Por Gustavo Lima e Will Ferreira

O Grajaú, mais uma vez, prestigiou em peso a final de samba-enredo da Estrela do Terceiro Milênio, escola do bairro mais populoso de São Paulo. No último, a agremiação escolheu a canção que embalará o desfile do enredo “Muito Além do Arco-Íris – Tire o Preconceito do Caminho Que Nós Vamos Passar Com o Amor”, idealizado pelo carnavalesco Murilo Lobo. A obra vencedora foi composta por Rodrigo Minuetto, Rodolfo Minuetto, Gui Cruz, Portuga, Imperial, Reinaldo Marques, Willian Tadeu e Vitor Gabriel. * OUÇA AQUI O SAMBA

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Fotos: Gustavo Lima e Will Ferreira/CARNAVALESCO

Antes do evento começar de fato, já era possível notar que o domingo seria especial. Em uma área já dentro da quadra, mas fora do espaço principal, alguns ritmistas ensaiavam; já no calçadão em frente, diversos componentes da agremiação fizeram uma roda de samba – que, pouco depois, foi para dentro do terreiro da agremiação.

Já com ótima presença de público, o evento teve algumas novidades para torcedores e comunidade. A primeira delas foi a apresentação do novo casal mirim da agremiação, Guilherme Atuy e Júlia Carvalho. Depois, os campeões da Copa Buh (maior competição de futebol de base com opção de não-federados atuarem do Brasil) Sub-17 pelo Esporte Clube Terceiro Milênio, clube ligado à escola de samba, foram saudados, aos gritos de “É Campeão”. No momento em que eles estavam em campo, Silvão Leite destacou que o plano para a faceta esportiva da agremiação é pleitear a filiação à Federação Paulista de Futebol para que eles possam atuar em categorias de base federadas.

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Novo casal mirim da agremiação, Guilherme Atuy e Júlia Carvalho

Também houve espaço para o anúncio de uma contratação para o carro de som da escola: Luis Fernando Gomes, o Luisão, chega para compor a ala musical da instituição. Por fim, o grupo As Cheers, de cheerleaders masculinos, fez uma apresentação.

Na boca do povo

Durante todo o processo para a escolha do samba-enredo, foram feitos alguns eventos para que a comunidade pudesse entrar em contato com as obras – chamados de laboratórios. Tais ocasiões foram muito lembradas pelos compositores vencedores, como contou Vitor Gabriel: “É a minha primeira vez na escola. Os gêmeos já concorrem aqui há uns três anos, mas a nossa parceria completa é o primeiro ano e isso foi muito especial. Aproveito para agradecer a diretoria, que prestou um suporte e uma imparcialidade durante todo o concurso, muito bacana. Para mim foi muito prazeroso fazer samba na Milênio esse ano. A comunidade abraçou, a gente trouxe só nossos familiares, que já são vários. Só de familiares deveria ter umas 15 pessoas, mas o legal é que a comunidade abraçou. Isso é o mais gratificante”, comentou.

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Compositor Vitor Gabriel

Gui Cruz seguiu a mesma linha:”É muito importante isso, porque acho que com o tempo a gente aprendeu e a Terceiro Milênio, principalmente, a disputa, é um concurso muito saudável. Em todo momento a diretoria foi transparente com as parcerias. Eles chamaram a gente pra participar dos laboratórios que a escola fez. O Darlan cantou todos os sambas, a comunidade cantou todos os sambas. Eu não sei, é muito difícil a gente ver em eliminatória de escola de samba, a comunidade ficar presente nos três sambas. A comunidade ficou presente nas três parcerias e defendeu os três sambas de forma igualitária. Então, é muito importante exaltar isso. Porque a Terceiro Milênio deu uma aula, principalmente nesses novos momentos que se procuram versões, de formas, da melhor forma de escuta e tudo mais. Foi muito importante para gente, muito legal. É a primeira vez que a gente fez samba na Terceiro Milênio e eu gostaria de agradecer à Grazzi e ao Schumacher, que nos receberam de braços abertos”, destacou.

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Vitor também relembrou que a instituição foi recepcionada na Parada SP, o maior evento dedicado à comunidade LGBTQIA+ do planeta: “Não foi difícil fazer o samba, porque é uma coisa que a gente vivencia no nosso dia a dia. O Gui Cruz estava falando agora há pouco que o primeiro ano que a gente foi na Parada. A gente foi sentir ali, todo esse sentido mesmo. Em dois encontros a gente matou o samba. Primeiro, por uma boa construção de enredo do Murilo, e segundo pela inspiração. Foi um enredo que nos inspirou demais, foi muito rápido, foi fácil e foi gostoso de fazer samba”, relembrou.

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Laboratórios

Os laboratórios do concurso de sambas-enredo, por sinal, foram citados por outros segmentos da agremiação. Um deles foi Darlan Alves, um dos intérpretes da agremiação – juntamente com Grazzi Brasil: “Esse samba tem um conjunto que se complementa muito bem. Tem uma melodia muito forte; a letra é, de fato, um manifesto – como diz o refrão, ele mete o pé na porta. O samba tem muita força, os refrões são muito fortes. O enredo também traz essa história de luta, da comunidade LGBTQIA+. Eram três grandes sambas, os da Grazzi Brasil e do Schumacker também eram maravilhosos. Para eles, na sala da presidência, não deve ter sido fácil. A comunidade ficou muito feliz e isso é importante. Fizemos um trabalho na comunidade, ao longo dos finais de semana, cantando os sambas com os torcedores, para sentir. A escola sabia cantar todos os sambas, não tinham torcidas de fora. Foi algo só da comunidade. Fiquei muito feliz e acho que a escola também ficou muito feliz com isso”, destacou.

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Wilson Olímpio da Costa, o Japa, diretor de Harmonia da Coruja, além de citar os laboratórios, se permitiu pensar alto em relação ao desfile: “O que mais chamou minha atenção foi a alegria com que a comunidade cantou, esse samba se destacou no nosso processo interno juntamente com os outros dois sambas – todos foram muito bem. Acredito que, com esse samba, vamos fazer nossa comunidade cantar muito. Quem sabe não vamos brigar por uma posição boa nesse carnaval. Tenho certeza que a comunidade vai vir em peso e abraçar esse samba”, comemorou.

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Waleska Santos, porta-bandeira da instituição, aproveitou para exaltar quem teve a oportunidade de escolher a canção que será executada no Anhembi: “Aqui no Grajaú é difícil… esse pessoal canta demais! Eles abraçam muito cada samba. Eu brinco que, se o samba for o Parabéns da Xuxa, eles vão cantar. Em todos os nossos laboratórios eles cantavam muito. Foi um pedido da nossa direção. Nós temos três sambas campeões, então queremos que todos vibrem igual para os três sambas, até para que os compositores sentirem que há disputa. Fizemos questão de decorar os três sambas, de vibrar e cantar pelos três, para que todos sentissem que foi uma disputa igual. A parte difícil a gente deixa para o topo da pirâmide porque eles são mil vezes mais conceituados para fazer essas escolhas”, elogiou.

Boas obras

Outro ponto que chamou atenção e foi citado por Waleska passa pela qualidade dos sambas-enredo finalistas. Para alguns importantes nomes da instituição, as três obras tinham bons predicados. Carlos Pires, o Carlão, diretor de carnaval da Estrela do Terceiro Milênio, foi um deles: “Os três sambas eram muito bons e a gente veio trabalhando cada um deles. Tivemos uma percepção de que o samba escolhido vai ser o melhor a se encaixar em ser a sexta escola a desfilar em um sábado complicado, bastante competitivo. Os três sambas tinham condições, fomos para o debate na sala e, até pela resposta que o povo deu… percebemos que era o melhor caminho. Estamos felizes porque eram três grandes sambas”, comentou.

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Mestre Vitor Velloso, comandante da Pegada da Coruja, bateria da agremiação, foi na mesma linha: “A parte do ‘manifesto pé na porta’ foi o que mais me chamou atenção na obra campeã… outras partes de outros sambas também tinham muita qualidade, é importante dizer. Ele combina muito com o jeito que a Milênio quer vir ano que vem, com o pé na porta” disse, citando a canção que irá para o Anhembi em 2025.

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Já Murilo Lobo não escondeu um sentimento especial pela obra escolhida: “Foram três obras incríveis e foi muito legal, mas esse samba me pega de um jeito muito especial e acho que vai retratar muito linda e vai embalar o nosso desfile cheio de energia, força e impacto. É disso que a gente precisa”, comentou.

Um rápido spoiler

Em entrevista à reportagem, o carnavalesco aproveitou para contar brevemente como será a setorização e os assuntos abordados mais especificamente ao longo do desfile: “Se nós somos o país que mais mata LGBT, precisamos falar sério desse assunto. A gente vai ter uma entrada bem bacana, depois entramos na celebração e fechamos com um grande carnaval”, comentou.

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O profissional repercutiu um dado que teve forte repercussão internacional: o Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2023, destacou que, a cada 34 horas, um integrante da comunidade LGBTQIA+ morre no Brasil – e, no ano, foram 256 vítimas de morte violenta.

Canto e dança

Intérprete da agremiação, Darlan destacou que, antes de mais nada, a obra deve passar pelo crivo do carnavalesco: “Agora, o Murilo vai adequar o samba: vai ser se está faltando algo ou se algo precisa ser adicionado. Não costuma existir um samba perfeito na eliminatória, por vezes ele quer colocar algo que surgiu no projeto. A melodia se preserva, nós vamos conversar com o Schumacker e com a ala musical para fazer os arranjos para trabalhar. Agora é ensaiar”, vociferou.

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Mantendo o mistério em relação à bateria, mestre Vitor Velloso já está com a cabeça pensando em muitas convenções: “Já tenho algumas coisas na cabeça, sim. Como não tínhamos o resultado ainda, vínhamos trabalhando com algumas possibilidades pensando nos três sambas. Começamos a pensar e criar algumas bossas, convenções e etc. Agora é começar os ensaios com o samba oficial, já que estávamos ensaiando sem a definição da canção. Agora é focar rumo ao carnaval 2025”, destacou.

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Quem também já está ensaiando é o casal de mestre-sala e porta-bandeira: “Nós já estamos pensando em muita coisa, com certeza! Como o nosso presidente diz, não tem segredo, tem trabalho. Já iniciamos nossos trabalhos há cerca de um mês, estamos fazendo todo o processo de limpeza, organização de agenda, movimentos… e, agora, é só encaixar no samba. Estamos muito felizes porque chegamos nesse estágio, estávamos muito ansiosos para isso. Agora, é criar nossa coreografia com leveza para ficar tudo certo”, finalizou Arthur Santos, revelação do carnaval 2024 no Destaques do Ano, votação popular do CARNAVALESCO.

Hora dos sambas

O primeiro samba-enredo a se apresentar foi o da parceria encabeçada por Rodrigo Minuetto, Rodolfo Minuetto, Gui Cruz, Portuga, Imperial, Reinaldo Marques, Willian Tadeu e Vitor Gabriel. Com diversos itens vermelhos, os intérpretes Pixulé e Darlan Alves tiveram ótima recepção do público.

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Juntamente com Jorginho Soares, Grazzi Brasil interpretou o samba composto por ela e Aquiles da Vila, Fabiano Sorriso, Marcos Vinicius, Salgado Luz, Fabian, Flecha, Daniel e Biel com uma torcida cheia de guardas-chuva coloridos tal qual o arco-íris – que combinam com o enredo da escola para 2025.

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Por fim, chegou a vez da parceria composta por Schumacker, Thiago Meiners, Claudio Mattos e Pitty de Menezes. O intérprete carioca esteve presente na quadra e agitou o público, relembrando que o primeiro título da carreira dele foi em 2022, ao empunhar o microfone com o enredo “Ô abre alas que elas vão passar”, levantando a taça do Grupo de Acesso I daquele ano. Cantando no meio da quadra, ele teve a companhia de Darlan Alves nos microfones.

Pitty, por sinal, recebeu uma homenagem da comissão de frente da instituição, que preparou uma encenação especial ao som de “O Aperreio do Cabra que o Excomungado Tratou com Má-querença e o Santíssimo não Deu Guarida”, samba campeão do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2023 que tinha o intérprete no comando do carro de som.

Próximos passos

Com o samba definido, a agremiação do extremo sul de São Paulo já se prepara para o carnaval 2025. E agosto é o mês em que tudo fica ainda mais sério no Grajaú, de acordo com Carlão: “A gente começa os ensaios na primeira semana de agosto. Nos próximos dias, fazemos o trabalho de maturação de todo o samba-enredo, com estúdio e tudo mais. Pretendemos começar os ensaios na primeira semana de agosto, se tudo correr bem será assim”, destacou.

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A informação foi confirmada por Japa: “A gente começa os ensaios gerais a partir da primeira semana de agosto e, a partir disso, começamos a fazer trabalhos individuais com as alas. Aqui, a gente costuma explicar para cada componente o que eles estão cantando, a importância deles dentro do nosso desfile. Fazemos até ensaios mais individualizados, explicando para eles tudo direitinho, todo o nosso processo de desfile. É por isso que eles vão com essa garra, cantando o samba. Tenho certeza que vai dar certo”, disse, trazendo mais informações sobre como é feito o trabalho de canto na instituição.