Leandro Vieira está de volta à Rainha de Ramos, escola pela qual o artista passou em 2020 no Grupo de Acesso. O profissional agora terá o desafio de produzir o desfile da Imperatriz no Grupo Especial com a agremiação sedenta por acabar com jejum de mais de 20 anos sem o título da elite do carnaval carioca. Para isso, ele desenvolveu um enredo bem diferente do que ele já havia produzido nos anos de Estação Primeira de Mangueira, no Império Serrano e na própria Imperatriz. Com uma sinopse toda trabalhada na literatura de Cordel, a Verde e Branca de Ramos vai contar na Sapucaí uma história lúdica sobre o líder dos cangaceiros, Lampião.
O samba escolhido para o desfile de 2023, tem a autoria dos compositores Antonio Crescente, Gabriel Coelho, Lucas Macedo, Luiz Brinquinho, Me Leva, Miguel da Imperatriz, Renne Barbosa e Rodrigo Rolla. Miguel da Imperatriz conversou com o site CARNAVALESCO e elogiou o trabalho desenvolvido por Leandro Vieira na construção da sinopse do enredo.
“É preciso falar sobre a sinopse fantástica que o Leandro (Vieira) escreveu em forma de literatura de Cordel, todo versado e com palavras e temos nordestinos, o que levou a gente a escrever o samba em formato de literatura de Cordel. Esse samba tem três partes importantes que é a parte que conta sobre a morte do Lampião, depois ele tentando entrar no inferno, depois ele tentando entrar no céu, e depois ele tentando pedir pelo amor de Deus a Padre Ciço para arrumar algum lugar para ele, que também não conseguiu dar guarida para ele, e aí depois, de uma forma mais lúdica ele fica vagando nas coisas nordestinas, nos bonecos de barro, no gibão, no chapéu de couro, na sanfona. A gente ficou muito feliz com o samba, nós achamos que o samba é ótimo, a letra é boa, é muito melódica, a comunidade super abraçou o samba, a gente está esperançoso para que este título volte a Ramos depois de tantos anos”, espera o compositor.
O site CARNAVALESCO dá prosseguimento à série de reportagens “Samba Didático” pedindo ao compositor Miguel da Imperatriz para esclarecer mais dos significados e representações por trás do versos e expressões presentes no samba da Imperatriz para o carnaval de 2023:
Imperatriz veio contar para vocês
Uma história de assombrar
Tira sono mais de mês
“É uma introdução do que vem por aí. Nós estamos realizando a preparação para a História de Lampião, cabra bravo. Este trecho do samba que se repete logo no começo cria essa expectativa para contar para as pessoas que estão ouvindo o samba, este causo”.
Disse um cabra que nas bandas do Nordeste
Pilão deitado se achegava com o bando
Vinha no rifle de Corisco e Cansanção
Junto de Cirilo Antão, Virgulino no comando
“Na primeira parte do samba, a gente conta como foi essa emboscada em que o Lampião morreu, contando o quanto ele era bravo, falamos da relação que ele tinha com os seus comparsas, que é o Corisco, Cansanção, Cirilo Antão, Pilão Deitado, todos cangaceiros. E também falamos do Virgulino, que é quem estava no comando, que é o próprio Lampião”.
Deus nos acuda, todo povo aperreado
A notícia corre céu e chão rachado
Rebuliço no olhar de um mamulengo
Era dia 28 e lagrimava o sereno
“Nesse momento, as pessoas descobriram que Lampião havia morrido, e começaram a ficar muito tristes, pois o povo gostava dele e aí que nós colocamos ‘dia 28 lagrimava o sereno’, é uma expressão para contar o dia que o Lampião havia morrido, dia 28 de julho de 1938. Usamos o ‘Rebuliço no olhar de um mamulengo’ para retratar o espanto que causou em todo o povo a morte do Lampião”.
E foi-se então, adeus capitão!
No estouro do pipoco
Rola o quengo do caboclo
A sete palmos desse chão
“No segundo refrão a gente fala sobre a morte de Lampião propriamente dita, e depois começa a parte mais lúdica do enredo em que ele chega no inferno. As expressões usadas remetem aos termos usados principalmente regionalmente para definir a morte ‘sete palmos desse chão’, ‘rola o quengo’, quengo é cabeça. O termo capitão era designado ao Lampião como sua patente”.
Nos confins do submundo onde não existe inverno
Bandoleiro sem estrada pediu abrigo eterno
Atiçou o cão catraz, fez furdunço
E Satanás expulsou ele do inferno
“A gente fala sobre a chegada de Lampião no inferno. Acho até que é uma parte com termos bonitos ‘nos confins do submundo onde não existe inverno’, que frase bacana para a gente falar que ele foi para o inferno. E aí o Lampião pede abrigo ao Satanás que não deixou ele entrar porque ele era muito bravo, o diabo ficou enciumado com tanta bravura do Lampião, e não deixou ele entrar no inferno. Cão catraz é também uma expressão para se designar o Satanás”.
O jagunço implorou um lugar no céu
Toda santaria se fez de bedel
Cabra macho excomungado de tocaia num balão
Nem rogando a Padim Ciço ele teve salvação
“Neste momento ele vai para o céu tentar entrar após ser expulso do inferno. Obviamente, não foi deixado, a santaria toda se fez de bedel. Bedel é tipo um ser de comando, é como se fosse o síndico de um prédio. Todos ficaram loucos, de jeito nenhum ele podia entrar no céu. Depois, Lampião entra de tocaia, ou seja escondido, em um balão, e vai pedir guarida, pedir proteção, rogar ao Padre Cícero, para ver se o santo conseguia botar uma pressão em alguém para que o Lampião pudesse entrar em algum lugar, porque ninguém queria deixar ele entrar em lugar nenhum”.
Pelos cantos do Sertão, vagueia, vagueia
Tal qual barro feito a mão misturado na areia
“Nem Padre Ciço conseguiu ajudá-lo. Lampião volta para a Terra. Ele volta para a Terra e fica vagando pelas coisas culturais nordestinas que é como se fosse que estas coisas pegam esse espírito de Lampião. Ele vagueia pelas terras do sertão, pelos bonecos de barro de Vitalino, pelo gibão, pelo chapéu de couro, pela sanfona de Luiz Gonzaga, ele praticamente se torna como se fosse um espírito cultural nordestino”.
Quando a sanfona chora, mandacaru aflora
Bate zabumba tocando no meu coração
Leopoldinense, cangaceira é minha escola
Eis o destino do valente Lampião!
“No nosso refrão principal, a gente quer falar um pouco das coisas nordestinas. Estes termos presentes neste trecho são as coisas nordestinas que Lampião, nesse conto, nessa literatura de Cordel, vagueia por ali. No final a gente fala que é Leopoldinense, nossa escola cangaceira, que é onde o Lampião finalmente chega e por lá fica, é o destino do valente Lampião. Esse refrão principal amarra toda a história e aí volta para o primeiro refrão ‘Imperatriz veio contar…’ que a gente introduz de novo e assim segue”.