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Série Barracões: Grande Rio aposta na força do enredo para contar a criação do mundo segundo o mito tupinambá

Para o desfile de 2024, a Acadêmicos do Grande Rio seguirá apostando no talento da dupla de carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Os dois, que estrearam na escola em 2020, já com um excelente trabalho e o vice-campeonato, se sagraram vencedores do carnaval em 2022, produzindo um desfile que muitos consideram antológico. No ano seguinte, muito se esperava da dupla, mas o resultado acabou ficando bastante aquém em termos de colocação. O sexto lugar deixou um gosto amargo na boca da comunidade caxiense. Apesar disso, a direção e os componentes da agremiação seguem acreditando plenamente na qualidade dos artistas. Tanto é que ambos trazem mais um enredo bastante original e brasileiro, evidenciando a liberdade que possuem na Grande Rio. A escola irá apresentar na avenida o enredo “Nosso Destino é Ser Onça”, inspirado na obra literária de Alberto Mussa, abordando a criação do mundo pelo mito tupinambá.

Dando sequência a série de barracões do Grupo Especial, o site CARNAVALESCO entrevistou Gabriel e Leonardo, que primeiramente falaram sobre como teve origem a ideia de propor o enredo para a escola:

“Nosso enredo é baseado no livro do Alberto Mussa “Meu Destino é Ser Onça”. Na verdade, a narração do mito é bem curta, ela tem mais ou menos 40 páginas. E nas outras páginas, Mussa acaba descrevendo como que ele chegou à pesquisa, como que ele conseguiu desenvolver a narrativa em cima do que foi contado. Porque é um mito contado, narrado, quase não há relatos históricos. Os relatos são escritos por europeus que colonizaram a América. São relatos vindos de ouvir as histórias, a contação. Então, ali já é uma descrição, da descrição, da tradução. Vai se tornando algo muito doido e o Alberto Mussa deixa isso bem claro, com interpretações feitas por ele. E isso a gente vem apresentando no início do nosso desfile, ele acaba baseando a narrativa completa do enredo. Léo me apresentou o livro entre 2016 e 2017, e a gente falou que era um enredo lindo, era algo que a gente poderia começar a pensar, a desenvolver, a entender como que isso seria feito. E, enfim, foi o momento, foi o nosso destino se tornar onça em 2024. São os acasos e os encontros que a gente vai vivenciando. 2024 é o ano do retorno do primeiro manto tupinambá ao Brasil, em maio. Acaba que essa coincidência foi algo bonito. A gente usa o símbolo do manto tupinambá em algumas alas, em algumas alegorias, fazendo essa referência”, explicou Gabriel.

Bora afirmou que o presente enredo o fascinou muito durante sua pesquisa, já que na sua visão ele se apresenta como contemporâneo e circular. Essas características, inclusive, também foram primordiais para o enredo sobre Exu, que conquistou o título de 2022, segundo o artista:

“Várias coisas interessantes aparecem ao longo das pesquisas. É interessante porque, às vezes, a gente parte com uma ideia preconcebida, achando que vai ser uma coisa mais linear, e aí leva uma volta ali no meio. Algo que chama muito a nossa atenção é a recorrência dessa simbologia na contemporaneidade. Esse pra mim é o ponto mais fascinante do enredo, porque a gente tá trabalhando com um mito que narra tempos imemoriais, que fala de criação, tendo esse imaginário que nos leva a pensar o que é o tornar-se onça. O que é, afinal, essa onça. Cósmica ao longo da sua tradução em obra literária, mas que se projeta para o futuro e que a gente começa a perceber hoje, no dia a dia das cidades, quando as maiores cidades do país se veem ocupadas por painéis, grafites, lambes, que utilizam a imagem da onça enquanto símbolo de luta, a gente percebe que esse imaginário está aqui hoje disputando as ruas e falando do que somos. Então, é um enredo que fascina muito porque está pensando o que é ser brasileiro, o que é, enfim, essa ideia tão debatida de brasilidade, de maneira muito profunda, inclusive em termos cronológicos, que nos leva a um Brasil muito profundo, muito distante dos dias de hoje, que ao mesmo tempo é muito próximo e que é também uma projeção para o amanhã. Então, é um enredo que também é todo circular e isso fascinou muito na pesquisa, porque a gente já experimentou algo nesse sentido quando desenvolveu Exu, porque a Exu é a circularidade. Por excelência, é também a ideia de boca coletiva, é uma divindade, ou um complexo de divindades, que também é associado à criação e destruição, bem e mal, ele dança e questiona essas oposições que o olhar europeu, colonizador, invasor, tende a repartir, a olhar de forma um tanto maniqueísta e questionar. Tudo isso é a espiral, é a boca coletiva, e as pesquisas sobre a onça levaram a gente para um caminho um pouco parecido em alguns pontos, a gente começou a observar pontos de contato. É uma outra visão de mundo. É um outro processo de criação, o mito tupinambá restaurado pelo Mussa. Mas há pontos de contato, pelo menos pra gente enquanto artista. Durante a construção, a gente conseguiu observar esses pontos de contato, e isso nos anima muito”, afirmou Leonardo.

Gabriel afirmou que o fator diferencial do enredo é a sua narrativa, como já nos acostumamos a ver no trabalho da dupla. Além disso, de acordo com o carnavalesco, o tema permite muita imaginação para criar elementos, visto que não há tantas referências concretas:

“Na verdade, a gente está tentando vários trunfos. Estamos tentando fazer com que seja um grande desfile. E isso começa pela narrativa. Uma narrativa mítica, como o Léo falou, uma narrativa que tem esse poder imagético tão forte. É uma das apostas nossas também, a gente trazer a criação do mundo pela visão do tupinambá, como já passou a criação do mundo pela tradição nagô, a criação do mundo pela visão dos carajás, a criação do mundo pelo gênesis bíblico. Então, a gente já viu em diversas cosmovisões como que se imagina a criação do mundo, e a criação do mundo é uma coisa muito doida, porque como é que a gente vai ter algo para pesquisar. A gente tem que inventar, em base dos relatos. O que a gente leu no mito de Alberto Mussa, tivemos que tirar dali e imaginar como seria. Isso é muito legal, isso é algo incrível e vai se desdobrando, então por isso que eu falei de início a narrativa, porque ela possibilita isso para a gente. Imaginar, criar coisas, isso é o mais divertido na criação, na execução e em tudo”, disse Haddad.

“São enredos que fazem a gente, de fato, viajar no delírio, na invenção, nas potências, que é algo para a gente que ama carnaval, que ama narrativa em geral, contar histórias é fascinante. A gente se deleita vendo algumas criações de outros artistas que admiramos, que viajam e que apresentam para milhões de pessoas histórias que ainda não foram contadas, que a gente não aprendeu no colégio. A gente costuma brincar quando alguém questiona sobre ser um enredo profundo, quando dizem que tem dificuldade de entender, que alguns nomes são difíceis de cantar. A gente estuda no colégio ‘A Ilíada’ e ‘A Odisseia’, com nomes dificílimos, episódios mirabolantes, e naturaliza isso. Da mesma forma, as histórias bíblicas, porque isso está impregnado no nosso imaginário ocidental. Está na hora de também estar impregnado no nosso imaginário, a visão de mundo tupinambá, o mito de criação que nos leva a pensar o velho onça, que nos leva a pensar essa dança de opostos entre Maíra e Sumé, e como isso permanece hoje, porque isso diz mais talvez do que somos, do que outros mitos. Então, da mesma forma que o carnaval tanto já contribuiu para a popularização, para o conhecimento de cosmogonias africanas, com a história de deuses míticos que descem a terra, dançam, comem, festejam, vamos também olhar mais para os nossos imaginários indígenas, para as histórias e visões dos povos originários brasileiros, pensando esses muitos Brasis que coexistem com tantas línguas, com tantas mensagens tão poderosas que estão ocupando as ruas e tenho certeza que vão passar na Sapucaí no dia 11 de fevereiro”, completou Bora.

Leonardo e Gabriel já vêm trabalhando como dupla há cerca de uma década. Eles nunca assinaram um carnaval de forma individual. É possível dizer que os dois se conhecem muito bem e se complementam. Eles falaram sobre quais características enxergam no outro como as suas principais:

“Nunca perguntaram isso para a gente. Eu acho que o Léo tem um olhar muito específico, que é o que eu já não tenho, e acaba complementando, que é um olhar para um pequeno detalhe. O Léo sabe reconhecer um defeito a um quilômetro de distância da fantasia que está ali aparecendo. Isso no dia a dia de trabalho. E na criação, a cabeça do Léo é algo muito doido, porque ela não para. É algo impressionante. Quando eu falo que uma fantasia ficou muito maneira, o Léo diz que não e já fica de lado, e vamos criar outra. Eu pergunto por que ele está insatisfeito. Às vezes ele diz que é por causa do saiote. Aí eu falo que não vamos trocar a fantasia inteira por causa do saiote. Ele diz que sim, porque é a criação. Isso também dá movimento para a gente. Então, acho que esse olhar de cuidado do Léo com o projeto, é o carinho que ele tem por aquela criação, que é nada sair do lugar, nada estar longe dos nossos olhos. Acho que isso é algo incrível, que eu já tenho muita dificuldade de olhar o defeito, eu olho sempre a coisa boa. O Léo já olha o defeito, então a gente vai lidando com isso”, falou Gabriel.

“Em outras palavras, o Gabriel tá dizendo que eu sou chato, reconheço, e é interessante que ele já apresentou uma das grandes qualidades, que é esse olhar otimista, positivo, mas para além disso, o que eu admiro muito no processo criativo, no dia a dia do Gabriel, é a coragem. Fazer arte é ser muito corajoso, é apostar em determinadas ideias. A luta por elas e com elas. E o Gabriel, mesmo que internamente na discussão talvez tenha algumas inseguranças, ele demonstra sempre muita segurança. Ele é muito seguro do que vai ser construído, do que vai sair do papel, do que vai para a avenida. E isso é muito motivador, é muito estimulante no dia a dia de trabalho, porque é essa força que fala que vamos fazer. Tem uma dimensão do fazer e da coragem, da alegria. É o poder da alegria. Alegria é uma coisa muito poderosa, que às vezes a gente menospreza, infelizmente, porque a gente foi ensinado que devemos ser muito sérios, sisudos, e que alegria é uma coisa menor. Aí vem o Guimarães Rosa e ensina para a gente que alegria é o maior valor que podemos ter. A gente não faz nada sem alegria, sem graça. E o Gabriel ele cultiva essa graça, essa alegria, então ele sempre emprega poesia nas coisas com o olhar dele. Ele sempre vai chegar e fazer uma piada que vai iluminar o barracão inteiro. Isso é muito importante no meio do caos criativo que é qualquer processo”, disse Leonardo.

Pode-se dizer que o carnaval vive um momento artístico diferente, principalmente por conta dos enredos que são levados atualmente para a avenida. Temas brasileiros voltaram a ser abordados, além de propostas mais complexas, com profundo nível de pesquisa e sustentação. Bora e Haddad acreditam que a chave para o carnaval ser esse grande espetáculo reside na diversidade de enredos e propostas artísticas:

“É uma questão complexa. Acredito que a gente está vivenciando um momento artístico muito rico, com diversas linguagens sendo desenvolvidas, tensionadas, com artistas muito consistentes, com trabalhos artísticos que já se mostraram muito consistentes, acreditando nas próprias linguagens. E isso é fundamental para um espetáculo que é diverso. Talvez a maior contradição dessas tantas análises que se montou ao longo do processo do carnaval é aquela que tende a reduzir tudo a apenas uma categoria do que é bom, do que é belo, do que é legal. Porque é um espetáculo, e a competição acaba acirrando isso, obviamente todo mundo quer ganhar, então há uma tendência natural de você querer seguir a tendência que ganhou naquele ano. Mas é um espetáculo que só se sustenta e se mostra rico devido à diversidade. A gente cresceu admirando e ansiando por ver os desfiles que a gente sabia que a Rosa Magalhães iria apresentar uma narrativa visual e textual escrita totalmente diferente do Renato Lage, que é totalmente diferente do Joãozinho 30, que é totalmente diferente da Maria Augusta, que é totalmente diferente do Oswaldo Jardim. E cada um é genial ao seu modo, usando os materiais da sua forma, acabando as suas fantasias e seus carros nessa obsessão pelo acabamento da sua forma. Me parece que, em algum momento, uma parcela do público perdeu esse senso de entender a importância dessa diversidade, a importância do encantamento. Acho que a gente está vivendo um momento em que os carnavalescos estão mais seguros nesse sentido. Desenvolvendo enredos por caminhos diferentes, isso é muito legal. Agora, eu não sei como entender isso em termos históricos, a gente também tem sempre uma tendência a achar que antes da gente era melhor, ou era mais fácil”, refletiu Bora.

Eu acho que acaba correspondendo com a chegada de novos artistas nas escolas, assim como nós, em 2020, estreamos no grupo especial, mas já trabalhávamos com o Louzada desde 2013, trabalhei com o Max desde 2008. Então, a gente vai rodando, vai conhecendo, vai entendendo um pouco o olhar de cada um. Eu acho que a disputa sempre foi tão interessante naquela época que o Léo falou, década de 90. Rosa e Renato, aquela briga ali artística, briga entre as escolas, e isso acontece dentro da avenida de uma maneira tão legal, tão bacana ver a disputa das escolas de samba. Muita gente fala que tem que acabar a disputa, mas se acabar a disputa, acabam as escolas de samba. Porque a gente é apaixonado por escolas de samba. Então, a gente vai na quadra da outra, visita, brinca, canta todos os sambas, revê desfiles. A gente tem as escolas de samba tão dentro da gente, no nosso dia a dia, mas no final é uma disputa. Todas se preparam para chegar lá e uma ganhar, e a última cair de grupo, e no ano seguinte voltar. Eu acho que é isso que torna algo tão mágico e especial. O Carnaval do Brasil é isso. Acho que é esse enfrentamento simbólico dentro de uma pista, que você vai cantar diversas faces do Brasil e de mundo”, relatou Haddad.

No ano de 2024, a iluminação cênica nova, que estreou no carnaval passado, mais uma vez será disponibilizada para os artistas trabalharem. Leonardo não abriu o jogo sobre de que forma irá utilizar o recurso, mas afirmou que é parte importante do projeto, ainda mais quando lembra que a escola apresentou problemas de luz em seus carros no desfile anterior:

“Essa ‘nova’ iluminação, que já vem sendo alterada nos últimos anos na avenida, abre um leque de possibilidades maiores com relação aos anos anteriores. Acredito que todas as escolas, em alguma medida, já começaram a pensar recursos desde o carnaval do ano passado. Houve também alguns experimentos décadas atrás, porque mesmo quando eram os antigos refletores, a gente também preparava o desfile a partir daquela luz, então o projeto de iluminação é algo que sempre foi feito. Ou como uma escola sabe que vai desfilar com a luz do sol de manhã, também tem o desfile pensado para isso. A gente pensa em iluminação o tempo todo, é parte constituinte dos desfiles, e para o próximo desfile é uma preocupação ainda maior. Como o mundo sabe, no último ano a gente teve alguns problemas luminotécnicos na avenida, que é uma coisa que a gente não espera, mas aí é o olhar técnico do julgamento. Então, isso só motiva mais a gente para pensar. Ter bastante cuidado na iluminação dos elementos alegóricos do desfile”, explicou Leonardo.

A dupla de coreógrafos Hélio e Beth Bejani é uma das mais aclamadas por seus trabalhos em comissões de frente no carnaval carioca. Novamente, ambos serão os responsáveis pelo quesito da Grande Rio. O carnavalesco Bora afirmou que a relação com eles é ótima e que o respeito é a marca do trabalho em conjunto:

“Trabalho que o Hélio e a Beth Bejani, os coreógrafos da comissão, desenvolvem desde a estreia deles, enquanto coreógrafos do Grupo Especial, tem essa característica que é uma integração com os carnavalescos. É uma característica para nós, que somos tão amantes da linguagem das escolas de samba, da memória do carnaval, muito bom, muito positiva, porque gera uma integração maior. A linguagem artística circula com mais facilidade, a gente consegue pensar a chamada cabeça da escola de maneira mais integrada, então é uma troca permanente. A gente entende muito os limites dessa troca, temos muito respeito e muita confiança no trabalho da Beth e do Hélio, que são artistas muito dedicados. Competentes, que já provaram toda a excelência do trabalho que eles desenvolvem e toda a memória que eles trazem das suas outras experiências. É uma troca muito rica, muito horizontal no pensamento do enredo, na seleção de materiais que são utilizados para a confecção das fantasias. Há uma participação muito integrada, de modo que o respeito estabelece esses limites. Não há intromissão. Quem somos nós para pensar nos aspectos ligados à dança, à própria linguagem corporal que a comissão de frente também explora”, relatou Bora.

“E entender que a nossa parceria desde 2020 é uma parceria que a gente consegue desenvolver, tanto figurinos, e a parte de treinamento no chão ou de elemento cenográfico. A gente desenha junto com eles. E eles falam se algo atrapalha a dança. Mas a ideia é acompanhar mesmo toda a abertura do desfile, que tenha uma linguagem única, que a gente veja aquela abertura que se desenhe completa. Então, esse trabalho é o que a gente vem desenvolvendo nesses anos e isso tem dado certo até hoje. A gente olha a comissão de frente, a primeira ala, o abre-alas, e é uma linguagem unifelina, uma composição harmônica”, completou Haddad.

Muitas pessoas quando descobrem o enredo e, principalmente, quando escutam o samba da Grande Rio para 2024, ficam com uma dúvida na cabeça. Afinal, o que significa ‘enquanto a onça não comer a lua’? Leonardo explicou a questão para nossa reportagem:

“A onça comer a lua, segundo o mito tupinambá, é o fim do mundo. É a destruição desse mundo que a gente conhece, porque é nesse momento em que, no plano celeste, antigos heróis indígenas que ocupavam a Terra sem mal, essa espécie de paraíso que a gente não mais pode acessar, se transformaram em astros celestes, em constelações e continuam as suas disputas no céu. Então, a onça Sumé, que se transforma na estrela Jaguar, persegue a Lua, Jaci, descendente de Maíra, que é o espírito cósmico de um guerreiro indígena que derrotou uma aldeia de jaguares quando a Terra era sem mal. Então, quando a onça celeste comer a lua, isso seria o fim do mundo, que é o fim do brilho noturno, a destruição disso que a gente entende por humanidade. Por isso que é preciso adiar esse fim do mundo, e para isso, a grande busca existencial, segundo essa cosmovisão tupinambá, era a transformação em onça. Quando você se transforma em onça é porque você vai acessar a Terra sem mal, você vai reencontrar seus antepassados e vai viver a eternidade. Como canta o samba, enquanto a onça não comer a lua, a gente vai viver, a gente vai lutar. A gente vai batalhar para adiar esse fim do mundo. Resistir, reexistir, reinventar o mundo sucessivamente, impedindo que essa criação se destrua. Então, por isso que a gente fala que o enredo celebra a liberdade, a eternidade, gritando essa importância do retorno do manto tupinambá ao Brasil, que é a evolução de uma peça roubada, saqueada, que nos leva a esse histórico tão importante para a gente conhecer o que é o Brasil, o que somos nós. E propõe adiar o fim do mundo, para celebrar, ritualizar, cantar as nossas histórias. Vamos virar onça, porque, dessa forma, a gente vira o ser mais poderoso que existe”, explicou Leonardo.

Conheça o desfile da Grande Rio

A Acadêmicos do Grande Rio para 2024 vem com cerca de 3.200 componentes. Serão cinco carros alegóricos e três tripés ao longo do desfile. O carro abre-alas será acoplado. A comissão de frente deverá ter um elemento de apoio. Em entrevista ao site CARNAVALESCO, os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora explicaram os setores de seu desfile.

Setor 1: “A abertura, o primeiro setor, que é o primeiro rugido do mundo, é para mostrar a criação do mundo a partir do mito tupinambá, narrado no ‘Meu Destino é Ser Onça’, do Alberto Mussa. Então, é o processo de construção do universo por meio de um ser, que é o velho, que é o criador, que se confunde com a figura da onça. A criação da onça tem a importância central nesta narrativa e essa é a abertura da escola”.

Setor 2: “O segundo setor mostra, após a criação dos homens, a destruição da primeira humanidade como este ser criador. Ele experimenta o sentimento de vingança e decide destruir a própria criação, oferecendo à humanidade a possibilidade de repovoar a terra a partir da terra sem mal. Esse setor termina com um tripé”.

Setor 3: “O terceiro setor descreve o processo após esse repovoar da terra, que é quando se dão as disputas míticas entre os opostos Maíra e Sumé, como o próprio samba canta, e os seus herdeiros. Essa disputa entre opostos complementares gera os rituais antropofágicos, que é a base para se compreender a sociedade tupinambá e a transformação em onça. Então, Sumé e seus herdeiros detinham esse poder dado pelo velho da transformação em onça e o ritual antropofágico é o ritual da transformação em onça por excelência. Então, são setores míticos, e são setores que falam de um tempo lendário, de um tempo imemorial, de um Brasil que nos leva a mais de 15 mil anos. O setor termina com a segunda alegoria”.

Setor 4: “Uma vez que a gente vivencia a terceira humanidade, que o samba também canta, essa humanidade que Guaraci vem clarear, povoa toda a terra e passa a cultuar a onça enquanto esse ser superior, esse símbolo de perfeição, força, luta, bravura, que é o ser mais perfeito da criação, uma vez que está no topo da cadeia alimentar, por isso até a boca que tudo devora. Então, o enredo narra quando as civilizações indígenas, não apenas do Brasil, mas das Américas, passaram a cultuar esse animal enquanto símbolo de perfeição e de acesso a mundos superiores, a essa terra sem mal da narrativa mítica tupinambá, os rituais xamânicos, a construção de ídolos, templos. É um setor que dialoga muito com esse imaginário do xamanismo. Por a onça ser esse grande símbolo de poder, esse símbolo de imaginação, a onça se torna quase um deus mítico, o deus jaguar para as civilizações maia, inca, asteca, e também esse símbolo tão poderoso para todos os povos indígenas brasileiros”.

Setor 5: “No Brasil, tudo isso se cruza, se mistura, e nas religiões afro-ameríndias, nos cruzos caboclos que a gente vivencia, nas nossas encantarias, nas nossas pajelanças, essas onças se transformam em entidades, misturadas com outros imaginários, e é isso que o quinto setor do desfile canta. Murmúrios das matas, que no Brasil, essa grande mistura de aldeia com quilombo, as onças se tornam seres encantados, que baixam nos terreiros, se confundem com entidades nas pajelanças, nos ritos caruanas, nas encantarias”.

Setor 6: “O sexto setor avança pelas trilhas nos sertões míticos, das narrativas poéticas do nosso território, que vê o florescer de um movimento como o Movimento Armorial, que mistura influências indígenas, africanas, europeias para pensar um Império Brasileiro que foi amamentado por uma onça mítica”.

Setor 7: O sétimo setor é a folia em reverência. Tornar-se onça a partir da brincadeira das folias, dos folguedos, dos carnavais. A incorporação desse imaginário nessa grande celebração antropofágica que é o próprio carnaval. Então, é um momento do enredo que a gente olha inclusive para a memória carnavalesca, homenageando alguns artistas, utilizando materiais que nos levam a pensar essa história da festa que a gente tanto ama”.

Setor 8: E o final, o oitavo setor, reantropofagias, é como esse imaginário se projeta para o futuro. Um futuro que é ancestral, nós temos o Ailton Krenak, que tem a onça como símbolo. Símbolo da luta pela demarcação das terras indígenas, símbolo da luta das populações LGBTQAPN+, símbolo de muitos coletivos que se organizam e que demarcam, simbolicamente, todo o território do Brasil, dizendo que tudo isso aqui é terra indígena e essa memória tupinambá nos leva há mais de 15 mil anos, como o Mussa narra, permanece na contemporaneidade, se lança para o futuro. Caxias é terra indígena e, para adiar o fim do mundo, simbolicamente a Grande Rio bate o cajado no chão e celebra essa grande constelação da onça para que a onça não coma a lua, como o mito tupinambá narra. Se a onça celeste comesse a lua, seria o fim do mundo, desse mundo que já experienciou outros fins, que é o que o mito narra. Então, a onça é um símbolo de criação e destruição. Para evitar a destruição, a gente celebra, a gente ritualiza”.

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