Na busca pelo tão sonhado acesso ao Grupo Especial, a Unidos de Padre Miguel levará para a Marquês de Sapucaí um dos maiores símbolos de devoção do povo nordestino. Com o enredo “O Redentor do Sertão”, assinado pelos carnavalescos Edson Pereira e Lucas Milato, a escola contará a história de Padre Cícero, que completaria 180 anos neste ano, e aposta na fé para a busca do milagre da Vila Vintém.
Com grandes desfiles ao longo dos últimos anos, no mundo do carnaval a escola da Zona Oeste é considerada uma das favoritas na briga pelo título da Série Ouro. Em 2023, a escola bateu na trave e garantiu o vice-campeonato. No carnaval deste ano, para somar à força da comunidade, o carnavalesco promete mais um desfile marcado pela luxuosidade e grandes alegorias.
“Neste ano, o nosso grande objetivo foi entregar ao público o que eles esperam da Unidos. É um desfile que será grandioso, imponente, com alegorias volumosas e fantasias luxuosas – como eles (torcedores) gostam. Acredito que o grande objetivo quando iniciamos o processo de criação do desfile foi entregar para a nossa comunidade algo que eles já esperam da Unidos de Padre Miguel. Eles podem esperar uma escola que por mais um ano brigará pelo campeonato – e se Deus quiser, vai conseguir”, afirma Lucas Milato.
“Padim Ciço”, como era conhecido, foi uma importante figura religiosa e política para o Vale do Cariri, no sul Ceará, entre os séculos 19 e 20. Em 1889, um suposto milagre ocorrido na capela de Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro do Norte, transformou a vida do padre e da cidade. Ao participar da comunhão geral, a hóstia sangrou na boca de uma fiel. No enredo, a escola de samba vai falar sobre a importância do padre milagreiro na vida e na cultura do Sertão nordestino. Os carnavalescos baseiam-se em relatos místicos do povo nordestino e fatos da bibliografia de Padre Cícero.
O personagem homenageado pela equipe da Vila Vintém já foi citado em alguns desfiles, mas nunca havia sido tema de enredo. Em 2019, foi representado na comissão de frente da União da Ilha. No Carnaval paulista do ano passado, foi homenageado em um carro alegórico da Mancha Verde que representava a fé do povo nordestino. Segundo Milato, o enredo sobre o milagreiro do Sertão surgiu através de um desejo da direção da agremiação em falar sobre milagres.
“Ele é muito presente em diversos desfiles, mas nunca como protagonista. Decidimos dar esse protagonismo contando a história dele. Para isso, criamos um conto baseado nos sentimentos do sertanejo e em relatos – alguns reais e outros fantásticos – do próprio povo do Cariri para montar e estruturar esse conto e de uma forma mais lúdica contar a história do Padre Cícero. O mais interessante é justamente o norte que a gente deu para o desfile como um todo. São os relatos místicos do povo nordestino que permeiam essa relação dele com o Juazeiro e com a região do sertão de uma maneira geral. Conseguimos nos basear bastante nesses relatos e, junto com alguns fatos reais da bibliografia, estruturamos essa viagem que vamos fazer na história de vida dele”, explica.
O desfile é dividido em três setores baseados em sentimentos do povo do sertanejo: o primeiro fala sobre a esperança, o segundo sobre o medo e o terceiro aborda a fé. O carnavalesco acredita que um dos grandes trunfos da agremiação é conseguir passear por diversos estilos estéticos e apresentar em cada setor uma plástica específica.
“Iniciamos o nosso desfile com uma estética mais infantil para falar da chegada de Padre Cícero em Juazeiro, e no segundo setor já conseguimos brincar um pouco mais com as cores. É um setor bem obscuro, porque falamos sobre o apocalipse do Sertão. Mas para falar sobre esse apocalipse, nos inspiramos no folclore nordestino e conseguimos brincar bastante com as cores quentes. No terceiro vamos finalizar com muito luxo, que é o que a Unidos de fato gosta. É quando começamos a falar sobre a ascensão do Padre Cícero e da visibilidade que ele ganha mundialmente. Consequentemente falamos das romarias, e nos pautamos muito no barroco da igreja católica. Conseguimos passear nestes três estilos estéticos – além da estética de cordel que está presente ao longo de todo o desfile”, conta.
Este é apenas um dos trunfos de uma escola que conta com a força de sua comunidade durante os desfiles. Apesar da força plástica prometida para esse Carnaval, Milato enfatiza a estruturação da Unidos e a força da Vila Vintém como os grandes destaques.
“A escola por si só é campeã todos os anos por vários outros quesitos. Tem uma comunidade muito potente, um canto muito forte e uma estrutura organizacional muito bacana. A plástica é apenas um dos trunfos da escola, porque ela por si só já é. Acredito que a comunidade é o grande trunfo da Unidos de Padre Miguel”, comenta o carnavalesco.
E o tradicional boi vermelho, símbolo da escola da Zona Oeste, não poderia ficar de fora do desfile. A presença é mais que confirmada, mas os detalhes são guardados a sete chaves.
Junção do jovem talento com o experiente carnavalesco
Lucas Milato assina o carnaval do Boi Vermelho da Zona Oeste em parceria com Edson Pereira, que também é carnavalesco do Salgueiro. Aos 27 anos, o jovem faz parte do dia a dia do barracão, enquanto Edson – que conhece bem a escola – tem contribuído no trabalho de consultoria.
Milato já assinou desfiles da Série Prata e estreou como carnavalesco na Marquês de Sapucaí em 2020, quando comandou o desfile da Unidos da Ponte. Em 2022 e 2023, assinou os carnavais da Inocentes de Belford Roxo. Ele acredita que comandar o carnaval de uma das escolas favoritas ao acesso é o maior desafio de sua carreira.
“A responsabilidade de assinar um carnaval da Unidos é muito grande, e neste momento eu diria que é o maior desafio da minha trajetória. A escola se prepara para isso todos os anos, e não está sendo diferente neste Carnaval. Estamos realizando um trabalho para de fato buscar o campeonato. Estamos muito confiantes – não só a escola como a comunidade e os próprios foliões que admiram a agremiação. Trabalhamos com muita humildade e força de vontade para trazer este título para a Vila Vintém”, afirma Milato.
Conheça o desfile da Unidos de Padre Miguel
A Unidos de Padre Miguel será a quinta agremiação a desfilar na Marquês de Sapucaí no sábado de carnaval, 10 de fevereiro. O Boi Vermelho da Zona Oeste vai para a Passarela do Samba com 24 alas, três alegorias e dois tripés – sendo um na comissão de frente. Ao todo, a escola terá cerca de 1900 componentes.
Setor 1: “A gente inicia com a esperança. Falamos desde o nascimento de Padre Cícero até sua chegada a Juazeiro. Quando ele chega em Juazeiro, desperta a esperança no povo do Cariri. Este setor passeia pelo nascimento do padre e o início de sua relação tanto em Crato como em Juazeiro, além do início da relação com o povo. Foi justamente a partir deste momento que ele iniciou a missão de cuidar do povo nordestino. A gente se apropria de duas visões que ele teve e foram primordiais para o desenrolar do nosso enredo. Um primeiro relato fantástico do povo em relação ao nascimento do padre, e a partir daí desenrolamos todo o processo até a chegada nessa outra visão, na qual ele sonhou que estava na mesa da santa ceia com Jesus – que deu a ele a missão de cuidar do povo nordestino. A partir deste momento, o padre faz essa peregrinação em prol do povo sertanejo”.
Setor 2: “É quando Padre Cícero se depara com um cenário apocalíptico na região do Juazeiro. A gente cria esse grande apocalipse do sertão para falar dos medos do povo nordestino. É um setor que faz essa viagem pelos mais variados medos. Criamos este momento no meio do nosso desfile porque foi justamente aí que o povo viu que poderia contar com o padre – mesmo diante daquela situação caótica, ele esteve ao lado da população nordestina. Para isso, passeamos pelo folclore nordestino e pelo medo que eles tinham no cangaço. A gente também se inspira na maior seca do Sertão, que culminou no dia dos mil mortos. O setor é um grande apanhado: falamos do folclore, do medo do cangaço, da pior seca do sertão e criamos esse cenário apocalíptico para passear no medo do povo sertanejo”.
Setor 3: “É quando passa o cenário de caos e o Padre Cícero começa a trazer bonanças para a região do Juazeiro. Iniciamos já falando do milagre que culminou na ascensão mundial dele: o milagre da hóstia da Maria. Após isso, todo mundo queria ir para Juazeiro para buscar um milagre e saber quem era o padre milagreiro. Juazeiro começou a ficar superlotada e não possuía mais espaço para esses fiéis. Criam as romarias justamente para dividir esses milhares de peregrinos que estavam indo para a cidade. Vamos passear pelas romarias e chegar à figura do Padre Cícero como grande milagreiro do sertão e, também, como o grande milagreiro da Vila Vintém que trará o título para nós”.