Por Diogo Sampaio

Já era manhã do dia primeiro de março de 1981, quando a Imperatriz Leopoldinense iniciou seu desfile na Rua Marquês de Sapucaí pelo, até então, grupo 1-A. Em busca do segundo título de sua história, a Rainha de Ramos trazia mulatas, arlequins, pierrôs e colombinas para homenagear o compositor Lamartine Babo. A alegria das marchinhas, junto ao lirismo dos hinos, norteava uma apresentação empolgante, de visual bem acabado e fácil leitura, assinada pelo carnavalesco Arlindo Rodrigues. O samba, feito por Zé Katimba, Gigi e Serjão, levantava o público das arquibancadas que vibrava, mesmo sob o sol forte e o intenso calor, entoando gritos de “já ganhou” conforme a escola passava. Não tinha mais jeito, naquele ano, no palco iluminado, só dava Lálá.

Quase 40 anos depois, a Imperatriz levará novamente Lamartine para Sapucaí. Dessa vez, através das mãos de outro artista: o atual campeão do carnaval carioca, Leandro Vieira. Porém, quem espera uma apresentação semelhante ou na mesma linha da de 1981, certamente irá se surpreender. As mudanças já começam no título do enredo, originalmente chamado de “O Teu Cabelo Não Nega”, em referência a marchinha da década de 1930, e que foi alterado para “Só Dá Lálá”, por uma questão de adequação às questões sociais atuais. Segundo Leandro, apesar de trata-se de uma reedição, o desfile de 2020 terá identidade própria.

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“Mantive o samba e desenvolvi o meu visual a partir dele. Posso dizer que tem muito do Leandro neste carnaval. Eu gosto da rua, da festa e da farra, faz parte do meu repertório. Sempre que posso, faço alguma coisa festiva e o Lamartine é isso. O trabalho feito aqui tem muito das cores e dos visuais que são a minha cara. Sou um carnavalesco que tem a tendência de celebrar e usar de imagens de celebração. Tem pouco de 1981 em termos visuais, até porque o modelo de carnaval é outro, a setorização do desfile é diferente… É visualmente muito novo”, afirmou.

Leandro Vieira recebeu e conversou com a reportagem do site CARNAVALESCO no barracão da agremiação, localizado na Cidade do Samba. O artista, que acertou contrato com a Imperatriz somente no início de agosto do ano passado, explicou que a falta de tempo hábil foi fator crucial para optar por uma reedição. Já a escolha específica pelo enredo de 1981, de acordo com carnavalesco, esteve relacionada à ideia de resgatar a autoestima da escola e de sua comunidade, fragilizadas com o rebaixamento do Grupo Especial.

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“Fui contratado pelo presidente da escola (Luiz Pacheco Drumond, mais conhecido como Luizinho Drumond) após todo o imbróglio envolvendo o rebaixamento e isso aconteceu numa época tardia. Então, não havia tempo para propor um enredo autoral e para que esse enredo fosse concebido com um tempo para que houvesse qualidade. E haveria menos tempo ainda para uma disputa de samba com qualidade. A maneira que teria que ser uma coisa rápida e isso não faria sentido. Na expectativa de começar o trabalho, me surgiu essa ideia de reedição. A Imperatriz precisava de alegria para espantar o clima ruim, o Lamartine era o cara pra isso, a obra dele é muito festiva. Eu optei por um enredo libertador”, contou.

Apesar de ser a primeira vez que assina um carnaval na Imperatriz, a história de Leandro com a agremiação é mais antiga. O artista trabalhou como figurinista e assistente do carnavalesco Cahê Rodrigues nos desfiles de 2013, sobre o estado do Pará, e de 2014, em homenagem ao ex-jogador Zico. Durante a entrevista, ele relatou como foi a experiência desse retorno à escola:

“A recepção foi maravilhosa. O quadro de funcionários da Imperatriz continua o mesmo desde quando eu passei aqui pela primeira vez. Eu mantive contato com todos os amigos que fiz, afinal o barracão da Mangueira é do lado. E voltar para a Imperatriz na posição de carnavalesco, é uma forma de me reencontrar com o Leandro antes de ser carnavalesco. Me possibilita olhar pra mim mesmo, antes disso tudo. É tipo um exercício de voltar ao começo”, avaliou Leandro.

Retorno à Série A e dupla jornada

O desfile da Imperatriz de 2020 também marca outro retorno na trajetória de Leandro. Após quatro anos, ele volta ao grupo no qual debutou como carnavalesco, ao assinar o carnaval da Caprichosos de Pilares em 2015, com o enredo “Na minha mão é mais barato!”.

“Gosto de fazer carnaval. Quanto mais eu puder fazer, melhor vou me sentir. Estou em uma fase muito boa pessoalmente e isso reflete na minha produção artística, na diversidade das ideias, no vigor para realizá-las. Então, estou feliz em estar fazendo mais carnaval, independente da série. Eu não olho muito para isso, olho mais para a possibilidade de realizar mais carnaval”, comentou o artista.

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Foi após conquistar crítica e público com o seu trabalho na Caprichosos que Leandro ganhou sua grande oportunidade no Grupo Especial, ao ser convidado para assumir a Estação Primeira de Mangueira. Desde então, o carnavalesco permanece na verde rosa, onde já acumula dois campeonatos, e irá este ano para o quinto carnaval consecutivo.

Questionado pela reportagem do site CARNAVALESCO sobre a jornada dupla, Leandro Vieira faz questão de frisar que não se trata de uma divisão de trabalho, mas sim, uma soma:

“Não divido criatividade, somo criatividade. Dividir parece que tem uma quantidade, que dá para dividir por dois. Não, é uma qualidade que é duplicada. Eu tenho mais ideais, trabalho e realizo mais. Não divido nada”, garantiu.

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Acerca da crise que atinge a folia carioca, que neste ano viu corte completo do repasse de verba da Prefeitura do Rio para as escolas do Grupo Especial e da Série A, Leandro assegurou não se alarmar. Segundo o próprio artista, ele já está mais do que acostumado a trabalhar com pouco ou com nenhum dinheiro.

“Me acostumei com isso. Eu apareci no carnaval em uma época na qual o dinheiro já era escasso. Meu primeiro carnaval foi em uma Caprichosos de Pilares sem dinheiro algum. Então, esse corte não me assusta. Outra coisa, eu só sou carnavalesco porque o dinheiro acabou, se não tivesse acabado, tudo estaria no mesmo lugar. Essa nova geração não teria surgido. A falta de dinheiro possibilitou novas procuras e elas fomentaram o surgimento de novos artistas. Isso é ótimo”, declarou.

Do multicolorido ao barroco: A Imperatriz de Leandro Vieira

Quem adentra ao barracão da Imperatriz, logo se impressiona com um colorido de encher os olhos. Nesse quesito, se destaca o carro abre-alas, uma enorme locomotiva, multicolorida, representando o Trem da Alegria. Alegoria essa que Leandro confessou ser sua predileta.

“O abre-alas é o meu xodó. Parece um brinquedinho, só que grande. Ele chega a uns 50 metros de comprimento. E é multicolorido, festivo… Eu gosto de coisas coloridas e eu não tinha ainda tido a oportunidade de fazer um carnaval assim. As pessoas têm a enorme necessidade de rotular, e rotularam que eu sou o carnavalesco que gosta dos tons pastéis e não é bem isso. Às vezes, eu quero usar os tons pastéis, outras vezes quero usar uma paleta diferente. A minha visão para o Lamartine me possibilitou usar uma paleta mais colorida e alegre. Acho que a escola precisava e eu gosto de fazer aquilo que a escola precisava naquele momento. Acho que eu posso ser muitos, sendo o mesmo”, revelou.

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Além das cores, a Imperatriz apresentará também uma estética mais limpa e com traços bem definidos. Segundo Leandro, a mudança irá dar uma cara mais nova para escola.

“Sou um carnavalesco cheio de gás e gana pra fazer. E o meu visual dialoga com isso também. Acho que vou propor uma Imperatriz mais rejuvenescida, mais fresca. Tem muito do meu momento de vigor artístico. Se eu conseguir transmitir isso na minha criação e a escola incorporar isso, está ótimo”, pontuou.

Todavia, o estilo barroco tão característico das obras de Arlindo Rodrigues, carnavalesco responsável pelo desfile campeão de 1981, também estará presente no desfile, mais especificamente no último carro. Todo nas cores da escola (verde, branco e dourado), a alegoria trará o símbolo maior da agremiação, a coroa, e promete mexer com o brio do gresilense.

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“Tento fazer coisas que tem haver com a escola. A escolha de fazer a coroa de 2020 dessa maneira tem haver com mexer com a sensibilidade, a emoção dos torcedores da comunidade. Espero que eles enxerguem uma Imperatriz cheia de vigor nessa tradição de estética barroca, consolidada pelo Arlindo (Rodrigues, carnavalesco) e pela Rosa (Magalhães, carnavalesca)”, explanou.

‘Ganhar não é a minha prioridade’, afirma carnavalesco

Para Leandro, o fato de ser o atual campeão do carnaval carioca com a Mangueira e de estar assinando uma escola com estrutura de Grupo Especial na Série A, não garantem a conquista obrigatória do título. O carnavalesco ainda ressaltou que não se sente pressionado ou cobrado, mas sim motivado.

“Não sinto pressão nenhuma. Primeiro que eu nunca permiti que o meu trabalho fosse submetido a essa pressão. Não fui contratado para ganhar o carnaval para a Imperatriz, fui contratado para fazer o carnaval da Imperatriz. A pressão que eu faço sobre mim, não é ninguém, sou eu, é a pressão para fazer o melhor carnaval possível. Se o melhor carnaval que eu puder fazer for o que garantir o campeonato, que bom. Porém, não é a minha prioridade. Nunca tive obsessão por ganhar”, frisou.

O desfile

A Imperatriz Leopoldinense será a quinta escola a cruzar a Marquês de Sapucaí no sábado de carnaval, segundo dia de desfiles da Série A. De acordo com Leandro Vieira, a agremiação irá com o número máximo, permitido pelo regulamento da Série A, de alegorias (três com mais um acoplamento) e tripés (um).

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