Por Diogo Sampaio

Após viver carnavais complicados, nos quais amargou por dois anos consecutivos a décima primeira colocação, a Rocinha está disposta a vencer toda e qualquer demanda, para conseguir dar a volta por cima, em busca de reencontrar o caminho dos bons resultados. Para isso, a tricolor de São Conrado recorreu à história de Maria da Conceição e, através de seu desfile em 2020, exaltará aquela que no plano espiritual se consagrou como Vovó Maria Conga de Aruanda, líder da linha dos pretos velhos de Iemanjá.

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O enredo, intitulado “A guerreira negra que dominou dois mundos”, conta com a assinatura do estreante Marcus Paulo. Em conversa com a reportagem do site CARNAVALESCO, o artista revelou que a ideia de homenagear Maria Conga surgiu durante o processo de pesquisa para o desfile da Unidos da Tijuca do ano passado, que teve como tema central o pão.

“A história do pão conhecida é muito branca, vamos dizer assim, e eu queria falar sobre algum expoente negro. Encontrei João de Mattos, um padeiro que ensinava a profissão para outros negros. Procurando mais sobre ele, apareceu, não sei o porquê, o nome da heroína de Magé: Maria Conga, uma heroína negra. Aquilo me despertou. A gente está acostumado a ver ‘Trago seu amor em três dias, ligue para vovó Maria Conga’ na rua, mas ela não é só isso. Maria Conga foi uma pessoa que realmente viveu: uma princesa, filha de reis do Congo, que foi escravizada e trazida aqui para o Brasil, separada de sua família. Achei que eu deveria contar essa história linda, de uma mulher brava, negra, para todo mundo saber. Assim como eu não sabia, a maioria das pessoas também não sabe. Então é mais um enredo informativo e educativo. Essa foi a minha ideia”, relatou.

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Apesar de nunca ter sido enredo anteriormente, Maria Conga já foi citada e cantada por diversas escolas no carnaval. Entretanto, para Marcus Paulo, isso não tira o brilho e a importância, tanto do tema, quanto da personagem.

“O diferente é essa história, dessa heroína, uma mulher que naquela época conseguiu fundar um quilombo, mesmo ameaçada de morte. A trajetória dessa guerreira tem que ser contada para todo mundo. E eu vou muito contra essa história de que já se fez muito enredo afro. Se você colocar, na ponta do lápis, a quantidade de afro que já foi feita, em relação a quantidade dos enredos variados, vai constatar que é pouquíssima. O carnaval é um dos únicos locais nesse país preconceituoso em que a cultura negra é celebrada, é falada. Então, eu defendo que tem que ter mais enredo afro, negro sim. A história do nossos pares, a história dos heróis negros, tem que ser mais contadas no carnaval, que é o único espaço que permite contar essa história livremente”, manifestou Marcus.

Por conta do enredo sobre Maria Conga, a escola chegou a ser procurada pela Prefeitura de Magé, município da Região Metropolitana do Rio, com uma proposta de patrocínio. Porém, há menos de um mês para o desfile, a verba de ajuda não teria chegado, segundo o carnavalesco da agremiação.

“Em 1988, no centenário da abolição da escravatura no país, Maria Conga foi declarada heroína da cidade de Magé. Por esse motivo, a Secretaria de Cultura de lá se interessou pelo enredo e propôs ajudar a Rocinha, com algum aporte financeiro, que acho que ainda não chegou, mas vai deve chegar alguma coisa sim”, assegurou.

Dupla jornada e o choque de realidade

Marcus Paulo concilia os trabalhos no barracão da Rocinha com suas atividades na Unidos da Tijuca, onde é integrante da comissão de carnaval desde a sua primeira formação, feita para o desfile de 2015. Com larga experiência no Grupo Especial, está é a primeira vez em que o artista trabalha fora da elite da festa.

“Comecei no Grupo Especial e nunca tinha passado pelos grupos de Acesso. Só na Unidos da Tijuca tenho 15 carnavais, sendo seis deles como carnavalesco. Para mim, essa jornada dupla está sendo bem cansativa, mas muito prazerosa. Hoje eu admiro muito mais os carnavalescos da Série A do que o admirava ontem. Aqui, descobri que o mínimo que eles conseguem levar para Marquês de Sapucaí é com muito esforço, com muita dedicação, porque ninguém olha para essas escolas. Elas são jogadas na rua, não tem verba, não tem subvenção. Os presidentes ficam correndo de um lado para o outro tentando colocar a escola pronta na Avenida. A falta de repasse de verba faz com que as escolas, muitas vezes, não possam nem dar roupa para sua própria comunidade… Tudo é com muito sacrifício e isso está me ganhando. O carnavalesco, na Série A, não tem grandes equipes e não tem grandes profissionais para assessorar o trabalho dele. Os aderecistas são pessoas simples, as equipes são enxutas e a escola acredita muito na arte do carnavalesco, na mão dele para fazer”, avaliou Marcus.

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De acordo com o artista, as dificuldades financeiras e estruturais do grupo o estão fazendo crescer como profissional. “Esse choque de realidade que estou tendo está mexendo comigo, me tirando do lugar comum e fazendo me balançar. A dificuldade que eu achava que tinha no Grupo Especial, pela falta de repasse de verba, é mínima em vista do que eu estou vendo e vivendo aqui na Série A. Isso faz com que nossa criatividade fique à flor da pele mesmo. A gente tem que pensar diariamente em soluções, como o uso de materiais muito alternativos, para apresentar um trabalho que, pelo menos, seja aceitável na Marquês de Sapucaí. Algo legal de visual, mas com o mínimo de recurso”, relatou.

Outra novidade para o artista é o fato de assinar um carnaval sozinho. Segundo Marcus Paulo, o desfile da Rocinha em 2020 será a oportunidade do público conhecer melhor seu trabalho.

“Comissão de carnaval, seja em qualquer escola, ela esconde as pessoas que fazem parte dela. Agora, meu nome descolou e estão vendo minha imagem. O público vai poder conferir a minha assinatura no carnaval, e não a da Unidos da Tijuca. O que posso dizer, é que as pessoas vão poder perceber um toque moderno. Acredito que vai chamar muita atenção também a volumetria. Minha formação de origem é o designer, sou mestrando na área pela Escola de Belas-Artes, então primo muito pela forma e pelas cores”, adiantou.

‘Podem esperar uma Rocinha com arte’, diz Marcus Paulo

Para o site CARNAVALESCO, Marcus contou que utilizou, em grande escala, de materiais de origem vegetal na construção do carnaval da Rocinha para 2020. Segundo o artista, alternativas como a palha e o bambu foram aplicadas na confecção, tanto de fantasias, como de alegorias.

“Estou usando nas fantasias muita palha, folha de carnaúba, barba de bode, que é um tipo de mato também, capins desidratados e coloridos, além das penas artificiais. Não usamos nenhuma pluma, que é um item importado, cotado em dólar… Esse ano até mesmo no grupo especial, na Unidos da Tijuca, a gente está evitando, que dirá na Série A. Já nas alegorias, temos um carro todo revestido de bambu, que é uma vegetação característica do entorno do Quilombo de Maria Conga, que a própria fundou em Magé e onde, até hoje, a composição é majoritariamente negra e pobre. Tive essa sacada de trazer essa ambientação para alegoria, o que está me dando um resultado visual maravilhoso, uma instalação artística muito interessante”, declarou.

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Segundo o profissional, o desfile contará com bastantes esculturas nas alegorias e muito volume. Haverá ainda a aposta em alguns efeitos, na parte luminotécnica e de movimentações oriundas do Festival de Parintins.

“Quando eu cheguei aqui, me assustei com as estruturas dos carros da Rocinha. Os chassis são bem grandes, parecem até de Grupo Especial. Ao que parece, um carro já foi da Mocidade, outro do Salgueiro… Então, não precisei mexer muito em estrutura base. Na parte de iluminação, a gente está fazendo uma coisa mais cênica, mais teatral, aquela iluminação focada, bem planejada. Temos também carros com movimentos de Parintins, as pinturas de arte estão ficando fantásticas. As pessoas podem esperar uma Rocinha com arte”, garantiu.

Para que nem tudo termine em cinzas…

Além dos desafios habituais da Série A, Marcus Paulo ainda terá de enfrentar um em específico: elevar as notas dos quesitos plásticos da Rocinha. A agremiação não alcança uma nota máxima no quesito alegorias e adereços desde o carnaval 2017.

“Meu primeiro trabalho quando eu assumi a Rocinha foi assistir os desfiles anteriores da escola. Depois do carnaval feito pelo João Vitor (Araújo, carnavalesco), sobre o Viriato Ferreira, a escola veio em uma grande decadência plástica. Não julgando o trabalho dos artistas, longe de mim isso, mas analisando as notas da Rocinha nesses últimos anos, vi que tinha muitas falhas. Levei isso para minha primeira conversa com o presidente, com o diretor de carnaval e com os seguimentos da escola. A gente tem que melhorar essas notas. Pensando nisso, acabei criando fantasias em que o volume e a forma chamem mais atenção do que o material que está sendo usado em si, não primando pelo uso do material caro para chocar ninguém ou para ser uma peça de ostentação minha. Estou criando as formas para que o jurado e o público entendam o que está sendo dito, usando da criatividade para que a obra seja bem compreendida, bem avaliada, justamente para não cometer os mesmos erros penalizados no passado”, alegou o artista.

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Samba sob encomenda

A Rocinha optou por encomendar o samba-enredo. Apesar de declarar preferência pelo modelo de disputa, o carnavalesco Marcus Paulo disse ver vantagens em se trabalhar com a obra encomendada.

“Sou um cara apaixonado por samba-enredo desde criança e vou confessar que não é muito a minha o samba encomendado. Particularmente, sou pela disputa ainda. Mas a vantagem do samba encomendado é que, na disputa, você não pode opinar. O compositor te leva a primeira vez, você diz o que pode e que não pode, mas não fala de melodia, de métrica… Você não pode opinar na obra dele para modificar, só pode opinar no que está certo ou errado dentro do enredo. Já no samba encomendado não, você pode opinar em tudo: pode falar da melodia, se gostou ou não gostou… Porque o cara vai e volta várias vezes. Ele vai te entregar a obra do jeito que você quer realmente, do jeito que você está pensando. O próprio compositor mesmo, ele viu que não deu certo, pode mudar. Na disputa, por regulamento, ele não pode mudar nada. Depois que ele entregou o escrito da letra, o arquivo com gravação, tem que ir daquele jeito. Na encomenda, o compositor pode mexer o tempo inteiro, para que ele entregue uma obra que agrade o carnavalesco, que agrade o presidente e até o gosto pessoal dele próprio. Alguns compositores me disseram que, na disputa, tem um determinado estilo de samba que você sabe que vai ganhar, enquanto outros estilos dificilmente. Então, na encomenda, eles podem fazer o samba da forma que eles querem, que eles acham bonito, e apresentar para o carnavalesco. Essa é a vantagem. Porém, eu ainda sou pela disputa”, destacou Marcus.

Entenda o desfile

Segundo agremiação a desfilar na sexta-feira de carnaval, a Rocinha irá para Avenida com uma média de 1500 componentes, espalhados por 17 alas. Além disso, contará com três alegorias, sendo o abre-alas acoplado, e um elemento cenográfico na comissão de frente. A apresentação será divida em três setores, como detalha o carnavalesco Marcus Paulo:

Setor 1: “O primeiro setor é o Reino do Congo. A gente começa na Costa do Congo, na África, onde Maria Conga era uma princesa, que nasce em uma tribo, filha de reis do Congo. No dia do seu batismo, ela foi escravizada, trazida para o Brasil e separada de sua família”.

Setor 2: “O segundo setor a gente já pega ela escravizada, na cidade de Magé, onde depois do trabalho escravo, ela ganha a sua libertação. E mesmo liberta, ela continua lutando para libertar seus pares e por direitos, pois descobre que mesmo o negro sendo liberto não tem direito nenhum. Geralmente, estes eram jogados na rua e muitos voltavam para escravidão, porque não tinham o quê fazer ou como sobreviverem. Por conta dessa luta, foi perseguida, ameaçada de morte e a partir daí funda o seu quilombo, que está lá até hoje. O primeiro quilombo da Baixada Fluminense reconhecido. E é nesse quilombo que ela falece”.

Setor 3: “Nosso terceiro setor é quando ela vai para o Reino das Almas e é recebida por Oxalá, coroada por Zambi, para se tornar a Vovó Maria Conga. Ela recebe a linha dos pretos velhos de Iemanjá. À exemplo do seu trabalho na Terra, em vida, continua no Reino das Almas, com essa liderança, cuidando da gente, nos recebendo, nos acalentando e nos curando. Uma missão delegada por Zambi, que é o Deus maior. Esse é o final do nosso desfile”.

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