Por Fábio Martins e Will Ferreira
A segunda noite da 1ª Festa Junina do Carnaval de São Paulo repetiu o sucesso, realizada no último domingo repetiu o sucesso da primeira apresentação. Com um cronograma semelhante ao da primeira apresentação e muita organização por parte da Liga-SP, vários gêneros musicais foram abraçados – e o público respondeu positivamente a cada um deles. A grande campeã da noite foi a Dragões da Real, que conquistou o título de melhor quadrilha do dia.
Troca e empolgação
De acordo com o organograma informado pela Liga-SP para o público, as duas primeiras atrações da noite tiveram ordem trocada. A primeira apresentação foi a dupla sertaneja Jorge Ferraz e Cristiano, cantando diversos sucessos de uma série de músicos do gênero que costuma embalar as Festas Juninas no Centro-Sul do Brasil. Cristiano Araújo, Jorge e Mateus e Jads e Jadson foram alguns dos artistas que tiveram canções tocadas, e a dupla aproveitou para cantar “Evidências”, de Chitãozinho e Xororó – apresentada como “Hino Nacional do Sertanejo”. Alguns pedidos também foram atendidos: uma ritmista com camisa da Pegada da Coruja, bateria da Estrela do Terceiro Milênio, pediu a execução de “Um Degrau Na Escada”, clássico de Chico Rey e Paraná.
Falando na escola de samba do Grajaú, logo após o final do show, foi a Estrela do Terceiro Milênio quem tomou conta do espaço à frente do palco – prontamente ocupado pela ala musical comandada por Darlan Alves, um dos intérpretes oficiais da agremiação, juntamente com Grazzi Brasil. Além de hinos e alusivos, a escola executou os dois sambas-enredo campeões do Grupo de Acesso I (“Ô abre alas que elas vão passar”, de 2022; e “Vovó Cici conta e o Grajaú canta: o mito da criação”, de 2024). Também houve espaço para um canção que une o sertanejo tão tradicional das Festas Juninas com o universo das escolas de samba: “A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo – Água no Feijão que Chegou Mais Um”, clássico instantâneo com que a Unidos de Vila Isabel conquistou o título do concurso carioca em 2013.
Após as apresentações das quadrilhas das escolas de samba (falaremos detalhadamente a partir do parágrafo seguinte), chegou a vez do Grupo Entre Elas, composto por Gi Guedes, Manoela Pires e Jéssica Antunes. Clássicos do samba e do pagode foram executados, e artistas como Alcione, Só pra Contrariar, Exaltasamba e Fundo de Quintal tiveram espaço na apresentação que empolgou os presentes e manteve a Fábrica do Samba com ótima presença de público até cerca de 23h.
Personalidade e show
O que mais chamou atenção nas quadrilhas da segunda noite da Festa Junina foi o quanto cada uma delas conseguiu fazer um espetáculo bem distinto um do outro, respeitando as características de cada agremiação – e empolgando todos os presentes.
A primeira a se apresentar foi o Barroca Zona Sul. Sem deixar de homenagear Geraldo Sampaio Neto, o Borjão (grande baluarte da agremiação falecido em janeiro de 2024), com a frase sempre dita por ele que se tornou marca da verde e rosa (“Nós nascemos e crescemos no meio de gente bamba, é por isso que nós somos a Faculdade do Samba”) entre as músicas executadas e com uma levada especial, a agremiação coreografou as músicas “A Vida Do Viajante”, de Luiz Gonzaga, e “Pagode Russo”, também do Rei do Baião – que ganhou, inclusive, uma versão especial, pendendo para o funk, no final da apresentação – que teve boa aprte das fantasias nas cores barroquenses. A agremiação foi a sexta colocada no concurso.
Chris Brasil, coreógrafo da comissão de frente barroquense e coordenador da quadrilha da agremiação, relembrou o começo da vida de cada brasileiro para destacar a importância da festividade: “Foi muito legal. Tem uma memória muito emotiva a Festa Junina, quem participou de uma sabe como é. Participar desse projeto junto com o Barroca, junto com a nossa quadrilha, que é cem por cento formada por setores da escola, com alas que fomos pegando aos pouquinhos… é tudo feito com muito coração e amor. A gente realmente voltou à velha infância Foi muito bom, estou feliz. Foi muito legal o resultado, a iniciativa da Liga-SP, de fazer essa festa aqui na Fábrica do Samba, de dar oportunidade às pessoas de terem dois dias pra curtir nesse período, é muito bom. São João e Festa Junina é muito bom”, comentou.
Musa da Ala Musical da escola, Magali Alves foi a noiva na quadrilha barroquense contou um pouco de como foi a preparação para a apresentação: “Eu faço parte da escola já há bastante tempo, há uns cinco ou seus anos, mais ou menos. Sempre que eu posso estou sendo inserida nas apresentações. Quando me chamaram, em umas duas semanas, mais ou menos, fizemos uns quatro ensaios, mais ou menos. Foi tudo muito rápido, todo mundo trabalha durante o dia, todo mundo faz tudo durante o dia, mas deu tudo certo”, comemorou.
Segunda escola a se apresentar, o Vai-Vai optou por uma apresentação bem mais tradicional que as co-irmãs – nada mais natural para a instituição que já soma 94 e é a maior campeã do carnaval paulistano. Com direito a uma porta-estandarte, a Saracura optou por não levar músicas de artistas e por colocar diversos integrantes com roupas majoritariamente pretas, marcando apenas a tão tradicional canção de quadrilha – que garantiu uma quinta colocação para a Alvinegra.
Niltes Lopes, diretora do Departamento de Responsabilidade Social, foi a porta-estandarte da Escola do Povo, contou que a responsabilidade veio de outra figura bastante influente na agremiação: “Fizemos a coreografia, mas quem me passou a bola foi o presidente Clarício Gonçalves. O departamento organiza festas como a de Cosme e Damião e do Branco e Preto, e organizamos a quadrilha com setenta e duas pessoas, trinta e seis casais, fizemos as roupas em uma semana, saímos daqui do barracão às 05h e eu acho que, na minha opinião, foi lindo”, orgulhou-se.
Jorge Ribeiro, do Departamento Social, exaltou o quanto as escolas de samba conseguiram se reinventar para, novamente, representar a cultura brasileira: “A verdade é que a gente construiu a gente trazer de volta a nossa cultura. Isso está tão perdido por aí que ninguém vê mais uma Festa Junina, nem nas escolas que antigamente tinham. Para a gente, foi um desafio maravilhoso. Montamos essa quadrilha em uma semana, com figurino próprio: não é de ateliê, é próprio da nossa comunidade, do nosso povo. Esse desafio é o maior que nós temos. O desafio do Vai-Vai é ter a comunidade, é ter o nosso povo junto com a gente. O nosso povo participa, põe a mão. Nós somos uma comunidade, realmente”, comentou.
Outra tradicionalíssima escola do carnaval paulistano optou por mesclar a conhecidíssima música de Festa Junina com outras canções contemporâneas. A Unidos do Peruche optou por utilizar um grande conjunto de figurinos, que quase não se repetia entre os integrantes – e contou, também, com a presença de pó de arroz (ou talco). Dentre as canções coreografas, destacam-se “Xaxado No Chiado”, de Lucy Alves; e “Explode Coração”, da banda Mastruz com Leite. A apresentação rendeu a terceira colocação no concurso para a Filial do Samba.
Foram dois os coordenadores da quadrilha. Um deles foi Alexandre Polini, coreógrafo de ala coreografada da agremiação, que destacou a mescla de estilos: “A gente tentou trazer aqui para a Fábrica do Samba aquela mistura do tradicional com o moderno, com o contemporâneo. Lembrando sempre que foi o pessoal da terceira idade que começou essa tradição de quadrilha, e nós temos que mantê-la viva”, pontuou.
Auro Raimundo, também coordenador da quadrilha e integrante da “Filial do Samba”, primeira ala da escola e participante desse e de outros eventos, assentiu: “Em todos os cantos do Brasil, lá no Nordeste ou aqui, a quadrilha é tradicional do nosso interior. A gente tentou trazer essa mescla, de mostrar a valorização do pessoal de terceira idade. Mostrar que, assim como no carnaval, a Festa Junina abraça e acolhe qualquer estilo, qualquer gente, qualquer pessoa. O mais legal do carnaval é que é pra todo mundo: é a inclusão total de todas as pessoas, todas as raças, todas as cores, todas as idades. Sempre foi, sempre será”, refletiu.
Com grande diversidade musical, a Unidos de Vila Maria começou a apresentação com a já citada “Evidências”, mas não parou por aí: também houve espaço para “Olha Pro Céu” (Luiz Gonzaga), “Voando Pro Pará” (Joelma), “Superfantástico” (Balão Mágico) e “Festa de Rodeio” (Leandro e Leonardo). O show teve uma série de movimentos e coreografias impactantes – como uma menina sendo erguida pelos demais participantes, crianças de patins, a participação do pavilhão oficial da instituição e uma pirâmida humana. A instituição abocanhou a quarta posição no concurso.
Taiana Freitas, coreógrafa da comissão de frente, foi a principal coordenadora da apresentação, e relembrou o filho, Jorginho – cujo falecimento marcou todo o carnaval paulistano e gerou, inclusive, o enredo de uma co-irmã. “Eu estou vivendo um momento de muita arte, muito amor, porque a Vila Maria foi um presente que meu filho deixou pra mim. O meu eterno astronauta queria me ocupar, como se eu não tivesse ocupação suficiente. Mas ele falou ‘mamãe, vou te deixar essa escola’, essa outra missão que ele amava, ele admirava o meu trabalho. Eu não paro, e não paro por ele, não paro pra realmente não parar e viver um luto. Vivo a arte e vivo o amor, porque meu filho era apaixonado (é, ainda), pelo carnaval. Não é a toa que ele nos acompanha e vai nos acompanhar sempre. Essa entrega, independentemente de ser carnaval, independentemente de ser quadrilha, arraía… a entrega é a mesma. Cada trabalho que a gente faz, a gente entrega tudo que a gente tem de melhor. Isso é o mais importante”, afirmou.
A coreógrafa, gentilmente, trouxe outras pessoas-chave na montagem da quadrilha: Gabriela Barbosa, coordenadora de patinação artística e participante do projeto social da Unidos de Vila Maria; Ju Victor e Victor Hugo, integrantes da comissão de frente, também deram um importante parecer: “Os movimentos podem ser diferentes, mas independe da proposta: a gente estuda, da mesma forma, a cultura por trás da quadrilha. O mais importante é respeitar os movimentos que representam a festa junina e a cultura do arraiá”, destacaram.
O vasto repertório também chamou atenção na apresentação da Colorado do Brás. A quadrilha começou com “O Xote Das Meninas”, de Luiz Gonzaga e passeou bastante: Taxi Lunar, de Zé Ramalho; Pagode Russo, já citada no texto; e Cometa Mambembe, de Alcymar Monteiro. Vale destacar o uso de um extintor durante a apresentação para criar fumaça e, também, algumas participações especiais: a boneca da marcante comissão de frente da agremiação de 2024; um tripé para locomoção de participantes e o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola, Brunno Mathias e Jéssica Veríssimo. Com o espetáculo, que mesclou figurinos tipicamente juninos com fantasias de um desfile de escola de samba, a agremiação do Centro da cidade conquistou o vice-campeonato no concurso.
Diego Costa, diretor artístico da agremiação, foi um dos responsáveis pela quadrilha e fez questão de exaltar Luan Araújo, coordenador artístico da Colorado do Brás e outro grande nome por trás da exibição: “Ele é paraense e ele já vem da cultura da quadrilha. Ele é dançarino de carimbó, dançou em Parintins, no boi Garantido, ele já tem essa cultura. Quando veio para São Paulo, ele começou a participar de uma quadrilha junina de apresentações e já está há seis anos na Asa Branca – que tem vinte e cinco anos de existência na capital. No último ano, o Luan foi o coreógrafo da Asa Branca. Quando o Jairo Roizen [diretor de carnaval da agremiação] nos deu essa missão, foi fácil porque o Luan já tem base. Nós trouxemos componentes dos meus grupos cênicos da Colorado. Componentes da Comissão de Frente, da Paula Gasparini, também fizeram parte. E, principalmente, amigos e parceiros nossos da quadrilha que o Luan participa – e, aí, dá aquele molho final. Montar as músicas não teve tanta dificuldade por ele já ter um conhecimento vasto. Encaixamos a apresentação da Comissão, que foi na avenida, da boneca, e eu acho que foi um molho. Eu estou muito contente, sem voz. Eu tenho muito a agradecer por ele, porque essa semana nós viramos madrugadas pra fazer figurino atrás de figurino, atrás das pessoas, porque tem que ter um número mínimo. Fomos fazer o tripé ontem, de madrugada, depois das apresentações. Tudo pelo espetáculo, tudo pela escola. A gente tá muito contente, eu tô muito feliz”, comemorou.
Por sua vez, Luan foi mais enfático – mas se mostrou grato pela oportunidade: “Pra ser sincero, tivemos só uma noite de ensaio. O que foi apresentado a gente fez em uma noite de ensaio. Aqui tem uma galera da Comissão de Frente da Colorado, tem uma galera da minha quadrilha, que é profissional. Tem uma galera do grupo cênico, também. A gente tentou juntar um pedaço de cada setor da escola pra poder fazer esse show que vocês viram”, comentou.
A grande campeã da segunda noite foi a agremiação que mais ousou e buscou mesclar a quadrilha com o teatro. Trata-se da Dragões da Real, que trouxe a grande maioria dos componentes com fantasias de desfile de escola de samba. A apresentação começou ao som de “Disparada”, composta por Geraldo Vandré e Théo de Barros e imortalizada na voz de Jair Rodrigues. Depois, ao som de “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, a Dragões relembrou o marcante desfile “Dragões canta Asa Branca”, primeiro dos três vice-campeonatos da agremiação no Grupo Especial. Ainda houve tempo para a execução de “Romaria”, de Renato Teixeira, com a saudação a Nossa Senhora Aparecida.
Com Renê Sobral interpretando todas as canções e narrando atos, tal qual uma peça de teatro, outro segmento marcou presença na apresentação: Rubens Valente estava de roupa caipira, enquanto Janny Moreno era a noiva – ambos são o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da instituição. Para encerrar, os dois tripés utilizados, que ficaram boa parte do tempo cobertos, revelaram o logo do enredo “A vida é um sonho pintado em aquarela!”, que será apresentado pela entidade em 2025 – e, quando isso aconteceu, ganhou espaço uma versão junina de “Aquarela”, clássico de Toquinho que será o fio condutor para a apresentação da instituição no Anhembi em 2025.
Carnavalesco da agremiação, Jorge Freitas foi um dos responsáveis pela apresentação campeã e exaltou o papel da Liga-SP na difusão da cultura popular brasileira: “Não acho que seja um desafio porque carnaval e Festa Junina são manifestações culturais. Eu acho muito importante a Fábrica do Samba e nós, de escola de samba, termos também outras manifestações no nosso polo. Tenho certeza que já virou, e que isso aqui vai se transformar também no maior polo junino, do estado de São Paulo. O congraçamento do carnaval com a festa junina e com outras manifestações é feito com muita propriedade e com muita essência. Parabéns ao carnaval de São Paulo por nos proporcionar esse momento mágico”.
Ricardo Negreiros, coreógrafo da comissão de frente, detalhou todo o processo que culminou no título: “Sobre o processo criativo, basicamente: o Jorge trouxe uma ideia, ele já tinha uma concepção, e a gente foi unindo forças para fazer isso acontecer. O Jorge também coreografou, eu fiz alguns envolvimentos, umas sequências, foi tudo participativo. EFoi um projeto inclusivo, nós fizemos com várias pessoas de várias alas: tinha comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira, diretoria… enfim. Tinham pessoas de vários departamentos, e esse foi o propósito: unir pessoas. Queria fazer um negócio bacana, então vamos fazer juntando todo mundo. Quem tem mais habilidade, quem tem menos habilidade… não importava, o importante era juntar todo mundo. E foi isso que deu, e ficou muito bonito”, finalizou.
Mais fotos da festa junina da Liga-SP