Toda a estética erudita, narrativa e cheia de personagens dos carnavais de Rosa Magalhães ganha uma nova leitura no Salgueiro. Traduzir a biblioteca da carnavalesca em trilha sonora é o objetivo central da equipe musical para 2026. A escola aposta na inclusão de um violino no carro de som, proposta criada pelo diretor musical Alemão do Cavaco em parceria com os mestres Guilherme e Gustavo Oliveira, para criar tensões, coloridos melódicos e referências diretas aos carnavais da eterna Professora. Apresentada no minidesfile da escola em comemoração ao Dia Nacional do Samba, a novidade surgiu quando a direção musical e os mestres da bateria “Furiosa” mergulharam no enredo. Não se tratava de um inventário biográfico da carnavalesca, mas de um desfile que revisita sua obra, seus personagens e seu universo estético.

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Foto: Thais Brum/Divulgação Rio Carnaval

“É como se a gente estivesse abrindo a biblioteca da Rosa”, explicou o mestre Guilherme. “A ideia é falar dos carnavais importantes dela, e não da vida pessoal. E o enredo entrega muita coisa do que podemos criar musicalmente”, completou.

O irmão e parceiro no comando da “Furiosa”, Gustavo, reforçou essa leitura: “A gente sempre teve essa veia pesquisadora. Não é só chegar e tocar o que o samba pede. A gente pensa como o enredo pode guiar nossa criação, qual é a filosofia que ele entrega. A Rosa falava muito do Brasil, do barroco, mostrava muito seu lado acadêmico. A gente precisava traduzir isso em som”.

Trilha sonora da biblioteca

Com a pesquisa consolidada, uma proposta começou a ganhar força entre os mestres: a de criar uma trilha sonora para os carnavais da Rosa. “O Gustavo chegou com essa ideia. Ele falou: ‘E se a gente criasse algo pensando como uma trilha de filme?’”, lembrou Guilherme.

Alemão do Cavaco, diretor musical, abraçou a ideia de imediato. Antes mesmo do fim da disputa de samba, ele e os mestres já conversavam sobre uma bossa que fugisse do padrão. “A bateria queria uma bossa que não fosse uma bossa. Queria algo quase como uma trilha de filme”, contou o diretor. E completou: “A Rosa sempre teve personagens em seus enredos. A gente lembrou de ‘Piratas do Caribe’, das trilhas tensas do filme”.

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Foto: Marcos Marinho/CARNAVALESCO

O primeiro instrumento pensado foi o cello, mas Alemão sugeriu outro caminho. “Eu disse: ‘Vou trazer um violino’. Já trabalhei com violino em escola de samba, e ele tem a tessitura do bandolim. Funciona melhor”, explicou.

Violino no carro de som

O violino, nascido do diálogo entre direção musical e bateria, trouxe também a memória dos carnavais dos anos 1990, fase de ouro da carreira de Rosa. “A maioria dos carnavais dela remetia ao barroco, ao erudito”, lembrou Alemão. “O violino tem tudo a ver com isso. Quisemos relembrar essa estética.” Ele explica que, além do timbre erudito, a opção dialoga com elementos musicais marcantes da época: o alusivo em formato de pagode, muito usado pelas escolas nos anos 1990. “A gente juntou tudo isso e trouxe o violino para dar um colorido diferente”, completou.

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Foto: Marcos Marinho/CARNAVALESCO

O músico convidado para o desafio foi Mateus Soares, de 27 anos. Ele recebeu o convite diretamente de Alemão: “Ele me ligou e falou para eu ir gravar. A gente testou, e deu certo”, contou o violinista.

Mateus vem da música de concerto e nunca havia vivido o ambiente de escola de samba. “É algo novo para mim, apesar de gostar de samba, nunca vivenciei esse ambiente. O arranjo do Alemão é muito eficiente no sentido de combinar o violino com o cavaquinho, o violão e todos os instrumentos da bateria. A gente constrói a música, mas também é construído por ela”, declarou.

Bossas, suspense e arranjos

Alemão detalha como o instrumento foi integrado ao samba. “O violino acompanha as bossas e, onde não tem bossa, eu fiz desenhos de arranjo para dar riqueza. No disco já demos um aperitivo: aquele ‘tan tan tan tan tan tan’ no refrão do meio. Agora aumentamos para dar um clima maior”, revelou.

Os mestres confirmam que o instrumento entra em duas bossas, mas não revelam tudo. “A gente criou algo para o CD, mas já mudou. Queremos dar uma cara mais específica. Não dá para entrar em detalhes, porque entregaríamos o projeto do Jorge. Vamos deixar esse gostinho para o Carnaval”, disse Guilherme.

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Foto: Marcos Marinho/CARNAVALESCO

Gustavo reforçou que a relação do violino com enredo será revelada na performance da escola na avenida: “Tem a ver com a fantasia, com o estilo musical que remete a fantasia. No carnaval, essa conexão vai ficar clara: é para a galera tomar aquele baque quando entender a relação do violino com o enredo”.

Emoção como chave

No minidesfile, o impacto foi imediato. Parte do público reagiu ao timbre agudo que dobra a melodia e atravessa a paradinha da bateria. “O violino causa emoção”, disse Guilherme. “Vi muita gente comentando isso nos vídeos. A Rosa morreu há pouco tempo, e o instrumento traz essa memória também. Depois, com a explosão da bateria, joga a energia lá para cima”, completou.

Mateus confirma o efeito. A primeira escuta do samba o marcou profundamente: “Achei a melhor melodia. Me emocionei. Ouvi muitas vezes para internalizar. Vai ser meu primeiro desfile, estou super animado”, finalizou.