Ser flamenguista no dia do tetracampeonato da Libertadores já poderia render assunto suficiente para uma noite inteira de festa ou de provocações, mas, no caso de Julinho e Rute, a história ganhou contornos inusitados. Algumas horas depois do Flamengo garantir o título no Monumental de Lima, a Viradouro realizou seu minidesfile na Cidade do Samba em homenagem ao mestre Ciça, vascaíno declarado. Para entrar no clima da homenagem, o casal vestiu figurinos inspirados no uniforme do Vasco, criando um contraste afetivo e visual que rapidamente chamou atenção de quem estava por ali. Ao relembrar aquele momento, em entrevista ao CARNAVALESCO, Julinho soltou uma risada e começou explicando como recebeu a coincidência das datas: “Que peça que o destino pregou”.

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Fotos: Marcos Marinho/CARNAVALESCO

Ele comenta que, apesar da ironia futebolística, não houve espaço para hesitação.“Não temos do que reclamar: toda e qualquer homenagem ao Ciça é válida. Como diz o samba: ‘não esperamos a saudade para cantar’. Estamos retribuindo ao Ciça por tudo o que ele faz pela gente. Mesmo o coração batendo muito rubro-negro, ele bate pelo Ciça também”, declarou o mestre-sala.

A cena, naturalmente, gerou brincadeiras de todos os lados, e poucas pessoas aproveitaram tanto esse aspecto quanto Rute. Com humor, ela ampliou a história para o campo do impossível: “Acho que a gente devia entrar para o Guinness porque somos os únicos flamenguistas no mundo que, no dia da final da Libertadores, vestiram a camisa do Vasco”, disse a porta-bandeira aos risos.

Ela conta que não houve dúvida ou receio: o figurino precisava dialogar com o mestre homenageado, independentemente da rivalidade esportiva. Ainda assim, o ambiente da Cidade do Samba tratou de reforçar o lado cômico da situação:

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“Não hesitamos em nenhum momento. Mas tivemos que aturar os vascaínos na Cidade do Samba tirando foto com a gente, sacaneando, porque sabem que somos flamenguistas pra caramba”.

A dupla, inclusive, chegou à Cidade do Samba usando camisas do Flamengo, guardando o figurino vascaíno para o momento exato da apresentação. Rute recorda o momento em que Ciça percebeu o que eles tinham preparado: “Quando ele viu, os olhos dele encheram d’água”.

Ela contou que o mestre até deu sugestões para a coreografia espelhada. “O Ciça está sendo verdadeiramente homenageado. Ele está fazendo parte de tudo e não há nada que ele hesite em fazer pela gente. Ele até deu ideia para a nossa coreógrafa de movimento na cabine espelhada. Ele é incrível”, revelou.

‘Falar dos nossos’

Entre uma provocação futebolística e outra, Julinho muda ligeiramente o tom quando o assunto passa a ser a escolha da Viradouro por homenagear um sambista vivo e atuante. Para ele, esse tipo de homenagem responde a um desejo antigo de ver o carnaval valorizando sua própria história.

“Acho que essa homenagem vem para alertar. O samba busca tanta coisa na nossa cultura, e é relevante falar da nossa própria cultura, não só pegar CEP internacional. Tem muito para se falar do Brasil, mas também muito para se falar do samba, do Carnaval e das próprias escolas”, afirmou.

Julinho defende que homenagens aos sambistas ainda atuantes no carnaval das escolas de samba fortalecem o vínculo entre comunidade e enredo, criando identificação imediata:

“Falar de um segmento vivo e atuante é inovador. Todo sambista vai se sentir representado pela Viradouro, como nós estamos. Acredito que, a partir de agora, várias escolas vão homenagear os seus que ainda estão vivos e atuantes”.

Figurino vascaíno

Se o gesto já era significativo, o figurino reforçou ainda mais o simbolismo da noite. A concepção foi de Rute, que buscou fidelidade absoluta à camisa do Vasco. Ela mergulhou nos detalhes técnicos do uniforme cruzmaltino:

“Queríamos algo o mais fiel possível. Fiz o rapaz que executou o figurino procurar o viés certo da gola, estudamos juntos a altura exata da Cruz de Malta. Se você me perguntar as especificidades da camisa do Flamengo, vou saber. Agora, do Vasco, não”, contou.

Rute ainda explicou que escolheram tecido próprio de camisa de futebol, para reforçar o aspecto realista. Satisfeita com o resultado, ela brincou com o costureiro: “Fiquei muito satisfeita com o resultado, mas que desperdício!”. Ela ri, deixando claro que a farra entre Flamengo e Vasco passou longe de qualquer tensão.

Ao fim do carnaval, ela pretende presentear o figurino à rainha de bateria Juliana Paes, vascaína assumida.

E depois dos 40 minutos?

Depois de cerca de quarenta minutos desfilando com a Cruz de Malta no peito, Julinho admitiu que não se acostumou. Ele responde com humor, mas também com a honestidade de quem vive intensamente o futebol:

“É pelo Ciça! Acabou o desfile, já botamos a faixa de campeões da Libertadores. Já estamos voltando ao rubro-negro, daqui a pouco já estarei com a camisa do Flamengo”.

No fim, foi uma noite em que o samba e o futebol se encontraram mais uma vez. A homenagem ao mestre “Caveira” superou a rivalidade esportiva. Julinho e Rute mostraram que, no samba, o coração pode até mudar de cor por alguns minutos, sobretudo quando bate pelo samba e pelos seus mestres.