No dia 1º de setembro, segunda-feira, o Museu do Samba, na Mangueira, foi palco da primeira edição do “Encontro Carnavalesco”, iniciativa do CARNAVALESCO para celebrar seus 18 anos de existência. O debate, conduzido pelo criador e editor-chefe do veículo, Alberto João, reuniu nomes importantes da imprensa que cobre o carnaval carioca: Lucas Dellatorres (Band), Rafael Galdo (O Globo), Marcos Vinícius (Rádio Tupi), Raphael Azevedo (O Dia), Chico Frota (Rádio Arquibancada) e Gui Alves e Rangel (Mais Carnaval). O clima foi de confraternização, mas também de reflexão. Ao longo da noite, os profissionais compartilharam experiências, apontaram dificuldades e projetaram caminhos para o futuro da cobertura do maior espetáculo da Terra. Entre os principais pontos debatidos esteve a dificuldade de acesso e a falta de estrutura para as equipes que trabalham na Sapucaí.
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Desafios da cobertura jornalística
Lucas Dellatorres, da Band, destacou a complexidade logística da cobertura: “Sentimos muita falta das idas às escolas. Temos equipes em jornais locais, de rede e outros projetos. Não dá para montar equipe nas finais, por exemplo, porque a logística é muito maior do que quem está em casa imagina. Para mandar alguém à final da Unidos da Ponte, aquela equipe não pode trabalhar naquele dia. Assim, acabamos não conseguindo entregar tudo como gostaríamos. Mas, se o pessoal mandar vídeo na horizontal, conseguimos registro no jornal. Nos deram um limão, faremos uma limonada. Não é o ideal, mas estamos pensando em melhorar para o ano que vem”.
Rafael Galdo relembrou, com saudosismo, a época em que o carnaval era mais valorizado entre os novos profissionais: “Era muito diferente antigamente. A briga era por quem cobriria o Carnaval, e eu precisei conquistar meu espaço, porque havia muita gente qualificada nos jornais. Hoje, as equipes são mais jovens, muitos não conhecem a festa, então há o desafio de incentivá-los a aprender e apreciar essas histórias. Sinto falta do acompanhamento diário, do barracão, das quadras, do contato com a festa. Antigamente eu ia muito mais; hoje o tempo está mais curto, a rotina mais cheia, e consigo vivenciar muito menos tudo isso que é essencial para entender e transmitir o carnaval”.
Marcos Vinícius, da Rádio Tupi, falou sobre a ausência do contato direto com a emoção dos desfiles: “Este ano senti um pouco a falta de estar na pista, de passar aquela emoção do componente. Estamos tendo que fazer um trabalho mais gravado, estudar nosso equipamento para concentrar melhor o som, mas sentimos que o ouvinte também percebe essa diferença. Não perdemos qualidade, mas sentimos falta do que tínhamos antes”.
O mediador Alberto João reforçou a importância do acesso: “A imprensa que não tem os direitos não consegue entrar na área de competição. Mesmo comprando ingressos, fica difícil acompanhar os módulos de julgamento ou ter proximidade com artistas. Precisamos de mais mobilidade para contar a história como ela é”.
Chico Frota, da Rádio Arquibancada, complementou: “Hoje nossos olhos são os mesmos da televisão. Temos que acompanhar a Band, a Globo, para ter informações. Antes, no setor 1, tínhamos contato maior com os artistas, e isso faz falta. É necessário pré-produzir tudo, preparar os repórteres, fazer com que enviem mensagens pelo WhatsApp durante o desfile, porque não dá mais para simplesmente chegar e registrar. Não há mais contrato com a emoção como antes”.
Rangel Andrade, do Mais Carnaval, destacou o papel da imprensa: “Sem imprensa não há divulgação, aquilo simplesmente não existe. Quando o Crivella assumiu, quem comprou a briga das escolas foi a imprensa. Se não fosse assim, nada teria sido feito. A imprensa precisa ser vista como parceira, para auxiliar e defender o Carnaval. Sem isso, vamos passar anos implorando por espaço”.
Evolução da cobertura: do texto ao vídeo
O debate abordou também a adaptação aos novos formatos. Rafael Galdo, de O Globo, explicou: “Se soubermos usar, a inteligência artificial ajuda a agilizar trabalhos, mas nosso trabalho não pode ser substituído. Hoje, o texto sozinho não basta: precisa de imagens, redes sociais, engajamento. Algumas matérias têm milhares de minutos de conteúdo e pouca leitura, mas outras, bem construídas, com vídeos e fotos, têm muito mais engajamento”.
Raphael Azevedo, de O Dia, enfatizou o poder da imagem: “Um vídeo da musa do Império Serrano mandando beijo tem mais impacto do que o impresso. Mas o texto continua essencial para análise, registro histórico e memória. A imagem complementa, mas não substitui”.
Gui Alves, do Mais Carnaval, lembrou o papel da imprensa especializada em tempos difíceis: “Nos anos mais complicados da cultura, quando muitos projetos falharam, fomos nós que mantivemos o Carnaval visível. É importante que nosso trabalho seja reconhecido e valorizado, porque mantemos o público informado e apaixonado”.
Evolução da cobertura
Outro ponto de destaque foi a necessidade de adaptação às novas linguagens e plataformas. Rafael Galdo refletiu sobre esse processo: “Não basta escrever a matéria. É preciso pensar em engajamento, em redes sociais, em como transformar a informação em conteúdo multiplataforma. Até a inteligência artificial entrou nesse processo para otimizar o trabalho. O público quer informação rápida, mas também profundidade, e esse é o equilíbrio que temos que buscar”.
Raphael Azevedo, de O Dia, acrescentou a importância do registro escrito: “Hoje, o corte de um vídeo, uma frase polêmica ou um momento específico ganham mais força do que uma reportagem inteira. Mas o texto continua sendo fundamental, porque ele é memória, registro, história. A gente precisa pensar no imediato, mas também no que vai ficar para o futuro do Carnaval”.
Para Gui Alves, do Mais Carnaval, é importante lembrar da resistência da imprensa especializada em momentos de crise: “Nos anos em que o Carnaval sofreu mais, fomos nós que seguramos a chama acesa. Quando não havia espaço na grande mídia, era a imprensa especializada que mantinha o público informado e apaixonado. Nossa missão é essa: estar ao lado do povo e das escolas, em qualquer situação”.
Papel da opinião
A opinião é um elemento central da cobertura especializada e exige equilíbrio e independência. Marcos Vinícius comentou: “Tem várias coisas, mas eu não vou escolher mal o meu prato de comida. Eu faço crítica construtiva, sem esculhambar, com respeito. Não é passar pano, mas também não é destruir”.
Lucas Dellatorres detalhou: “A gente tem que opinar, mas sem perder a magia do espetáculo. Cada um tem sua perspectiva do que está vendo, e na rádio é pior ainda, porque quem está ouvindo só tem a sua régua. Você passa sua perspectiva e tenta dar ao público uma conclusão do que está acontecendo”.
Chico Frota destacou: “Eu já tirei âncora na Intendente Magalhães porque estava quase chorando, dizendo que aquilo ali é pobre demais, uma desgraça. Se você está transmitindo e fala isso, quem está do outro lado vai desligar. Tem que fazer crítica construtiva, sem destruir. Não é falar que tudo é maravilhoso, mas também não é passar pano”.
Rangel Andrade reforçou a independência: “Quando a gente faz opinião, é baseada em fatos. Se o carro quebrou, a culpa não é nossa, é de quem fez o carro. Mas muitas diretorias ainda não entendem que a imprensa precisa ser independente. Não estamos contra ninguém, apenas relatando a realidade. A imprensa não pode ser ameaçada e receber ligações pedindo para deletar conteúdos, como já acontece”.
Gui Alves acrescentou: “É uma questão de contexto. Uma análise só tem valor se tiver embasamento. Criticar sem contexto é vazio. O público percebe quando a crítica tem seriedade e fundamento”.
Rafael Galdo resumiu: “É independência com equilíbrio. Podemos mostrar erros e problemas, mas sem perder a magia do Carnaval. Às vezes, mesmo com falhas, a vibração do público e a paixão da festa fazem toda a diferença”.
Raphael Azevedo comentou sobre pressões externas e a necessidade de transparência com o público: “Interação e independência. Hoje falta muito um olhar de quem está do outro lado para entender que a imprensa precisa ser independente. Não vamos ficar toda hora falando, mas é preciso que diretorias de escolas entendam quando algo é ruim. O trabalho é público e, quando se faz mal, todo mundo vê. Às vezes o desfile é bom, às vezes não, e nossa opinião precisa ser respeitada. No Carnaval, ainda há falta de transparência: você não sabe quanto ganha a segunda porta-bandeira, se tem que implorar para pagar um táxi ou ir para uma gravação. Em outros setores, como musicais, todos os valores são públicos. Precisamos de abertura para fazer jornalismo com equilíbrio e responsabilidade”.
Sonhos para o futuro
Na parte final, cada jornalista compartilhou seus desejos para o futuro da cobertura. Marcos Vinícius resumiu em uma frase que carrega o peso da tradição da Rádio Tupi: “Meu sonho é simples: quero voltar à pista com estrutura adequada, com condições para narrar o desfile como sempre fizemos. O público precisa sentir a emoção que acontece ali, e para isso é fundamental que o rádio esteja de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído, a avenida”.
Rafael Galdo projetou um cenário mais digno para os profissionais: “Desejo que tenhamos mais espaço, mais infraestrutura, mais bem-estar para as equipes de imprensa. O Carnaval é uma festa grandiosa, patrimônio cultural, e a cobertura precisa ter estrutura à altura. Não dá para continuar em condições improvisadas. O jornalista precisa ter dignidade para exercer o seu trabalho”.
Lucas Dellatorres defendeu mudanças práticas no modelo de trabalho: “Precisamos de uma logística melhor, mais organizada, que permita à imprensa trabalhar de forma digna e eficiente. É possível conciliar segurança e ordem sem sufocar a liberdade de circulação do jornalista. São Paulo já mostrou que isso funciona, e a gente pode se inspirar em exemplos positivos para que o Rio volte a ser referência também na cobertura”.
Raphael Azevedo reforçou a importância da união entre os veículos: “O futuro só vai ser melhor se estivermos juntos. Se cada um ficar isolado, perde espaço e respeito. Unidos, a gente tem força para reivindicar condições melhores, mais acesso, mais estrutura. Nosso sonho coletivo precisa ser a união da imprensa para garantir que a história do Carnaval continue sendo contada com seriedade e paixão”.
Rangel Andrade projetou um futuro de maior proximidade com o público: “Meu desejo é ter mais contato com o povo, mais liberdade para narrar o Carnaval como ele é, sem amarras, sem protocolos que engessam o trabalho. O Carnaval é emoção, é verdade, e o público quer sentir isso na nossa cobertura. A imprensa precisa estar do lado do povo, porque é ali que está a essência da festa”.
Gui Alves sonhou com previsibilidade e organização: “Mais do que estrutura física, precisamos de planejamento. Hoje tudo é muito improvisado, decidido em cima da hora, e isso prejudica a cobertura. Se tivermos previsibilidade, condições claras e organização, conseguiremos fazer o nosso trabalho da melhor forma possível. Isso é o que vai garantir qualidade e respeito ao nosso trabalho”.
E Chico Frota concluiu com a visão dos projetos independentes, que lutam diariamente pela sobrevivência: “Quero ver a imprensa independente com apoio financeiro e espaço digno para trabalhar. É ruim tirar do próprio bolso. A Rádio Arquibancada já mostrou o seu valor, já provou que consegue entregar conteúdo de qualidade e que tem público fiel. O que falta é estrutura para que possamos continuar crescendo. O público reconhece o nosso trabalho, mas precisamos que o mercado e as instituições também reconheçam”.
Espaço de diálogo inédito
No encerramento, Alberto João celebrou o encontro: “Este evento nasceu da necessidade de criar um espaço onde todos possam trocar experiências e refletir sobre o Carnaval e sua cobertura. Queremos que seja o início de uma tradição que fortaleça a imprensa especializada e a própria festa”.