A Grande Rio, atual campeã do carnaval carioca, levará para a Marquês de Sapucaí em seu próximo desfile uma homenagem ao cantor Zeca Pagodinho, o enredo “Ô Zeca, O Pagode Onde É Que É? Andei Descalço, Carroça E Trem, Procurando Por Xerém, Pra Te Ver, Pra Te Abraçar, Pra Beber E Batucar”, é desenvolvido pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora e propõe uma vasta procura pelo personagem, inspirada na música “Zeca, cadê você?”, composição de Jorge Aragão e do próprio Zeca. Será um verdadeiro passeio pelas andanças, histórias, amores, redutos, ritmos, parceiros, subúrbios, baixadas, roças e quintais que fizeram parte da vida do partideiro. Em busca de mais uma conquista, a tricolor de Caxias será a segunda escola a desfilar no primeiro dia de desfiles do Grupo Especial. A obra escolhida para embalar o cortejo é dos compositores Arlindinho Cruz, com Igor Leal, Diogo Nogueira, Myngal, Mingauzinho e Gustavo Clarão.

O site CARNAVALESCO, dando continuidade à série de reportagens “Samba Didático”, entrevistou o compositor Igor Leal para saber um pouco mais sobre os significados e as representações por trás dos versos e expressões presentes no samba da Grande Rio para o carnaval de 2023. Igor explica o olhar sobre o enredo que a composição vencedora tomou para dar o seu recado.

Ô Zeca tu tá morando ondé?
Sai com meu povo a te procurar
Botei minha cerva na encruzilhada
Pra moça da saia rodada e pro ôme da capa

“Ô Zeca tu tá morando ondé?” “É dessa forma que iniciamos nossa obra, procurando o Zeca, nosso personagem, botando nosso povo na rua, ou melhor, botando o nosso povo de rua, na rua. A Grande Rio ‘sai com seu povo a te procurar’, agradecendo primeiramente a Exu por abrir os caminhos, botando cerveja na encruzilhada para a moça de saia rodada e para o ôme da capa, saudando aqueles chamados ‘catiços’ por nos abençoar e movimentar o nosso caminho, pois Exu é lonã/caminho, caminho que todo bom macumbeiro como o Zeca Pagodinho precisa”.

Cadê você?
É alvorada do seu padroeiro
Pra agradecer
Ao mensageiro de São Jorge guerreiro

“Cadê você? É alvorada do seu padroeiro”. “Cadê você poeta? É alvorada da malandragem, onde os fogos explodem no alvorar do dia, hora de agradecer ao Guerreiro Jorge e ao seu mensageiro, Exú, pelas vitórias da vida”.

Tem patuá, pra proteger
E tem mandinga no velho engenho
Quem tem um santo poderoso que é ogum?
Eu tenho

“Você que tem tanta guia e patuá pra te proteger, que carrega de nascença a força ancestral do Velho Engenho, vindas de seu pai de cabeça, o senhor da cura, Obaluaiê, e que desde criança tem as mandingas de Preto Velho presentes curando as feridas da sua vida, é hora de gritar bem alto como diz as entrelinhas da sua própria música, ‘Minha fé’: ‘Quem tem um santo poderoso que é Ogum? Eu tenho'”.

Nas bandas do Irajá, gelada no botequim
Assim vou vadiar até no gurufim

“E assim a vida se fez vida, como diz outra música sua, ‘Vida da minha vida’ e lá ‘nas bandas do Irajá’, pisando em caquinhos, lembramos dos seus tempos da infância, bola de gude na terra, pipas malucas no céu, as serestas, os coretos, o banquete dos cachorros que alguém dedicou a São Roque, e da famosa ‘gelada no botequim’, vadiando junto com seus parceiros, arriscando versos em uma roda de partideiros até mesmo num gurufim/velório até de manhã”.

Se tem patota, Ibeji e Ajeum
Salve Cosme e Damião, Doum!

“Pode tentar o que quiser, mas o Zeca tem ‘cabeça é sã’, porque Cosme é seu amigo e pediu a seu irmão Damião/Pra reunir a garotada e proteger seu amanhã. E ‘se tem patota, Ibeji e ajeum’ o Zeca Pagodinho que tem tatuado no peito a imagem dos santos gêmeos/protetores dos médicos e farmacêuticos, todo sagrado dia 27 de setembro dá um salve, não só para as crianças em vida, mas também para aquelas que rezam a crença de que para cada dois gêmeos que nascem um terceiro não encarna neste mundo. Ou seja, toda patota. ‘Salve Cosme e Damião, Doum!'”.

Ê que bela quitanda, quitandinha de erê
Seu balancê
Tem quitandinha de erê

“‘Quitandinha de Erê’. Uma saudação às crianças nos cultos religiosos, Kitanda de Monadenge (erê), acontece em um dia após a saída do iniciado de santo. É um ritual público de grande emoção, onde no dia seguinte, tem a festa intitulada QUITANDA DE ERÊ/VUNGI (CRIANÇA). Nela o iniciado sai para o barracão em estado de consciência infantil. Em seguida os autores do samba fazem uma alusão de letra e música a umas das obras mais famosa do Zeca, intitulada ‘Seu Balancê’ música qual tem uma letra que diz: ‘Tô com medo desse doce/Tô comendo em sua mão’ isso os inspiraram a dizer com que o famoso verso ‘Seu Balancê’ tenha o mesmo balanço dos cultos religiosos de ‘Quitandinha de Erê’ como se fosse literalmente uma catinga entoada em homenagem às crianças pelo Zeca. E haja caruru pro banzé da criançada”.

Passei procurando na feira
Em Del Castilho e na tamarineira
E na gafieira, boêmios, malandros
Pelos sete lados eu vou te cercando

“Na visão genial dos carnavalescos, o enredo é uma vasta procura pelo personagem, inspirada na música ‘Zeca, cadê você?’, composição de Jorge Aragão e do próprio Zeca Pagodinho. Um verdadeiro passeio pelas andanças, histórias, amores, redutos, ritmos, parceiros, subúrbios, baixadas, roças e quintais que fizeram parte da vida do partideiro. Assim os autores do samba-enredo iniciaram a segunda parte do samba citando diversos pontos daquele que, nas palavras de Flávia Oliveira, pode ser lido como um ‘cronista de um subúrbio mais amoroso e solidário’, ou simplesmente um cronista da vida dos subúrbios cariocas. Em meio tanta procura, citamos ‘Del Castilho’, onde Zeca passou a maior parte da sua vida, e a sagrada ‘Tamarineira’ onde ele deu passos importantes para sua carreira, e dessa forma, como num ‘jogo do bicho’, PS: Jogo que somente a pouco tempo o Zeca descobriu que é ilegal, cercamos ele pelos sete lados”.

Jessé! Jessé!
Fiz um pagode pra madrinha, salve ela!
Saudei a voz da velha guarda da Portela
E lá na roça vi florir um carnaval

“Jessé! Jessé Gomes da Silva Filho, ou melhor, nosso Zeca Pagodinho, hoje a Grande Rio convida esse ícone do samba para juntos fazer um grande pagode. Com um salve para a Madrinha Beth Carvalho, saudando a voz centenária do samba, seu Monarco, baluarte da Velha Guarda da Portela, sua escola de coração. A nossa carroça imaginária, zarpa para florir um carnaval na roça, um cantinho de Caxias lá na ‘Velha Baixada’, como o próprio Zeca canta em ‘Sapopemba e Maxambomba’ ou até mesmo nos versos improvisados de ‘Moro na Roça Iaiá…’.

Zeca!
Levante o copo para o povo brasileiro
Te encontrei nesse terreiro
Xerém é o seu quintal

“Por isso Zeca! Falando em linguagem direta para nosso homenageado: – Levante o Copo para o povo brasileiro, você que é um artista que se comunica de maneira extraordinária com a sua legião de fãs, a Grande Rio hoje te encontra hoje na Avenida Marquês de Sapucaí, um terreiro que é tão seu, quanto nosso, o terreiro de todo e qualquer sambista. Sabemos que Xerém é o seu quintal, ou melhor o ‘Quintal do Pagodinho’, mas é aqui no maior palco a céu aberto do mundo, que o seu copo irá brindar milhões de ‘corações brasileiros'”.

Deixa a vida me levar
Onde o samba tem valor
Meu Candiá… encandeou
Sou grande rio carregado de axé
Minha gira girou na fé

“Nossas energias se misturam, Zeca e Grande Rio, Xerém e Caxias, são uma coisa só, uma energia mútua, assim como faz cada brasileiro quando canta em mutirão Zeca Pagodinho, e entoa, ‘Deixa a vida me levar’, pra ‘onde o samba tem valor’, encadeando a cada olhar, pois o nosso povo é sim “carregado de axé”, girando com mais fé ainda, buscando o bicampeonato do carnaval carioca. Cantando uma história de amor ao samba”.