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Série Barracões: Desfile da Unidos da Ponte traz sabedoria indígena como salvação do mundo moderno

A Unidos da Ponte passa por um momento delicado. A escola foi uma das que perderam quase toda a sua produção de fantasias para o Carnaval 2025 no incêndio que atingiu a fábrica Maximus Confecções, em Ramos, na Zona Norte do Rio, neste mês. Apesar disso, a agremiação não deixará de contar a história que preparou para o Sambódromo, que, por sinal, se relaciona muito com o ocorrido. O enredo “Antropoceno” propõe uma reflexão sobre as consequências das ações humanas, ou da falta delas, no mundo em que vivemos.
Em uma conversa com o CARNAVALESCO, os carnavalescos Guilherme Diniz e Rodrigo Marques explicaram melhor o significado de Antropoceno e falaram sobre o processo de desenvolver um enredo que conectasse esse conceito com o povo brasileiro.

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“O Antropoceno é um período geológico no qual o homem branco se apropria de terras alheias para explorá-las. Aqui me refiro ao colonizador, ao homem capitalista, que está no topo da pirâmide. Ele é o grande causador de problemas para o nosso planeta. A premissa do enredo parte desse conceito”, explica Rodrigo.

A escola de São João de Meriti tem o histórico de trazer enredos com narrativas relevantes, que provocam reflexões no telespectador e em quem assiste na plateia da Marquês de Sapucaí. Em 2025, isso não será diferente. A dupla de artistas revela a preferência por temáticas de importância social, pois considera relevante trazer à tona o que não é de conhecimento geral, mas deveria ser.

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“Temos um tema extremamente atual e necessário. A mensagem que será passada é que o povo precisa ver o mundo de forma diferente e encontrar outras formas de contribuir para que isso tudo não acabe. Pelo caminho que estamos seguindo hoje, a tendência é piorar. Sofremos com catástrofes, queimadas e enchentes por conta do que fazemos com a natureza. Moramos em prédios onde antes havia árvores, andamos em ruas construídas em áreas que foram desmatadas. As pessoas não pensam duas vezes antes de abrir a janela do carro e jogar lixo para fora. Depois, tudo isso retorna quando a água invade as casas, quando o fogo toma conta das matas. Destruindo a natureza, o homem destrói o lugar onde vive. Nossos filhos, netos e bisnetos sofrerão ainda mais se não mudarmos nossa mentalidade hoje. Daqui para a frente, podemos ter um desfecho extremo em relação a tudo. Mas e se nós mudarmos essa chave? Ainda dá tempo. Vamos mostrar como estávamos antigamente, como estamos agora e como podemos estar no futuro, sob os lados positivo e negativo”, diz Guilherme.

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“Muita gente pode interpretar nossa proposta como algo relacionado ao S.O.S. natureza ou como apenas mais um enredo sobre meio ambiente. Mas a questão é muito maior do que isso. Estamos saindo da caixinha que fala apenas sobre sustentabilidade para apresentar uma solução que não foi criada por mim nem por nenhum homem branco. Nossa alternativa é indígena, porque não foi o homem branco que descobriu o Brasil. Já havia povos que viviam aqui em plena harmonia com seus próprios aprendizados. Há mais de 500 anos, estamos indo na contramão desse processo. Não estamos resolvendo o problema com soluções brancas e capitalistas, estamos apenas adiando”, reitera Rodrigo.

Aproximação com o público

Apesar de ter muito embasamento teórico e histórico, Rodrigo não considera seu tema algo difícil de ser compreendido pela grande massa. Para ele, a melhor forma de fazer isso é comparando com situações do nosso cotidiano.

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“É uma responsabilidade muito grande tentar simplificar esse tema para as pessoas. Uma coisa é o ponto de vista acadêmico, outra coisa é o entendimento coletivo. Nossa tentativa é impactar a população por meio da identificação, explicando que o Antropoceno não é a revolta natural da natureza, mas sim o resultado da interferência humana ou, às vezes, da falta de interferência política em questões que deveriam ser resolvidas”.

“Podemos pegar o próprio exemplo de São João de Meriti. Aquela comunidade sofre muito com enchentes quando chove, perdendo casas e, em alguns casos, vidas. Ali se vive em clima de tensão. É extremamente importante falarmos sobre isso no Carnaval, pois, durante o curto período de exibição do desfile, essas questões ganham visibilidade na tela do mundo inteiro”, acrescenta Guilherme.

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Parceria de vida

Não é a primeira vez que Rodrigo e Guilherme trabalham juntos. Quem não conhece os rapazes pode achar que o contato deles é apenas profissional, mas, na verdade, eles já são amigos há mais de 10 anos, e essa amizade se intensificou por conta do Carnaval.

“Nós somos uma dupla na essência, desde quando começamos. Ele sabe como eu penso, eu sei como ele pensa. Às vezes, discutimos para achar um meio-termo em um projeto e sempre encontramos. O objetivo final é sempre o mesmo. Não há vaidade entre nós. Nunca nos gabamos porque um fez isso e o outro fez aquilo. Pelo contrário. Quando nossas obras saem na avenida, sabemos que nossa missão foi cumprida, e as pessoas ao nosso redor também sabem que eu e ele contribuímos juntos para aquilo. É encantador. A gente se diverte o ano todo fazendo Carnaval, e quando passamos na avenida, é o nosso momento de dever cumprido”, brada Guilherme.

Ressignificar para criar

Por conta de limitações financeiras ou logísticas, os artistas apostam na capacidade criativa para construir suas obras com recursos escassos, sem que elas percam a originalidade.

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“Este ano tínhamos o desafio de desenvolver um enredo indígena, por opção da escola, devido aos tipos de materiais que teríamos disponíveis para fazer a parte plástica. A partir disso, tanto eu quanto o Guilherme unimos o útil ao agradável ao definir o enredo. Muitos criticam o uso de reciclagem no Carnaval, mas essa é uma realidade de praticamente todas as escolas do Grupo de Acesso, não apenas as com menor poder aquisitivo. Inclusive, isso se alinha à nossa conscientização ambiental. Além do mais, quando se recicla algo, subentende-se que você está ressignificando aquilo, não é um ‘copia e cola’. Como profissional, acho que, às vezes, é até mais difícil do que criar do zero, pois envolve a missão de utilizar algo que já foi de alguém e colocá-lo na sua perspectiva. Assim como outras escolas, teremos algumas esculturas que serão ressignificadas nesse processo”.

Ressurgir em meio às cinzas

Do ponto de vista do carnaval, a única resposta que a dupla considera plausível para respeitar o trabalho das pessoas que deram duro para realizar o espetáculo, incluindo as vítimas e toda a comunidade Azul e Branca, é fazer o melhor que puderem na Avenida.
“Infelizmente, o dinheiro não compra o tempo. Por isso, nosso objetivo neste momento é minimizar os impactos em relação às fantasias, calcular o que temos em mãos e desfilar com isso. Mesmo assim, vamos conseguir fazer um Carnaval de bom nível. Desfilar hors concours não é desculpa para não darmos o nosso melhor”, afirma Rodrigo.

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“Este é um dos melhores trabalhos que já apresentamos durante todos esses anos. Optamos por fazer alegorias em módulos que irão se unir na avenida. O resultado final vai ficar muito bom e vamos impressionar, apesar das dificuldades. Certamente será um desfile emocionante, por tudo o que vem acontecendo nas últimas semanas. O público vai se identificar com a estética e entender a mensagem que será passada”, finaliza Guilherme.

Conheça o desfile da Unidos da Ponte

A Unidos da Ponte vem em 2025 com cerca de 1.600 componentes, 3 carros
alegóricos e 1 tripé na comissão de frente. Rodrigo Marques e Guilherme Diniz,
ao CARNAVALESCO, fizeram a setorização do desfile da escola.

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Setor 1: Trabalhamos com uma ordem cronológica, que fala de passado, presente e futuro. Nosso recorte é indígena e começa com as grandes navegações, pois estamos falando do Brasil. Quando os colonizadores chegaram, os povos originários perderam suas terras e sua população diminuiu em quantidade, por conta das perseguições e matanças. Apresentamos esse passado na figura do abre-alas, que faz referência a São João de Meriti, o nome ancestral da cidade. E navegando por esse território, mostramos como era essa harmonia pré-colonizador. No carro abre-alas mostramos como seria a proximidade entre Abya Yala e Meritiba, com muito verde, grandes esculturas e pinturas com uma estética diferente do que costumamos ver nas escolas de samba.

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Setor 2: Representa a ruptura pós-colonização das Américas, onde se inicia o período que conhecemos como antropoceno. Temos um país que, de certa forma, viveu tanto tempo sob uma lógica colonial e depois se tornou capitalista, gerando uma falsa sensação de progresso na sua plenitude. Hoje temos áreas populacionalmente adensadas, sem estruturas mínimas de tudo o que se possa imaginar, como a Baixada, onde houve a expansão do local em paralelo ao impacto negativo causado no meio-ambiente e nos moradores. Temos a segunda alegoria, que mostra toda a dramaticidade envolvida nesse processo. Isso seria o presente na nossa cronologia. Vamos demonstrar dessa maneira o
período que estamos vivendo”.

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Setor 3: Aqui apresentamos uma das soluções para esse problema, embasada no conhecimento indígena do Krenak, que diz em uma de suas obras que “o futuro é ancestral”. Trazemos uma reconexão com os saberes ancestrais indígenas em vários conceitos. Embora pareça um pouco clichê, entendemos a terra como algo que nos pertence, mas o homem branco a usa até o limite. “Ah, tem um pedacinho aqui? Vamos explorar”. Precisamos nos reconectar com os saberes dos indígenas, senão não teremos um futuro. No terceiro carro teremos uma figura emblemática que carrega, ironicamente, um
simbolismo em relação ao fogo, esse elemento que ao mesmo tempo que destrói, também reconstrói. E essa figura não foi inserida depois do incêndio, nós já iríamos usá-la por conta desse contexto indígena, mas agora também representa essa nossa história de superação. Esperamos que as pessoas entendam e se emocionem.

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Curiosidades: A palavra Meriti tem origem indígena. Vem do Tupi, e significa pé de Buriti. Assim como grande parte do Rio de Janeiro, o município de São João de Meriti tem uma certa ancestralidade que é pouco difundida no conhecimento popular, e para os carnavalescos, o Carnaval exerce o grande papel de trazer isso à tona.

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