A Mangueira é uma escola que capricha quando homenageia grandes figuras do samba e da cultura brasileira. Campeã recente com o enredo sobre Maria Bethânia, em 2016, a Verde e Rosa tem um largo histórico de grandes honrarias prestadas, como a Chico Buarque em 1998, a Carlos Drummond de Andrade em 1987, Dorival Caymmi, em 1986, e em 1984 com o super campeonato de inauguração do Sambódromo da Marquês de Sapucaí homenageando Braguinha. Dá até para lembrar de 2011, quando Nelson Cavaquinho rendeu um terceiro lugar para a escola que apesar das dificuldades financeiras fez um carnaval emocionante.

compositores mangueira
Foto: Leandro Ribeiro/Divulgação TV Globo

Desta vez, a responsabilidade é grande. São simplesmente três dos maiores ícones, não só da Mangueira, mas do carnaval e da cultura brasileira. Cartola, o fundador da escola, poeta que escolheu as cores do pavilhão, cujo centenário foi em 2008. Jamelão, uma das maiores vozes de samba de todos os tempos, voz potente como dos Reis, Reis pretos, e mestre Delegado, que defendeu o pavilhão verde e rosa por décadas, se transformando em exemplo para todas gerações de mestre-sala por sua garra e excelência em suas notas máximas.

A Mangueira, neste enredo, que será produzido pelo carnavalesco Leandro Vieira, escolheu nesta homenagem a estes três ícones, retratá-los também lembrando que eram de carne e osso, criados no morro, e trazendo seus nomes de batismo: Angenor, José e Laurindo, que depois se tornaram Cartola, Jamelão e Delegado. Este detalhe que dá o nome ao enredo serve também para lembrar que do Morro de Mangueira nasceram e nascem todos os dias diversos talentos. Como diz na sinopse “Engana-se quem pensa que os habitantes do Morro de Mangueira morrem sem ter o que deixar como herança, assim como estão enganados aqueles que pensam que, os que lá nascem, estão desprovidos de bens. […] Lá, nascem ricos daquilo que o dinheiro não compra, e nós, quando privados da arte que brota a granel nos corpos da favela, ficamos mais pobres”.

O samba para o enredo “Angenor, José e Laurindo” é de autoria de Moacyr Luz, Pedro Terra, Bruno Souza e Leandro Almeida. A escola será a segunda a desfilar no domingo de carnaval buscando seu 21º título. O compositor Bruno Souza conta que a ideia principal do samba era retratar as três grandes referências da Mangueira como também gente simples do Morro, dessa forma homenageando também a localidade em que está inserida a Estação Primeira.

“A ideia central é retratar os homenageados do enredo como representantes do povo que habita o morro da Mangueira. Para isso nós começamos nosso samba apresentando a Mangueira como um lugar onde a poesia é constante, um território do povo preto que lutou e luta pela sua liberdade. A partir da Escola de Samba mostramos a sua formação para gente humilde e trabalhadora do dia a dia, que, no entanto, são reis na arte do carnaval”, explica Bruno.

O site CARNAVALESCO dá continuidade à série de reportagens “Samba Didático” pedindo ao compositor Bruno Souza para esclarecer um pouco mais dos significados e das representações por trás de alguns versos e expressões presentes no samba da Estação Primeira de Mangueira para o carnaval de 2022:

“MANGUEIRA… TEU CENÁRIO É POESIA/LIBERDADE E AUTONOMIA/QUE O NEGRO CONQUISTOU (ÔÔÔ)”

“Apresentação da Comunidade da Mangueira como um território de beleza poética e também de luta e resistência negra”.

“A SABEDORIA SE CHAMA ANGENOR”

“Seguimos invocando Cartola como o precursor do legado deixado pelos ancestrais mangueirenses, o reverenciando como o sábio maior, fundador da Estação Primeira. Trata-se de uma reverência a Cartola, responsável pelo legado da dinastia mangueirense e pela criatividade poética da escola”.

“LUSTRANDO SAPATO, VENDENDO JORNAL/CHAPÉU DE PEDREIRO NO MESMO QUINTAL/TRÊS ILUMINADOS REIS DO CARNAVAL”

“É o retrato da desvalorização dos artistas negros das favelas, que embora reinantes na cultura e na arte desse país, recorreram ao trabalho informal e de baixo prestígio social como forma de subsistência”.

“AS ROSAS NÃO FALAM, MAS SÃO DE MANGUEIRA/EU VI SEU LAURINDO BEIJANDO A BANDEIRA/JOSÉ CLEMENTINO NA FLOR DA IDADE/O SOL COLORINDO A MINHA SAUDADE”

“Chegamos ao refrão do meio trazendo o perfume das rosas de Cartola para exalar a nostalgia de Seu Laurindo beijando a bandeira e de José Bispo Clementino com sua voz inconfundível, seja na juventude nas gafieiras ou até os seus últimos dias no samba enredo. É através do perfume das rosas de Cartola que exalamos a nostalgia e a saudade dos tempos em que Delegado defendia nossa bandeira, assim como dos áureos momentos de Jamelão. Seja na sua juventude, nas gafieiras, ou em sua melhor idade, com sua voz potente interpretando a verde e rosa na avenida”.

“QUEM TRAZ A COR DESSA NAÇÃO/SABE QUE O MORRO É UM PAÍS”

“Seguimos com o que nos une e nos faz ser um só corpo poético, dançante e vibrante. O verde e rosa que nos arrepia, o respeito por nossos ancestrais e o reconhecimento da potência da favela, que resume perfeitamente o cenário do nosso Brasil. É a afirmação da comunidade mangueirense enquanto a síntese do Brasil. De uma comunidade formada em sua maioria por trabalhadores (as) negros (as) dotados de talento, poesia e arte em sua essência e que representam não só o espírito mangueirense, mas também do que é a população brasileira”.

“A VOZ DO MEU TERREIRO IMORTALIZA O SAMBA”

“A definição de terreiro remete aos tempos em que as quadras de escolas de samba assim eram denominadas, por se tratarem, em sua maioria, de espaços em que o chão era de terra batida. Vem do terreiro da Mangueira a voz inconfundível de Jamelão, rompendo as barreiras do mundo do samba”.

“E QUEM GUARDOU COM AMOR O NOSSO PAVILHÃO/TEM AOS SEUS PÉS A NOSSA GRATIDÃO”

“Encerramos o samba reverenciando e agradecendo àquele que por longos anos defendeu a nossa bandeira e que com a poesia de seus pés e de seu bailado recebeu todas as notas 10 possíveis”.

“SÓ SEI QUE MANGUEIRA/É UM CÉU ESTRELADO”

“No refrão principal clamamos para que nossos imortais sejam por nós e reconhecemos que em Mangueira há uma constelação de bambas ilustres, que pelo que construíram no passado legaram o amor que hoje batemos no peito para afirmar. Se em Mangueira foi constituído um solo de poesia, hoje em seu céu habitam os homenageados ao lado de tantos mangueirenses que fizeram da verde e rosa a escola mais querida do planeta, formando uma ilustre e saudosa constelação”.

“VALEI-ME CARTOLA, JAMELÃO E DELEGADO”

“Durante todo o samba os homenageados são retratados pelos seus nomes de batismo e pelos seus feitos, sendo guardado para o refrão a exaltação dos nomes que lhes eternizaram através de uma invocação para que continuem a iluminar a Estação Primeira de Mangueira”.

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