Localizada no Trevo das Palmeiras, na Barra da Tijuca, a Cidade das Artes Bibi Ferreira foi o local escolhido para sediar as gravações do álbum oficial com os sambas-enredo das escolas do Grupo Especial para o Carnaval de 2024. Em uma iniciativa inédita, o projeto foi todo elaborado para ter um formato audiovisual, com o intuito de trazer para as faixas a emoção do ao vivo, recriando nelas o clima dos desfiles no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Para isso, intérpretes, mestres de bateria, ritmistas, integrantes dos carros de som e compositores das doze agremiações da elite da folia carioca ocuparam a Sala de Ensaios Três, situada no terceiro andar do complexo cultural, onde foi montado todo um aparato para as captações do áudio e do vídeo. Em entrevista exclusiva concedida para a reportagem do site CARNAVALESCO, a responsável pelo equipamento público, Daniela Santa Cruz, deu detalhes sobre como foram as tratativas com a Edimusa, editora musical da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), até ser fechado o acordo para receber a empreitada.

Fotos: Divulgação

“Foi uma conjunção de fatores. Desde que assumi a gestão da Cidade das Artes, estamos tentando democratizar esse espaço. A ideia é fazer com que aqui aconteçam eventos e espetáculos que interessem a todas as idades, classes sociais e gostos. É claro que, efetivamente, o samba é um dos nossos temas. Nada mais carioca, mais popular do que o samba. Então, acho que o Hélio Motta, que é o presidente da Edimusa, percebeu isso e teve como ideia vir para cá fazer essa gravação. É um projeto muito diferenciado do que eles já fizeram, a questão da imagem está muito mais presente nele, então era importante que fosse uma sala que tivesse uma boa acústica e também fosse uma sala bonita. Eles fizeram uma visita técnica e entenderam que esse lugar era o melhor e isso veio super de encontro ao que a gente queria também”, explicou Daniela.

A presidente da Cidade das Artes ainda explicou que a Sala de Ensaios Três, que possui 7,5 m de altura e 12,8 m de largura, foi inicialmente pensada para abrigar orquestras, mas que com o tempo passou a ser utilizada para outros fins como preparação de peças de teatro. Segundo a gestora, o espaço em questão foi o escolhido após se mostrar o mais compatível diante das necessidades do projeto de gravação do álbum dos samba-enredo, uma vez que tem uma excelente acústica e infraestrutura, podendo ser facilmente adaptado para se transformar em um estúdio.

“Todas as nossas salas são muito preparadas acusticamente. Uma delas é a Sala de Ensaio Três, que foi preparada para ensaios de orquestra, de música, de câmara. Nessa intenção de trazer mais espetáculos, a gente tem usado também para teatro e variados. Além de ter uma sala anexa que serve de produção, a acústica dela é realmente muito boa. Aliás, cada sala de ensaio é um pouquinho diferente. Uma dessas salas tem a possibilidade de o público assistir, tem uma que é a sede da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), e a terceira é a Sala de Ensaio Três, que é multiuso e totalmente voltada para a música de forma estruturada. Tinha espaço suficiente para receber todo mundo, grande o suficiente para ter equipamento de áudio, vídeo, as pessoas da bateria, e a sala contígua foi muito importante para que a operação estivesse próxima da gravação”, pontuou Daniela Santa Cruz.

Com 97 mil metros quadrados de área construída, a Cidade das Artes ostenta o título de maior complexo cultural da América Latina. O prédio escultural, erguido a dez metros do chão, abriga três salas de espetáculos — a Grande Sala, o Teatro de Câmara e a Sala Eletroacústica — e 21 espaços multiuso, que incluem salas de ensaio, salas de aula, sala de leitura, lojas, galeria, cafeteria e restaurante. Há ainda os jardins integrados, totalmente abertos para o público, e um estacionamento com 750 vagas. Com tamanha estrutura, o local possui capacidade para receber eventos e espetáculos dos mais variados tamanhos e propostas. É justamente pensando nesse potencial que Daniela Santa Cruz tem buscado afastar o estigma de se tratar de um espaço meramente dedicado à cultura erudita, adotando uma política de democratização. Com isso, uma gama de atrações mais diversificadas passou a ser oferecida, aliada a outros tipos de ações que tem como intuito fazer com que uma grande parcela da população que ainda não conhece ou não tem o costume de frequentar o complexo passe a ocupá-lo também.

“Este ano tivemos a possibilidade de começar a mudar essa visão. É um fato que realmente existe aqui uma orquestra sinfônica residente, o espaço foi concebido para este tipo de música, mas as possibilidades de utilização desse complexo é tão grande, tão importante para o Rio de Janeiro, que efetivamente precisa ser usado e explorado das mais diversas maneiras. Até mesmo em função de todos os recursos que foram colocados aqui. Desde que assumi a gestão em fevereiro, a gente teve uma gama variada de eventos e espetáculos, de musicais internacionais que vieram da Broadway a Expo Favela, por exemplo. Aliás, a Expo Favela foi um grande momento em que as pessoas que não estão acostumadas a vir à Cidade das Artes, que não entendiam esse espaço como delas, puderam estar aqui dentro, sendo bem recebidos e verificar que é um espaço aberto para elas. E além dos eventos, festas, peças de teatro e shows de dança, a gente tem tentado tornar isso aqui um lugar de convivência. Nossos jardins estão completamente abertos para piqueniques, o que já tem acontecido. Ou seja, na hora que que a população percebe que a gente tem agora os BRTs amarelos, os amarelinhos, funcionando em plena carga, até o final do ano em todas as trans, da TransOeste a Transcarioca, além de termos uma ligação direta com o terminal Alvorada, vê que é extremamente fácil chegar aqui. Na hora que você dá essa dignidade, que o povo pode vir para cá em um amarelinho como esse com ar condicionado e USB, aumenta esse interesse do público em frequentar a Cidade das Artes. A gente já tem, inclusive, pessoas da Zona Sul vindo de BRT, quebrando um pouquinho o estigma e entendendo que é a forma mais fácil de chegar aqui. Então, a pessoa vem, passa o dia aqui, faz um piquenique, depois vai para um dos eventos ou espetáculos infantis, e acaba ficando até mais tarde para um festival de comida. Já tivemos vários dias em que esses casos, como o do exemplo, foram comuns. Famílias que chegaram aqui de manhã para participar dos eventos gratuitos na sala de leitura, depois ficaram para o piquenique, assistiram uma peça infantil e ainda no final da noite curtiram um festival cervejeiro. Essa é uma meta nossa e queremos que cada vez mais gente tenha esse hábito, essa cultura”, defendeu a gestora.

As atrações e os eventos ligados ao universo do samba estão incluídos nos planos de democratização da Cidade das Artes. Além de servir de palco para as gravações das faixas oficiais das escolas do Grupo Especial para o Carnaval do ano que vem, o complexo irá receber, ainda nos meses de novembro e dezembro, edições especiais do Jongo da Serrinha e da Feira das Yabás. Para os dias de folia em 2024, um calendário totalmente voltado para festa está sendo elaborado, junto com a Riotur, para movimentar o espaço. Na entrevista concedida para a reportagem do site CARNAVALESCO, Daniela Santa Cruz afirmou que essas iniciativas são apenas o começo de uma série de ações para trazer, cada vez mais, a cultura genuinamente popular e carioca para o local.

“É sempre um desafio a gente trazer para cá, por exemplo, rodas de sambas ou outras atrações que já acontecem por todo o Rio de Janeiro, porque é uma experiência nova para todos. Mesmo assim, temos alguns projetos em andamento ou engatilhados. Possivelmente, no ano que vem, vai ser feito aqui um sambabook da Beth Carvalho, por exemplo. Além disso, está previsto para o início do ano, possivelmente junto com a Riotur, uma série de eventos de Carnaval na Cidade das Artes. A ideia é que durante o período de folia termos eventos acontecendo aqui ligados a festa. Ainda em 2023, vamos ter uma edição da Feira das Yabás em dezembro e o Jogo da Serrinha em novembro, como parte da programação especial pelo Dia da Consciência Negra. Tendo isso em vista, a minha impressão é que a o samba está chegando. Infelizmente, eu entrei em cima do último Carnaval, não pude organizar isso para 2023, mas tudo está tendendo para a gente conseguir a partir do ano que vem trazer o samba de verdade pra cá”, relatou a presidente.

Apesar de estar em pleno funcionamento somente a pouco mais de dez anos, a Cidade das Artes é um projeto que começou a ganhar forma ainda em 2002, quando tinha previsão de entrega para o fim de 2004. Na ocasião, o complexo cultural, concebido com o nome de Cidade da Música, sofreu com atrasos e aumentos de custos até ser finalmente inaugurado, mesmo que inacabado, em 26 de dezembro de 2008. No entanto, o espaço não chegou a ser utilizado e foi fechado no ano de 2010 para a conclusão das obras. Dessa forma, o local só foi entrar em atividade em 16 de maio de 2013. A partir daí, diferentes gestões passaram pelo comando do equipamento pertencente à Secretaria Municipal de Cultura do Rio. Ao assumir o posto em fevereiro deste ano, Daniela Santa Cruz fez questão de promover algumas mudanças, que vão além da programação mais ampla, como a implantação da política de encerrar os eventos obrigatoriamente até 01h e o fim das raves. Outras alterações são estudadas e envolvem o diálogo com os mais diferentes órgãos para tornar a experiência do público frequentador cada vez mais agradável.

“O nosso principal trabalho hoje é trazer o público. Queremos que as pessoas entendam que podem chegar, se divertir aqui dentro, pois esse espaço é delas. Algo muito interessante é que este espaço não tem portas. É um complexo cultural que você pode entrar por todos os lados. Então, na hora que o que a própria população entende que é um espaço que ela pode usufruir, não vai ter gestão que possa proibir, né? A não ser que realmente comece a pautar coisas que são muito pouco interessantes, mas o público já vai ter entendido que isso daqui também é deles. Então, para o futuro, a gente está querendo muito focar na questão do BRT, que é a forma mais interessante de chegar aqui. Apesar da gente ter muitas vagas de estacionamento para o público, quando o complexo está funcionando a pleno vapor, elas não dão vazão suficiente. Com o BRT unindo todos os lados da cidade, trazendo pessoas de onde quer que venham, elas podem chegar aqui com dignidade. Esse é um foco muito importante para gente no ano que vem. Estamos fazendo trabalhos em conjunto com a Mobi-Rio. Um exemplo disso é o projeto que temos para a edição da Feira das Yabás que vai acontecer aqui. Nossa ideia é conseguir trazer as yabás de BRT, uma espécie de BRT do samba. No dia 02 de dezembro, tradicionalmente tem o trem do samba, do Marquinhos de Oswaldo Cruz, que é um projeto lindo e queremos meio que fazer uma coisa parecida”, revelou Daniela.