O ano era 1979 e a Mocidade Independente de Padre Miguel conquistava o campeonato com o enredo “Descobrimento do Brasil”. Ali, surgia o amor de Nilda da Silva com a verde e branco da Zona Oeste do Rio. Carinhosamente chamada por todos de Tia Nilda, nascida e criada nos arredores da escola do coração, ela nunca teve contato direto com a agremiação no seu tempo de criança e adolescência, tendo a única memória afetiva com carnaval quando seu pai a levava com seus irmãos para assistirem aos desfiles na Presidente Vargas.
Depois de casada, uma de suas filhas, Rosimere, pediu para que a levasse para ver o samba e foi no ensaio da Mocidade, no Bangu Atlético Clube, o destino para tal admiração e o ponta pé que daria início na vida carnavalesca da famosa baluarte do carnaval.
Aos 78 anos, ela continua a presidir a ala das matriarcas do samba e conta com uma equipe de dez pessoas para gerir o trabalho. No último carnaval (2020) – Tia Nilda passou a desfilar no carro alegórico devido sua idade e recomendações médicas, contando com a ajuda de sua filha à frente das 70 baianas da Mocidade Independente de Padre Miguel.
O site CARNAVALESCO abre a série “Personalidades do Carnaval” com essa sambista ícone do carnaval e traz ótimas recordações do passado e revela casos da atualidade, onde a presidente da ala das baianas da Mocidade conta casos nunca ditos ao público, como chegar com um pernil em casa após uma saída de apresentação da escola e se mostra pronta para ser exemplo na vacinação para o mundo do samba.
Como começou sua história com a escola?
Tia Nilda: “Levei minha filha em 1979 para ver como era uma escola de samba, ela havia me pedido. Chegando na sede do Bangu ela ficou encantada e com aquele jeito de criança pediu para um dirigente da escola para eu desfilar, aceitei. No dia seguinte estava eu no barracão da escola lá no bairro do Caju para tirar as medidas e saí como baiana, depois disso nunca mais parei”.
Como foi desfilar pela primeira vez?
Tia Nilda: “Era tudo novo para mim. No dia de pegar a fantasia, fiquei apavorada com tanta baiana na quadra. Eram mais de cem. Cheguei bem cedo na escola e saí de lá já na parte da tarde, deu tempo só de ir em casa, se arrumar e pegar o trem para ir para o centro do Rio desfilar, foi a maior felicidade da minha vida entrar na avenida e poder ver como era bonito tudo aquilo”.
Seu marido não na época não queria deixar você desfilar no ano seguinte, como o convenceu?
Tia Nilda: “Naquele tempo os desfiles eram grandes e a Mocidade desfilou já no fim, cheguei em casa no dia seguinte que saí para desfilar às duas horas da tarde e aí ele disse que seria a primeira e última vez que eu desfilava. Eu vendia comida em uma obra na frente do presídio de Bangu e uma vez indo entregar as marmitas encontrei com a falecida Soninha (porta-bandeira da escola na época) e ela me chamou para ir num show da escola em São Paulo. Disse que meu marido não queria que eu fosse mais para a escola. Ela foi pedir a ele, alegando que eu dormiria no mesmo quarto que ela e teria cachê. Ele deixou. Depois disso, foi tendo mais shows ao longo do ano e eu ia em todos. Quando vi, já estava próximo ao carnaval do na seguinte e desfilei novamente”.
Como você se tornou responsável pelas baianas e há quanto tempo está no cargo?
Tia Nilda: “Na escola existia a tia Chica; mãe de santo, primeira baiana da Mocidade e coordenadora da ala. Após meus primeiros desfiles ficamos bem próximas uma da outra. Todo domingo ela vinha na minha casa com uma broa de milho para tomar café, conversávamos muito, ela me pedia ajuda nas decisões para coordenar as baianas e dizia que quando ela parasse eu iria assumir o lugar dela. Eu falava que não, e que tinham pessoas melhores para isso. Quando ela parou me indicou e não tive como dizer não para o pedido dela. Nisso, já estou há 24 anos neste cargo”.
Ao longo desses anos, teve alguma dificuldade que a senhora já passou na escola?
Tia Nilda: “Nunca passamos por nenhuma dificuldade, a escola nos dá um amparo muito bom. A única vez que tivemos um problema foi quando o Cid Carvalho passou pela Mocidade e fez um excelente trabalho, mas na hora do desfile a nossa fantasia veio cheia de problemas e passamos a avenida toda com as pedras caindo, a fantasia desmontando, passando uma vergonha. Felizmente, a culpa não foi do carnavalesco, sim do ateliê que confeccionou nossas roupas. Tirando essa situação, nunca tivemos momentos ruins na escola”.
A senhora já viajou muito pela Mocidade, como foram essas experiências?
Tia Nilda: “Cada lugar que íamos me dava uma experiência diferente. Rodamos o Brasil e o mundo. Fora do país, fizemos show praticamente em toda Europa, no Japão, nos Estados Unidos, mas o que marcou mais foram as cidades pequenas que fomos aqui no Brasil. Eu achava a coisa mais linda aquelas pracinhas, igrejas, ruas bonitas, parecia coisa de novela e isso me fascinava. A primeira vez que fui para fora do país foi na França e lembro de pedir para o sr. Castor de Andrade para guardar todo o meu cachê porque iria reformar minha casa e quando chegamos no Brasil ele me deu todo o pagamento em dólar, fiquei surpresa… nunca tinha visto na minha frente aquela moeda e consegui fazer a obra em casa”.
Qual a influência do samba na sua vida?
Tia Nilda: “Tudo o que eu sou hoje devo ao samba. A minha vida foi toda dentro da Mocidade e através dela me abriu muitas portas para ótimas amizades, reconhecimentos, trabalhos e oportunidades diferentes. Tem uma única influência do carnaval na minha vida que nunca disse para nenhuma entrevista. A minha mãe era uma pessoa muito doce, pacata, foi criada em colégio interno e nunca tinha visto carnaval, uma vez minha irmã a levou para assistir ao desfile do setor 01 e quando eu entrei com as baianas ela gritava que eu estava linda e chorava. Depois que ela faleceu, todos anos quando vamos entrar na avenida e viramos aquela curva do joelho para entrar, eu olho para aquela arquibancada e vejo ela como daquela vez e choro muito ao lembrar”.
Existe algum fato engraçado que a senhora viveu na escola?
Tia Nilda: “Todas as vezes que fazíamos show em algum lugar sempre tinha muita comida e falavam para levarmos tudo o que sobrasse. A gente trazia para não estragar. Fomos tocar na casa da família Orleans e Bragança, era tudo muito chique e quando acabou o tataraneto de Dom Pedro II nos levou para um banquete enorme e quando começamos a comer tinha um pernil gigante na mesa que ninguém tocou, fiquei só admirando aquela coisa linda. Quando acabamos ele disse que era para levarmos tudo e fui lá, peguei o pernil e fui embora com ele. Quando cheguei em casa minhas filhas ficaram sem entender nada ao me verem com aquele pernil bonito nos braços”.
No passado eram as baianas que preparavam a feijoada da escola, certo?
Tia Nilda: “Antigamente nós que fazíamos a feijoada. Eu ia com algumas baianas dois dias antes do evento na quadra antiga para cortar e dessalgar as carnes. Eram 25 Kg de arroz, 50 Kg de feijão, 80 Kg de salgado e 600 molhes de couve cortadas à mão. Acontecia todo primeiro domingo do mês e enquanto o evento estava acontecendo a gente estava no fundo da quadra terminando os preparos e depois a gente ainda ia rodar na apresentação de avental. Cozinhávamos na lenha. Isso fez com que ganhássemos o título de melhor feijoada do Rio pelo Rei da Feijoada no Copacabana Palace”.
Qual é a diferença dos carnavais do passado para hoje?
Tia Nilda: “Estrutura. Hoje temos mais coisas que no passado, como ônibus na porta para levar os desfiles e voltar, uma quadra nova com mais comodidade e isso faz com que desempenhamos nosso papel com bastante alegria no dia da avenida”.
Depois de tanto bater na porta, no ano de 2017, a Mocidade conquistou o sonhado título. Como a senhora recebeu a notícia e qual foi o sentimento?
Tia Nilda: “Eu vou sempre para a quadra com as baianas no dia da apuração. Chegamos todas cedo, ficamos juntas, quando dá a hora do almoço a gente faz uma vaquinha para comprar frango assado. Naquele ano todo mundo estava ansioso pelo desfile que fizemos e quando saiu o resultado definitivo, eu quase caí para trás de tanta emoção… era um título muito aguardado por toda a comunidade, foi muita emoção”.
Existe algum movimento para se integrar baianas novas na escola e não deixar a cultura acabar?
Tia Nilda: “Olha, graças a Deus tem uma fila bem grande de pessoas querendo entrar na ala. Eu deixo que as minhas baianas me digam quando não dá mais para elas rodarem e aí conforme vão surgindo essas vagas, eu vou pondo as que estão na espera”.
Neste período de pandemia, como está sendo ficar em casa sem ter as atividades da escola? E a vacina contra o Coronavírus, irá tomar?
TIA NILDA: “Eu vou tomar, já disse para todos aqui em casa! Não vejo a hora de podermos voltar com tudo e só depois que sair a vacina poderemos retornar como era antes. Nesse negócio de pandemia, sem poder ir na escola para as reuniões, samba, ensaio de quadra e rua, acabei ficando doente e minha pressão oscilava. Fiquei com ansiedade e passava mal dentro de casa. Tudo isso sentindo falta da minha rotina na escola que não parava durante o ano. Não vejo a hora disso tudo passar”.
O que espera para o futuro do carnaval e da escola após a pandemia?
Tia Nilda: “O futuro a Deus pertence. Eu espero sempre o melhor para a nossa nação e para o carnaval desejo mais união das diretorias para que sejamos uma festa mais que organizada, sim, admirada. Também, quero que os nossos governantes parem com essa politicagem e vejam quantas vidas já perdemos”.
Para finalizar, Tia Nilda no carnaval é…
Tia Nilda: “Eu sou uma baiana como outra qualquer. Coloco meu sangue e alegria pela minha escola Mocidade Independente de Padre Miguel, que é uma estrela abstrata que só quer ser amada e idolatrada por todos nós”.