Por Gabriella Souza
A Beija-Flor, assumindo seu posto de ‘Deusa da Passarela’, irá retratar a história da humanidade, sua evolução e reinvenção através de seus passos, desde os nômades e andarilhos ao nascer de modernas cidades, famosas Avenidas e ruas que servem de lar, expressão e manifestação do povo, que a pertence e a ocupa. Para 2020 a azul e branco trouxe o enredo ‘Se Essa Rua Fosse Minha”, contando com a assinatura de dois carnavalescos da casa, Alexandre Louzada e Cid Carvalho.
Cid Carvalho conta que a questão estética do enredo proporcionou algo determinante para a escolha e também para o desenvolvimento do desfile, visto ser um assunto amplo e versátil, o que lhe fascinou.
“O que me chamou mais atenção foi o como que o homem a partir do momento em que ele se colocou de pé teve uma necessidade muito grande de se espalhar e de evoluir no sentido de tomar conta dos continentes. E como essas pequenas trilhas se transformaram em caminhos e depois em ruas. Como que esse processo evolutivo das ruas mexeu com a imaginação do homem ao ponto de existirem ruas que só existem na nossa cabeça, por exemplo, a estrada do arco íris, a via láctea. Talvez, a gente jamais possa caminhar por essas ruas, mas elas estão na nossa imaginação. Como que depois que o homem evoluiu, depois inventou a roda, qual foi a necessidade de pavimentar isso para a roda não atolar ou agarrar. Nos leva ao conceito mais urbano de rua hoje, são questões amplas que a gente pretende abordar. É todo um processo realmente de evolução do homem para a humanidade a partir das suas trilhas e seus caminhos, suas rotas”.
Alexandre Louzada diz que a idealização surgiu com ele, através de uma brincadeira alguns anos atrás e que veio amadurecendo a ideia até chegar nesta proposta e concretização.
“Um enredo surge naturalmente, como vários que já fiz. Mas esse partiu de uma brincadeira, até mesmo com o carnavalesco da Grande Rio, Gabriel Haddad, que na época ainda era meu assistente. Nisso fizemos uma brincadeira, não lembro exatamente como, sobre essa história de ‘rua’ e ficamos falando diversas coisas sobre o assunto, no final brincamos ‘isso dá um bom enredo’. E a ideia principal é que nós carnavalescos, aderecistas, artistas do carnaval nós trabalhos o ano inteiro criando, desenhando, confeccionando a nossa arte para mostrar em uma rua, a Sapucaí. O objetivo é retratar quanto caminhos, estradas e rotas a humanidade percorreu para a gente chegar até aqui, aos dias de hoje. Por onde a humanidade passou, ela deixou o seu legado, foi construindo cidades, comercializando com outros povos e tudo mais. Bom, a própria vida da gente é uma estrada, não é?”, declarou Louzada.
Cid Carvalho completa falando como foi a recepção do enredo por ele e toda a equipe de diretoria da Beija-Flor após a proposta de Louzada.
“Esse enredo chegou quando o Louzada retornou, quando a escola decidiu que seríamos uma parceria com dois carnavalescos, ele colocou essa sugestão na mesa e de primeira eu já achei que daria “um caldo”, que teria como esteticamente fazer um carnaval com um estilo bem de Beija-Flor. Como parceiro dele no desenvolvimento do enredo junto com a administração da escola topamos tocar e fazer essa ideia acontecer”, contou Cid.
Cid Carvalho ressalta ainda que mesmo com todas as dificuldades orçamentárias que as escolas estão passando para a confecção do carnaval de 2020, a Beija-Flor tem suas vantagens e saídas e que está desenvolvendo um grande carnaval.
“A Beija-Flor tem uma vantagem para os profissionais que trabalham na confecção de um carnaval aqui, visto ser uma escola bem estruturada e que não tem dívidas. Se consegue, mesmo que não seja fácil, ordenar e fazer acontecer. Mas, realmente, é complicado sem o apoio da prefeitura, de órgãos e de algum patrocinador, realmente a verba fica muito apertada e nós temos que no meio disso buscar soluções criativas, claro que sem perder a característica da escola. A grandiosidade está de volta, o luxo visual está de volta. Às vezes a gente tem que fazer um readaptação para conseguir adequar o orçamento e conseguirmos encaixar tudo. Mas aqui é mesmo uma parceria entre todos, os carnavalescos como criadores, todas as equipes envolvidas na confecção e a administração da escola, esses três grupos tem que estar muito afinados para conseguirmos realizar um grande carnaval e vamos”.
Cid Carvalho destaca ainda a experiência profissional da dupla, ainda mais, em casa. O que facilita na hora de balancear os gostos dos componentes, da diretoria e particulares, sempre pensando na essência da escola em primeiro lugar.
“Eu e Alexandre temos a vantagem de já termos trabalhado muito tempo na Beija-Flor e ambos com muitos títulos, se juntar tudo dão sete, tirando os vice-campeonatos, ou seja, a gente conhece bem a alma e a essência dessa escola. Já sabemos o que o componente gosta, como prefere estar vestido e de quais tipos de alegorias irão agradar mais. Quando se junta isso tudo temos um componente mais motivado do que nunca e a probabilidade do canto ser muito forte, da evolução acontecer de forma mais empolgada é muito grande. Conhecer muito bem a casa já nos facilita”.
Entenda o desfile:
O que se viu no barracão foi uma escola luxuosa, realmente como pontuado por Cid, alegorias grandiosas e adereços de alta qualidade, acabamento e cor viva. A Beija-Flor promete vir com um visual bonito, elegante e de nível alto.
A escola virá com um com um tripé da comissão de frente e seis alegorias. Cid Carvalho explica, setor por setor, a concepção do desfile.
Setor 1: “O nosso abre alas irá retratar a última era glacial. É um carro acoplado bem estilo Beija-Flor, grandioso e com personalidade, como o nilopolitano gosta”.
Setor 2: “Nosso segundo carro é o ‘todos os caminhos levam a Roma’ e que fala exatamente da evolução da humanidade, de como o homem foi abrindo seus caminhos, pavimentando as ruas, inventou a roda, até chegar nesse conceito mais urbano de rua que temos hoje”.
Setor 3: “O carro três retrata a chegada do homem pelos caminhos marítimos ao novo mundo, e, consequentemente, como que esses europeus chegando ao novo mundo acabam influenciando a abertura de caminhos dentro do próprio Brasil e mais especificamente no Rio de Janeiro. Falamos aqui da ‘Ladeira da Misericórdia’ (no bairro do Castelo, considerada a primeira rua da cidade do Rio), com um calçamento chamado ‘pé de moleque’ que era feito pelos escravos que pisavam nessas pedras e que batiam com as suas ferramentas, um tanto quanto rudimentares na época, esse tipo de calçamento com pedras”.
Setor 4: “Aqui serão as ruas como templo a céu aberto, das procissões e romaria. Mesmo de como cada um exerce a sua fé independente de religião e nessa ligação com a rua, tudo como muito respeito, no sentido mesmo da liberdade religiosa”.
Setor 5: “Neste estarão aquelas ruas que a gente talvez nunca foi mas conhece por cartão postal, aquelas que são tão famosas que certa forma todo mundo conhece, como a Champs-Élyssées em Paris ou a Broadway nos Estados Unidos ou também a nossa Atlântica, que é a nossa princesinha do mar, que virá representada ao final deste setor das ruas mais famosas”.
Setor 6: Este último setor encerrará o desfile falando das ruas mais fantasiosas, ruas da nossa imaginação. Aqui a gente fala do labirinto do minotauro, da estrada do arco-íris, da via láctea, e, acima de tudo, da rua que mais mexe com a nossa imaginação, de nós sambistas, que é a Sapucaí, aquela avenida que a gente trabalha o ano inteiro para ver a nossa escola desfilar por ela. E poder, cada um, cada um naquele momento falar ‘essa rua é minha’, como um momento de pertencimento. A gente termina esse setor com uma homenagem a própria Beija-Flor, que é a maior campeã da era sambódromo e ao carnaval de modo geral, o carro se chama ‘Se essa rua fosse eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhante para a Beija-Flor passar”. E atrás desse último carro nós teremos a representação de todos que usam as ruas para alguma coisa, lhe dão significado, do cara que está fazendo malabarismos no sinal, ao que vende algo, ao gari que varre, aquele que faz protesto, o que usa a rua para expressar arte, drag queens e travestis, prostitutas e todo mundo que faz da rua um cantinho seu, seja para trabalhar, se expressar, demonstrar algo mais cultural ou protestar. Nós devolvemos então essa rua ao povo, pedindo menos violência e mais liberdade para ir de um ponto ao outro com paz, principalmente nessa cidade”.