Por Gustavo Lima e Fábio Martins
Aos olhos do público se viu uma final disputada na noite deste domingo na Arena Morada, palco da decisão do samba-enredo da Mocidade Alegre rumo ao Carnaval 2025. As cinco parcerias finalistas apostaram em um numeroso contingente de torcedores para fazer a sua festa particular e todas cantaram o samba com força. Das cinco obras, a vencedora foi a penúltima a se apresentar. No anúncio do título a presidente Solange Cruz fez um grande discurso dizendo que foi uma escolha difícil, mas que no final acabou sendo unânime, entre lideranças da agremiação, comissão julgadora e diretoria. Como de costume, ela começou a cantar o samba e o intérprete Igor Sorriso deu prosseguimento para sacramentar a vitória do Samba 1, que tem como compositores: Aquiles da Vila, Fabiano Sorriso, Marcos Vinicius, Márcio André, Salgado Luz, Daniel Goulart, André Aleixo, Fabian Juarez, Leandro Flecha, Tomageski, Beto Colorado e Chico Maia. Para 2025, o enredo da Mocidade é intitulado como “Quem não pode como mandinga não carrega patuá”, com desenvolvimento do carnavalesco Caio Araújo e do enredista Léo Antan. A agremiação do Limão será a terceira escola a desfilar no sábado de carnaval. * OUÇA AQUI O SAMBA
Enredo importante e inovação dentro da obra
Um dos maiores compositores do carnaval paulistano, Aquiles da Vila já ganhou sambas em várias escolas. Na Mocidade é o segundo. O ‘poeta’, como é conhecido, contou que gosta do tema que a escola propôs e sempre estará dos lados das causas importantes.
“Acho que é um dos enredos mais difíceis de desenvolver, porque é uma escola que é bicampeã do carnaval. Nos últimos 20 anos foi campeã oito vezes. Eu fiz aqui sete sambas, são sete finais e eu ganhei só duas vezes. Uma foi a junção de 2023 e essa é a primeira que a gente ganha sozinha. Eu sou muito grato pela oportunidade de poder falar de enredos desse tipo. Embora pode até não ser um lugar de fala um branco como eu, mas eu sempre vou estar do lado dessas causas. Sempre estarei desse lado. É uma escola que denuncia as mazelas, denuncia as causas urgentes e a gente está aqui para falar sobre isso. Acho que a gente vem sendo felizes nesses últimos anos falando sobre esses assuntos, porque pesquisamos e vivemos isso. Nós somos isso através de essa melodia que vem dentro do coração da gente”, disse.
Além de um refrão de cabeça muito forte, a obra conta com uma peculiaridade, que é na segunda parte se localizando nos três últimos versos. A letra se trata de: Dez: Na terça o terço na mão/ Dez: o dia da consagração/ Dez: mais uma estrela no pavilhão. É uma alusão à presidente Solange Cruz que, no dia da apuração, chama pelas notas 10 com terços nas mãos. Além do significado, a melodia aumenta o tom neste trecho. Segundo Aquiles, foi uma ideia do compositor Biel, que a parceria inteira aceitou.
“Essa ideia quem pensou foi o Biel. A letra dele dos ‘três dez’ em cima da melodia, foi comprada imediatamente pela parceria. A gente sabia que podia até causar uma dúvida pela repetição, mas concordamos porque sabíamos que não era aleatória, pelo contrário, está dentro do enredo, é o último setor e que não existe uma imagem, uma fotografia mais interessante do que uma presidente de escola de samba no país que clama por cada nota dez”, comentou.
‘Muito além de samba-enredo’ e dedicatórias dos vencedores
O compositor vencedor Marcos Vinicius exaltou a comunidade da Morada. ‘Marquinhos’, como é conhecido, diz que o samba-enredo vai além da música e da vitória. “Eu acho que tem um fator decisivo, que é o clamor do povo. A partir do momento em que o povo decide o samba, nós somos apenas um mensageiro. Deus manda mensagem e a inspiração para gente e transmitimos para o povo. Nós passamos por várias etapas nessa feitura de samba. A gente tem que curtir o nosso momento, ser feliz. O mais importante é isso aqui: Ver a alegria de uma baiana, velha guarda, porta-bandeira, da presidente e de seus departamentos. A felicidade dos nossos irmãos, que largam as famílias, largam o trabalho para poder estar aqui para a gente poder mostrar o nosso trabalho. Não é só apresentar o samba-enredo. Tem muita coisa envolvida, é muito amor, é muito sentimento”, celebrou.
Marcos completa dizendo que está disposto a ajudar a escola com a letra e enaltece o carro de som da Mocidade, que talvez seja o melhor de São Paulo, segundo o campeão. “A ala musical da Mocidade é muito competente, uma das melhores de São Paulo. Eu não tenho dúvidas de que o samba vai ser traduzido da maneira que nós passamos aqui ou até melhor. Agora eles vão pegar a comunidade, vão fazer os ensaios com os departamentos. O samba tem muito para crescer. Nós já vimos o que aconteceu aqui. Eu tenho certeza que, de hoje até o sábado de carnaval vai crescer imensamente. Esse é o nosso sentimento. A gente também está aqui, sempre solicitando para ajudar, agregar e estar junto com a escola”, afirmou o compromisso.
Outro escritor vencedor, Fabiano Sorriso dedicou a vitória a duas pessoas importantes da agremiação. O eterno compositor Biro-Biro e o seu tio Neco, que partiram e são grandes figuras da Mocidade Alegre; “Meu tio Neco é um dos fundadores da Mocidade Alegre e infelizmente partiu. Essa vitória nossa é de honra, é de família. Eu dedico ao meu tio Neco, que tenho certeza que de lá de cima está muito feliz por tudo que me ensinou. Vamos dedicar também ao nosso querido Biro-Biro, nosso eterno professor”, destacou.
“Quero agradecer ao Wander Pires, Grazzi Brasil, Bruno Ribas, Tiago Nascimento e toda a comunidade”, concluiu o compositor Salgado Luz
Lisura na escolha, audições internas, união da escola e rumo ao tri
A presidente Solange Cruz falou da dificuldade que foi escolher o samba, até por isso teve cinco obras na final, o que não é tão comum, mas que aconteceu na entidade em outros anos. A líder destacou o processo de escolha e toda a lisura das eliminatórias junto com a comunidade.
“Dessa vez foi muito difícil, muitos sambas bons. A gente acabou até levando cinco para a final, mas foi muito complicado. Na quinta-feira fizemos uma audição com toda a parte da liderança da escola, as lideranças de ala, harmonia, casais de mestre-sala e porta-bandeira, passistas, destaques, bateria, velha-guarda quem foi tinha que votar. E fizemos uma audição dos sambas com Igor cantando os cinco sambas. Toda vez a gente faz isso. Ali tivemos um parâmetro para saber, pelo menos para eu saber se a comissão julgadora está com pensamento que a escola ou não. Graças a Deus mais uma vez eles escolheram o que todo mundo já tinha. Eu não conto para eles qual foi… Pego a urna e levo embora, eles vão saber agora porque eu comprovo os votos. Mas fizemos a audição também interna, porque realmente estava difícil a escolha. Cada um com algo especial. Mas dessa vez optamos por não fazer junção e amanhã já é dia de trabalho. É o dia das correções, de algumas mudanças, adequações, coisas que fazemos todo ano”, contou.
Solange lamentou a falta de eliminatórias que a entidade vem tendo nos últimos anos, que de acordo com ela, faz falta. “Isso faz muita falta (eliminatórias de samba). Para a gente que é sambista e estamos acostumados a ouvir o samba com a bateria e com o pessoal cantando, faz uma diferença danada. Eu sei que tem escolas que já tem esse estilo, mas não é o nosso. Eu acho que escola de samba não pode perder a sua identidade. Esse apagamento é ruim e precisamos achar alguma fórmula para fazer isso acontecer, mas que não gere ônus pra eles também porque a gente entende que é um custo alto. Nós temos que pensar direitinho para saber como é que fica nas próximas”, disse.
A gestora elogiou a união da comunidade da Mocidade Alegre. Independente se ganhar ou perder, vão continuar com a escola. Uma situação legal aconteceu, onde o compositor Gui Cruz do samba 10 subiu no palco para cantar o vencedor junto aos campeões.
“O Gui é um menino que se destaca. Um moleque inteligente, um garoto que vem despontando, que sabe falar de samba, sabe falar da nossa cultura sambista. Eu sou muito fã do trabalho dele, das coisas que ele coloca na internet, a forma como ele entende de carnaval. O Lucas Donato, que era do Samba 7, foi lá me cumprimentar e falou: ‘vamos embora, presidente. Estamos juntos’. Acredito que a escola respeita muito as pessoas porque a gente gosta de ser respeitada”, afirmou.
Pensando em 2025, a presidente almeja o tricampeonato com todos os respeitos às coirmãs. “Vamos rumo ao tri. O nosso trabalho é esse. Quando a gente fala assim rumo ao tri, às vezes as pessoas podem achar imponência, podem achar que a gente quer ser mais que alguém. É a meta realmente de qualquer uma escola que tivesse na posição que estamos hoje. Então isso é muito normal, mas vamos que vamos faz parte do show e rumo ao tri”, completou.
‘Samba de pegada’ e alterações na letra
O diretor de carnaval Júnior Dentista falou sobre sentir falta das eliminatórias, tendo que se adaptar à escolha pelo CD. O profissional também contou o processo de definição, audições e que não tiveram dúvidas quanto ao hino vencedor.
“A Mocidade sentiu muita falta da eliminatória. A gente fazia antigamente dois meses e meio. Eram dez eliminatórias. Nós temos certa dificuldade de escolha no CD, audição, mas temos que nos adaptar. Sobre a final, no começo estava muito dividido. Cada um gostava de uma parte de um, parte de outro… Na hora que afunilou para a semifinal, já foi tendo uma diretriz. Na audição de quinta-feira a gente fez só com as lideranças e com a nossa sala musical. Ali colocamos a galera para cantar muito, a gente faz uma cozinha da bateria, um trabalho muito técnico. Daí percebemos que esse samba é um samba de pegada. E aí os jurados hoje também não tiveram dúvida”, disse.
Dentista comentou da última parte do samba e contou que a direção de carnaval irá se reunir para fazer mudanças pontuais. São correções, mas nenhuma mudança considerável. “Na verdade, é quando eles falam da apuração, porque o último setor da escola é a baiana entrando na quadra com todos os patuás abençoando a Mocidade Alegre. Ela abençoa principalmente quando entra na quadra e ela abençoa na apuração que a Solange está com os terços. A sequência dos 10 é essa e foi incrível. Mas amanhã a gente vai ter uma reunião com a diretoria, direção de carnaval e com a parceria que ganhou. Vamos ter alguns ajustes de letra, melodia para no meio da semana já fazer um ensaio para a gente ter apresentação no Camisa Verde e Branco sábado com tudo. Vai ter alguma alteraçãozinha de letra, mas pouca coisa”, contou.
Se adequando ao novo
Assim como a presidente e o diretor de carnaval, mestre Sombra também lamentou o formato do CD para escolher o samba-enredo. O músico se queixou, mas entendeu a questão financeira e quer se adaptar ao formato.
“Quanto mais você tem, mais o samba vai mostrando a sua real identidade para o que ele veio. A bateria vai se encaixando, os intérpretes que defende vão melhorando o desempenho. Porém, hoje tivemos que se adaptar à realidade financeira. Você faz uma semifinal e uma final, não é muito bom e você tem um trabalho dobrado. Na correria do dia a dia você tem que estar colocando o samba no som, mas é samba gravado e a emoção é diferente. É um samba que está gravado no estúdio. O ao vivo é ao vivo, você faz a realidade da vida, do samba, da bateria, da escola e das torcidas cantando. Mas a gente ficou bem atento para esse novo formato, estamos se adequando e vamos embora e graças a Deus e escolhemos um bom samba”, declarou.
‘Samba com muita força’
O intérprete Igor Sorriso aprovou a escolha e disse que o samba tem muita garra e força. Dois atributos que podem fazer da Mocidade tricampeã do carnaval. “Mais uma eliminatória quentíssima. A nossa escola é a Morada do Samba, onde recebemos todo mundo bem, o clima amistoso, independente dos adversários estarem ali no palco, é um clima muito respeitoso. Grandes sambas, mas disputa de samba, só ganha um, não tem jeito e ganhou um samba que vai representar muito bem nossa escola. Samba com muita força, com muita com muita alegria, com diferencial que a gente busca para conquistar esse tri campeonato”, afirmou.
Ainda entrando nas características da obra, o cantor exaltou o empenho da comunidade, que foi fundamental na escolha. Posso dizer que é um samba que tem muita força, que são características fortes da Mocidade Alegre. É do jeito que a escola gosta de desfilar e a comunidade abraçou. Nós estamos felizes, a comunidade está feliz e agora vamos trabalhar em cima do samba para fazer um grande carnaval. Nosso povo participa. É muito ativa e faz com que a gente tenha mais certeza nas escolhas a serem tomadas como foi a escolha do samba hoje”, finalizou.
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