando materiais bastante interessantes. Introduzimos o etafon, um material leve que permite criar volumes e confeccionar saias, evitando o uso de palha, que é mais caro. Isso representa uma estratégia para compreendermos que o visual é importante, mas não dependemos de materiais sofisticados. Fazemos uso de alternativas que possibilitam representar o que precisamos, alinhando o conceito ao nosso orçamento. É aquela velha máxima: tirar da cabeça aquilo que não temos no bolso”.
Entenda o desfile
A Inocentes de Belford Roxo apresentará um espetáculo com 19 alas, três carros alegóricos, um elemento cenográfico para a comissão de frente e 1.800 componentes.
“Não podemos mais utilizar o tripé, pois isso foi restrito. Acredito que essa decisão foi positiva, pois nos permitiu uma divisão melhor; quando tínhamos o tripé, acabávamos nos dividindo demasiado”, comentou Cristiano.
Setor 1: “O primeiro setor aborda a herança ancestral africana. Neste segmento, focaremos na rica flora africana e nas curas proporcionadas pelas folhas. Iniciaremos com a sabedoria ancestral e a figura do babaegum, representando os espíritos ancestrais que nos guiam em nossa jornada de saúde e cura. Em seguida, apresentaremos árvores majestosas da floresta africana, das quais extraímos essências para produzir remédios que promovem a cura da humanidade. Serão abordados fundamentos relacionados a Xangô e Iansã, curandeiros africanos, além de guerreiros de Ossain. Haverá uma ala em homenagem aos babaloçães, os coletores de folhas. Este primeiro setor será encerrado com a alegoria que simboliza a floresta africana, o legado de Ossain. Assim, trazemos à tona toda a riqueza da cultura africana, incluindo as tradições Jeje, Nagô, e Keto, entre outras”.
Setor 2: “No segundo setor, discutiremos a cura através da fé. Apresentaremos fantasias que retratam rituais de cura, destacando as beberagens feitas com folhas e as práticas dos rituais indígenas. Este segmento contemplará a figura dos pretos velhos, enfatizando a cura por meio de chás e outras infusões. O objetivo é retratar a cura promovida pelas folhas, mediada pela fé nas espirituais que nos guiam e nos espíritos indígenas”.
Setor 3: “O terceiro setor abordará a esperança de cura. Focaremos no papel dos biomédicos, a preservação da natureza e a sabedoria transmitida pelo samba. Discutiremos como o conhecimento ancestral, aliado à expertise dos biomédicos, gera novos remédios para combater as doenças que surgem na humanidade. Para encerrar este segmento, apresentaremos um carro alegórico que servirá como um grande alerta, com os sães segurando uma última folha e clamando pela proteção das nossas florestas, essencial para garantir a cura da humanidade e das futuras gerações”.