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Estética deslumbrante e perfeição nos demais quesitos são trunfos para Imperatriz brigar pelo título

Foi um desbunde. A Imperatriz pisou na Sapucaí com a qualidade alta dos quesitos de chão quente nos acostumamos a ver nos últimos anos. Mas, neste domingo, havia aquilo que faltava para nao gerar nenhuma dúvida, se a escola faria um grande desfile, a plástica impecável de Leandro Vieira. Se no ano passado, o carnavalesco recebeu algumas críticas pelo trabalho, dessa vez ele acertou a mão e mostrou algumas novas facetas como a utilização da iluminação cênica e predileção para a utilização de mais movimento nos carros. A estreia de Patrick Carvalho confirmou o acerto na escolha do profissional pela escola e o entendimento que o coreógrafo tem para fazer produções para a temática afro. O samba na voz de Pitty de Menezes teve alto rendimento, e o casal de mestre-sala e porta-bandeira Phelipe Lemos e Rafaela Theodoro foram perfeitos, confirmando o melhor momento da carreira dos dois. Já o canto da comunidade foi intenso e potente, e a evolução muito correra e sem sustos. Um desfile que mais uma vez coloca a Imperatriz na briga pelo título. Com o enredo “Ómi Tútú ao Olúfon – Água Fresca para o Senhor de Ifón”, a Imperatriz encerrou o seu desfile com 78 minutos.

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Foto: Allan Duffes/CARNAVALESCO

Comissão de Frente

Patrick Carvalho fez a sua estreia na Rainha de Ramos repetindo uma dobradinha que já deu certo no passado, e que inclusive aconteceu nesse ano na Série Ouro, a partir da Maricá, ao trabalhar com Leandro Vieira. A comissão se utilizou de dois elencos e inicialmente mostrou o velho rei, senhor de Ifón, Oxalá, protagonista da comissão a partir de 15 componentes, que caminhavam apoiado no cajado ritualístico do orixá, apresentando sua dança característica, ainda fora do elemento cenográfico. Este elemento da comissão era enorme fazendo referência a uma localidade da África, com uma, também enorme, cabeça de elefante na frente, que se mexia. Casas de Ancestrais adornavam a estrutura e também alguns ossos. A segunda parte da coreografia se deu na parte de cima onde havia uma espécie de espelho d’água em que se passava a narrativa, sintetizando o enredo. O segundo elenco, com Oxalá já mais enfraquecido dança até receber a cura no clímax da apresentação que terminava com o orixá levitando debaixo de fumaça e sendo aclamado pelo publico. A comissão também fez bom uso da iluminação cênica para dar destaque aos seus atos. No geral, sintetizou bem o enredo e mostrou boa sincronia. O elemento cenográfico também foi destaque pela beleza e pelos efeitos.

* LEIA AQUI: Imperatriz Leopoldinense resgata enredo afro e retrata a resistência de Oxalá no Carnaval 2025

Mestre-sala e Porta-bandeira

Indo para o terceiro ano juntos, desde que retomaram a parceria, Phelipe Lemos e Rafaela Theodoro se apresentaram com a fantasia “Axé Funfum”, predominantemente na cor branca associada a Oxalá. Localizados no setor batizado de “O cortejo funfum”, eles se inseriram conceitualmente em uma abertura que fazia tributo a Oxalá, “o senhor da cor branca”. Cobertos por signos associados à deidade funfum celebrada pelos nagôs como o “pai da criação”, o figurino que vestiu o casal se valeu de adornos estéticos de contornos africanizados. Muito bonita a fantasia.

Na coreografia, a dupla mais uma vez confirmou seu melhor momento, com um bailado mesclando a característica que lhes chama mais atenção que é o bailado clássico com danças para os orixás. O início vem com a dança mais tradicional, com perfeição, com a dupla sempre se buscando, ele riscando o chao com perfeição e intensidade, ela maravilhosa nos giros e rodopios, sublime e sempre com um lindo sorriso no rosto e com a bandeira aberta o tempo todo. Mas, o que trouxe para a apresentação maior emoção e fez a dupla ser aclamada, aconteceu em dois pontos do samba, na verdade. Primeiro, mais com Phelipe no “Justiça maior é de meu pai Xangô “, em que o mestre-sala faz movimentos para o Orixá, com o mestre-sala muito leve na coreografia e com perfeição. Já no refrão de baixo no “Oní sáà wúre”, com a dupla fazendo a dança com o corpo inclinado, saudando o protagonista do enredo. Excelentes apresentações nos módulos.

Harmonia

O carro de som comandado mais uma vez pelo intérprete Pitty de Menezes foi um ponto alto do desfile. Pitty vive um momento sublime e tem muita qualidade. Junto com ele se destacaram tanto o time de cordas quanto as vozes de apoio. O cantor cantou com correção, fez seus já costumeiros cacos chamando o componente ao canto e arriscou até um caco imitando a gargalhada de Exú no refrão do meio que fala sobre esta parte da narrativa, de forma equilibrada e sem atraplhar o canto sustentado pela equipe. E a comunidade abraçou o samba com um canto potente, correto, e pelo tempo todo de desfile, sem deixar cair. Fez o que sempre foi visto nos ensaios e eventos da escola em geral. É uma comunidade que gosta de ensaiar e que canta hoje com o sorriso no rosto, já não parece ser mais uma obrigação, é natural.Um momento para se destacar foi o samba começando com a corda do caranguejo, com todo mundo abraçado no ” “vai começar “, algo que ficou tradicional nos ensaios na Sapucaí e em Ramos, e que foi levado para o desfile oficial, ainda que não conte ponto, ajudou a começar quente.

Enredo

A comunidade de Ramos há muito tempo pedia por um enredo que abordasse um orixá, a última vez foi em 1979 com “Oxumaré, a lenda do arco-íris”. Por isso, esse enredo despertou muita expectativa, não só do sambista amante de carnaval, mas especificamente do gresiliense. Basicamente, a proposta de Leandro Vieira era contar a jornada de Oxalá ao reino de Oyó, para visitar Xangô, ressaltando valores como humildade e respeito, e festejando uma grande cerimônia religiosa no Candomblé que é “As águas de Oxalá”.

Para isto, a Imperatriz trouxe no primeiro setor ” O Cortejo Funfum” um ambiente de contorno estético africanizado. Na abertura, a cor branca e os artigos decorativos em prata e marfim evidenciaram a celebração da figura de Oxalá, o senhor de Ifón. Logo em seguida em “Na consulta ao Ifá, presságio “a escola se debruçou nos “antecedentes” da viagem contada no enredo da Rainha de Ramos. No terceiro setor ” O fardo de dever”, a Imperatriz focou na figura de Exú, que ao não receber o agrado de Oxalá, passa a ser “travessura da travessia”. No quarto setor “Depois da tristeza, Justiça maior”, o carnavalesco abordou o tempo em que Oxalá esteve encarcerado e a maneira como Xangô realizou a “justiça maior” que põe fim ao drama narrado pelo itã. No último setor “preceito Nagô a purificar”, a Imperatriz encerrou seu desfile com as águas de tempos imemoriais que encerram o setor anterior e seguem sendo derramadas sobre o orixá. O enredo passou de forma muito didática pela Sapucaí, com a narrativa bem clara desde o início com Oxalá se preparando para começar sua jornada, passando pela parte dos conflitos com Exú até o momento da redenção. As fantasias, por mais que tivesse uma temática mais afro, que para quem não é tão iniciado nesta cultura poderia gerar dúvidas, em seu desenvolvimento estético e até na palheta de cores ajudaram na visualização da narrativa. História bem contada.

Evolução

A escola passou de forma muito correta, com aquilo que te se destacado nesta transformação da Imperatriz nos últimos anos, muito mais quente, muito mais alegre, sentindo e aproveitando suas passagens na Sapucaí. Ainda que no ensaio técnico tenha sido ainda melhor, é fácil de explicar que o público era totalmente diferente de hoje. A escola passou bem, correta, sem deixar grandes espaçamentos, em um ritmo cadenciado, alegre e realizando com excelência todos os momentos mais críticos de um desfile, seja nas apresentações da comissão de frente e do casal, além de entrada e saídas da bateria do recuo. Em relação a alas coreografadas, a escola não apostou de forma tão latente o que manteve os componentes com espontaneidade.

Samba-enredo

O samba tem autoria de Me Leva, Thiago Meiners, Miguel da Imperatriz, Jorge Arthur, Daniel Paixão e Wilson Mineiro. A parceria assina a obra pelo terceiro ano consecutivo, com o asterisco de que em 2024 foi uma junção, e, talvez dos três este seja o que melhor sintetiza o enredo, ainda que o de 2024 tenha conseguido uma maior interação com o público. Mas, como obra para este carnaval, mais uma vez permitiu que a bateria de mestre Lolo abusasse da musicalidade do enredo com bossas, utilizando atabaques e agogôs, tocando para o orixá. Como em 2023, ano do Lampião, a escola apostou em um bis na cabeça do samba com o ” Vai começar ” que desagua no “Orinxalá ” com uma transição melódica que dá um charme a obra e a partir daí ganha ritmo e leva obra. É um samba para frente, que possui dois bons refrãos como ” Oní sáà wúre” no de baixo e “Ofereça pra exu” que mesclam potência com melodia, além do excelente falso bis na parte de baixo em “Justiça Maior é de meu Pai Xangô “. Como colocado acima, ainda que a obra de 2024 tenha interagido um pouco mais com a Sapucaí, a de 2025 fez um bom trabalho e conseguiu vencer a barreira de se apresentar ainda na segunda escola do domingo.

Fantasias

O conjunto de fantasias elaborado por Leandro Vieira foi muito pertinente para a transmissão do enredo. O primeiro desfile totalmente afro de Leandro Vieira trouxe um cuidado de seguir mais a risca ao vestuário e a indumentária utilizada nas religiões de matriz africana. O carnavalesco procurou não inventar muito e apostar no bom acabamento, na utilização de materiais de muito bom gosto, além da fidelidade, como retratado acima, aquilo que estava sendo retratado. Por isso, talvez as fantasias tenham impressionado menos que as alegorias, onde o carnavalesco se permitiu ser mais criativo e fugir um pouco mais de caminhos óbveis. O artista, aliás, se utilizou da palheta de cores para dar o clima de cada momento do desfile. No início abusando do branco de Oxalá, para sujar o orixá a partir do segundo setor, se utilizando mais do vermelho e dos tons alaranjados para colocar Exú na jogada. Depois, há uma maior utilização dos tons escuros quando o orixa vai para a prisão e o mal chega para o povo. No final do desfile, as fantasias retomam o branco original após o banho em Oxalá, quando o enredo encerra com a cerimônia das águas de Oxalá. O único ponto negativo foi o problema apresentado na saia de algumas baianas que passaram arriadas pela Sapucaí.

Alegorias e adereços

A Imperatriz levou para a Sapucaí cinco carros e mais dois elementos alegóricos e aí, talvez, tenha sido o grande destaque do trabalho de Leandro. O carnavalesco colocou na sua caixinha de ferramentas mais alguns recursos que a gente não via com tanta rotina, como a iluminação cênica, que o profissional se rendeu neste desfile e a utilização de maior movimento, mas, tudo isso, sem perder o bom gosto, o bom acabamento, o traço fino e a qualidade visual, inclusive na reprodução das esculturas que faz o artista ser um dos mais bem conceituados. Conjunto alegórico deslumbrante.

O Abre-alas “O senhor de Ifón” se apresentou como um tributo a Oxalá – e esta é a razão para que a cor atribuída fosse o branco. Composto por dois módulos, a alegoria tinha no primeiro, Oxalá em seu trono, ladeado por sua corte e nas laterais do segundo módulo a presença de elefantes tingidos por grafismos tribais brancos, marfins e adornos de estética africanizada no chumbo e na prata. Na segunda alegoria “Ofereça pra Exú ” veio a face zombeteira de Exu, apresentada em múltiplas esculturas que sugerem a sua gargalhada. Em linhas gerais, o conjunto cenográfico se desdobra como um grande alguidar de barro e a alegoria ganha uma outra qualidade quando é colocada em contraste com a iluminação cênica. Os galos presentes também se mexiam.

O terceiro carro “O reino do quarto Alafin de Oyó” trouxe em sua cartela cromática a combinação de tons vermelhos e matizes alaranjadas fazendo valer as cores rituais daquele que é considerado a divindade do fogo que arde. Também a representação do machado que corta para os dois lados e lhe serve de paramenta, ocupava o mais alto lugar do elemento. Já a quarta alegoria “A justiça verdadeira” , reproduziu em seu conjunto escultórico os súditos de Xangô que carregavam os jarros que serviram para o armazenamento das águas, depois derramadas sobre o senhor de Ifón, excelente trabalho de escultura e na tonalidade do verde e dourado da Imperatriz.

A última alegoria da Rainha de Ramos “Axé de Ibá” retomou o branco do início do desfile, a partir da interpretação do Ibá de Oxalá limpo e purificado após a cerimônia que recria a lavagem do corpo do rei, agora vertido em contorno sagrado. Desse modo, a coroa, símbolo da escola, apresenta-se como um ADÊ (coroa) de Oxalá depositado sobre uma espécie de altar cenográfico. Ainda que um pouco abaixo na concepção em relação ao demais carros, a alegoria também cresceu bastante quando contrastada com a iluminação do sambodromo. Mas, é preciso falar do elemento cenográfico “dor, tristeza e solidão” é uma das melhores coisas que passaram por aqui nos últimos anos. Representando a prisão que Oxalá ficou, o carro tinha seres do mal que saíam em tons de roxo escuro, uma espécie de serpentes com movimentos, muito bem acabadas de traços únicos, impressionaram o público.

Outros destaques

A bateria Swing da Leopoldina de mestre Lolo veio de “Orinxalá e o Sal” representando a figura de Oxalá carregando um fardo amarrado nas costas. Com isso, o visual geral dá conta da passagem narrada pelo itã em que Exu esperou que o soberano adormecesse para amarrar um fardo de sal em suas costas e acrescentar ainda mais desgaste em sua caminhada. E a rainha Maria Mariá era ”  sal”, desfilando todo o seu samba no pé em seu terceiro ano a frente dos ritmistas da Rainha de Ramos. Mestre Lolo veio também de Oxalá, mas com uma face diferente do orixá em relação aos ritmistas. No esquenta, Pitty de Menezes cantou algumas obras do tradicional Cacique de Ramos como “Vou festejar (Chorão, não vou ligar)” e já emendou no ponto “Barraca Velha” para puxar a Cigana Esmeralda de 2024. Em seu discurso, o agora vice-presidente da escola, João Drumond falou sobre uma Imperatriz pronta para ganhar campeonato.

X-9 Paulistana 2025: galeria de fotos do desfile

Freddy Ferreira analisa a bateria da Unidos de Padre Miguel no desfile

Bom desfile da bateria “Guerreiros” da Unidos de Padre Miguel, sob o comando do estreante no grupo especial, mestre Dinho. Mesmo consolidado no mundo das baterias e sendo o responsável pela musicalidade já identitária da bateria da UPM, somente agora o carismático mestre recebeu essa oportunidade. Um ritmo com pressão sonora de surdos e com bossas bem conectadas ao belo samba-enredo de vertente africana da agremiação da Vila Vintém.

Na cozinha da bateria do Boi Vermelho, uma afinação poderosa de surdos foi notada, sendo responsável pela pressão sonora na execução e nas retomadas de bossas. Marcadores de primeira e segunda se exibiram com firmeza e segurança. Surdos de terceira deram um balanço bastante envolvente a bateria “Guerreiros” em ritmo e em bossas. Repiques coesos se apresentaram junto de um naipe de guerras sólido e ressonante. Atabaques vieram na parte de trás do ritmo, sendo utilizado com brilho sonoro em paradinhas junto de agogô com uma campana (boca).

Na parte da frente do ritmo da UPM, uma boa ala de cuícas se uniu a um naipe de agogôs que tocou com eficiência. Uma ala de chocalhos de imensa qualidade e virtude sonora se exibiu interligada a um naipe de tamborins com talento técnico. Desenhos rítmicos de chocalhos e tamborins foram um dos pontos altos das peças leves. O trecho “Toca o Adarrum” merece a menção musical pela nítida integração, que também conta com um movimento bem swingado dos surdos de terceira, demostrando uma conjugação sonora de alto valor musical.

Um leque de bossas com boa musicalidade e dinamismo foi exibido. Arranjos entrosados com as variações melódicas da obra da escola, se aproveitavam da pressão de surdos para dar impacto sonoro às bossas. Um conjunto de paradinhas muito bem integrado ao tema de matriz africana da agremiação, plenamente conectado ao enredo. Na última cabine julgadora, demonstrando estar com a bateria na mão, mestre Dinho lançou até sua carta na manga energética, que foi largar a segunda passada do estribilho para o público e encerrar com a bossa 7.

Uma boa apresentação da bateria “Guerreiros” da UPM, dirigida por mestre Dinho. Um ritmo com impacto sonoro, equilíbrio e boa musicalidade em bossas, que recebeu certa ovação popular na última cabine de julgamento, comprovando o bom trabalho realizado pela bateria da Unidos abrindo os desfiles do grupo especial. O único fato a ser lamentado ficou por conta do som da Avenida que acabou sendo inconstante em alguns trechos do cortejo, além do carro de som estar com a voz do cantor principal bastante elevada no último julgador.

Grupos cênicos da Mangueira dão vida à ancestralidade através da arte

Com o enredo sobre a ancestralidade e o legado dos povos bantus que chegaram ao Rio de Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira levou à Marquês de Sapucaí três alas de grupos cênicos com muita dança e historicidade na cabeça da escola durante o desfile, transformando a avenida em um verdadeiro teatro a céu aberto com muita identidade e resistência.

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Diferente das alas tradicionais, os grupos cênicos desempenham um papel fundamental na apresentação da narrativa do desfile. A Mangueira que historicamente traz mensagens sociais e encenações que causam bastante impacto. O primeiro grupo cênico da escola, chamado de ‘’Os guardiões da ancestralidade’’, retrata a ancestralidade bantu que cruzaram a Kalunga, protegendo os valores, histórias e tradições desse povo. Com máscaras sagradas e um figurino adornados com conchas, corais, cores lilás e rosa, detalhes em palha e cabeça que remetem à madeira.

Posicionada nas laterais e na parte de trás, o grupo funcionou como guardião da ala das baianas que estavam no meio. Com movimentos para um lado e para o outro e alguns giros durante trechos do samba.

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‘’É a primeira vez que eu tô desfilando pela mangueira e a primeira vez que eu tô entrando na Sapucaí como componente de escola. É uma emoção muito grande, porque é a primeira vez que eu tô desfilando e já desfilando em uma ala grande. A gente está representando as Inquices e os Egunguns, que são como orixás da cultura Bantu’’, comenta Thais, confeiteira e componente da ala, de 38 anos.

O segundo grupo cênico intitulado de ‘’O sopro que guia a passagem’’ transformou a avenida em uma verdadeira Kaiango, uma inquice que controla o trânsito dividido pela Kalunga no Cosmograma Bakongo, governado entre os caminhos entre o mundo físico e espiritual. ‘’Toda uma ancestralidade porque a gente vai representar os ventos de Matamba e eu por ser feita de Matamba, de Angola, do povo de Congo. Para mim é muita representação, estou representando aqui principalmente o meu pai que era um mangueirense doente’’, declara a técnica de segurança do trabalho, Sandra Lucia, de 46 anos. A fantasia evoca de forma poética o movimento dos ventos e dos sopros, que saem dentro de uma máscara banta, roupas com estampas em tons de rosa.

Já o terceiro grupo, ‘’Morte e vida’’ encerra a transição entre a morte e a vida para contar as histórias dos povos bantus já habitantes do Rio de Janeiro, se dividindo em dois através das cores branco e preto, extremidades da horizontais do Cosmograma Bakongo unidos pela Kalunga. ‘’Uma ala que para mim tá sendo muito especial porque é coreografada, é de uma coreógrafa, que vem contando a história de morte e vida, é uma relação com matamba e o enredo todo da mangueira também. Estou achando muito especial falar do povo bantu, enquanto a gente tem várias outras apresentações, neste ano é legal a Mangueira trazendo outras vertentes de outras populações africanas’’, diz Camila, de 36 anos, sou assistente de produção e primeira vez saindo pela mangueira.

Com roupa preta, detalhes em búzios, moicano de plumas na cabeça e pinturas no corpo com giros e danças afro.

Os ensaios das alas coreografadas começam com bastante antecedência e são bastante intensos. A componente Camila finaliza dizendo que ‘’‘A nossa ala está ensaiando desde dezembro, duas vezes por semana, além do ensaio de rua e os ensaios técnicos. Tem sido que teve algum ensaio separado, assim, Sim. A gente teve desde dezembro dois ensaios duas vezes por semana, terça e quinta, só da nossa ala, para pegar a coreografia, limpar e tudo mais.”

 

A Influência dos Povos Bantos na Celebração do Ano Novo: ala de Mangueira une religiosidade e cultura popular

A passagem do ano no Rio de Janeiro é um espetáculo de cores, sons e significados. Milhões de pessoas se reúnem nas praias, vestidas de branco, para celebrar a virada do ano com fogos de artifício, pulando ondas e realizando rituais que, para muitos, são apenas tradições. No entanto, poucos sabem que essas práticas têm raízes profundas na cultura banto, trazida ao Brasil pelos africanos escravizados. A Ala 18 do enredo da Mangueira, “O Rio Celebra de Branco”, trouxe à tona essa conexão histórica e religiosa, revelando como os costumes dos povos bantos se tornaram parte do cotidiano carioca, independentemente de credo ou origem.
A Origem Banto das celebrações de Ano-Novo

Os bantos, povos originários da África Central, trouxeram consigo práticas religiosas e culturais que se fundiram com outras tradições no Brasil, dando origem a manifestações como a Umbanda. Um dos principais nomes dessa herança é Tata Tancredo, pai de santo que popularizou as celebrações de Ano Novo nas praias cariocas. Vestidos de branco, cor associada à paz e à espiritualidade nos terreiros, os praticantes dos Omolocôs (cultos bantos) realizavam rituais de transição, marcando a passagem para um novo ciclo. Essa prática, inicialmente religiosa, foi se popularizando e hoje é adotada por milhões de pessoas, muitas vezes sem que saibam sua origem.
A Percepção dos Componentes da Mangueira

André Pretz, 30 anos, vendedor e integrante da Mangueira, conta que não sabia da relação entre a celebração do Ano Novo e a cultura banto. “A gente descobre agora, através do enredo. É uma coisa que a gente faz automaticamente, mas não sabe de onde veio”, diz ele. André revela que, em alguns anos, passa a virada na praia, seguindo rituais como pular ondas e vestir branco. “Isso é primordial para todo mundo aqui no Rio. A gente sabe que vem de uma prática religiosa, mas nem todo mundo entende o significado”, reflete.
Já Renan Costa, 34 anos, gerente, prefere passar o Ano Novo em família, longe da agitação das praias. Ele também desconhecia a origem banta da tradição até participar do enredo da Mangueira. “Aprendi aqui. Muita coisa a gente está descobrindo com esse enredo”, afirma. Para Renan, o diálogo entre as religiões é essencial para que as pessoas entendam as raízes dos costumes. “Se a gente tivesse mais comunicação entre as religiões, entender as origens das nossas tradições seria mais fácil”, defende.
O Branco, a Praia e os Rituais de Transição

O uso do branco, símbolo de pureza e renovação, é um dos elementos mais marcantes da celebração do Ano Novo no Rio. Essa prática, que tem origem nos terreiros, foi incorporada pela população em geral, independentemente de sua religião. Além disso, rituais como pular ondas, oferecer flores ao mar e comer uvas têm significados profundos na cultura banto, relacionados à purificação e à busca de boas energias para o novo ciclo.
O Diálogo Interreligioso e a Apropriação Cultural

A celebração do Ano Novo na praia é um exemplo de como práticas religiosas podem transcender seus contextos originais e se tornar parte da cultura popular. No entanto, essa apropriação também levanta questões sobre o respeito e o entendimento das origens dessas tradições. Para muitos integrantes da Mangueira, o enredo deste ano é uma oportunidade de promover o diálogo interreligioso e valorizar a diversidade cultural.
“É importante que as religiões conversem entre si”, afirma André. “Muita gente faz as coisas sem saber o real motivo. A gente precisa entender de onde vêm essas tradições e respeitar suas origens”, completa. Renan concorda e destaca a importância de reconhecer a influência dos povos bantos na formação da identidade carioca. “Se é um costume que veio do povo banto e foi passado para outras religiões, isso precisa ser valorizado”, diz.
Uma Celebração que Une Passado e Presente

A celebração do Ano Novo no Rio de Janeiro é muito mais que uma festa: é um momento de conexão com as raízes africanas que moldaram a cultura brasileira. O enredo da Mangueira, ao resgatar essa história, nos convida a refletir sobre o valor do diálogo interreligioso e a importância de conhecer e respeitar as tradições que formam a identidade carioca.

Grupos cênicos da Mangueira dão vida à ancestralidade através da arte

Com o enredo sobre a ancestralidade e o legado dos povos bantus que chegaram ao Rio de Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira levou à Marquês de Sapucaí três alas de grupos cênicos com muita dança e historicidade na cabeça da escola durante o desfile,  transformando a avenida em um verdadeiro teatro a céu aberto com muita identidade e resistência.

Diferente das alas tradicionais, os grupos cênicos desempenham um papel fundamental na apresentação da narrativa do desfile. A Mangueira que historicamente traz mensagens sociais e encenações que causam bastante impacto. O primeiro grupo cênico da escola, chamado de ‘’Os guardiões da ancestralidade’’, retrata a ancestralidade bantu que cruzaram a Kalunga, protegendo os valores, histórias e tradições desse povo. Com máscaras sagradas e um figurino adornados com conchas, corais, cores lilás e rosa, detalhes em palha e cabeça que remetem à madeira.

Posicionada nas laterais e na parte de trás, o grupo funcionou como guardião da ala das baianas que estavam no meio. Com movimentos para um lado e para o outro e alguns giros durante trechos do samba.

‘’É a primeira vez que eu tô desfilando pela mangueira e a primeira vez que eu tô entrando na Sapucaí como componente de escola. É uma emoção muito grande, porque é a primeira vez que eu tô desfilando e já desfilando em uma ala grande. A gente está representando as Inquices e os Egunguns, que são como orixás da cultura Bantu’’, comenta Thais, confeiteira e componente da ala, de 38 anos.

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O segundo grupo cênico intitulado de ‘’O sopro que guia a passagem’’ transformou a avenida em uma verdadeira Kaiango, uma inquice que controla o trânsito dividido pela Kalunga no Cosmograma Bakongo, governado entre os caminhos entre o mundo físico e espiritual. ‘’Toda uma ancestralidade porque a gente vai representar os ventos de Matamba e eu por ser feita de Matamba, de Angola, do povo de Congo. Para mim é muita representação, estou representando aqui principalmente o meu pai que era um mangueirense doente’’, declara a técnica de segurança do trabalho, Sandra Lucia, de 46 anos. A fantasia evoca de forma poética o movimento dos ventos e dos sopros, que saem dentro de uma máscara banta, roupas com estampas em tons de rosa.

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Já o terceiro grupo, ‘’Morte e vida’’ encerra a transição entre a morte e a vida para contar as histórias dos povos bantus já habitantes do Rio de Janeiro, se dividindo em dois através das cores branco e preto, extremidades da horizontais do Cosmograma Bakongo unidos pela Kalunga. ‘’Uma ala que para mim tá sendo muito especial porque é coreografada, é de uma coreógrafa, que vem contando a história de morte e vida, é uma relação com matamba e o enredo todo da mangueira também. Estou achando muito especial falar do povo bantu, enquanto a gente tem várias outras apresentações, neste ano é legal a Mangueira trazendo  outras vertentes de outras populações africanas’’, diz Camila, de 36 anos, sou assistente de produção e primeira vez saindo pela mangueira.

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Com roupa preta, detalhes em búzios, moicano de plumas na cabeça e pinturas no corpo com giros e danças afro.

Os ensaios das alas coreografadas começam com bastante antecedência e são bastante intensos. A componente Camila finaliza dizendo que ‘’‘A nossa ala está ensaiando desde dezembro, duas vezes por semana, além do ensaio de rua e os ensaios técnicos. Tem sido que teve algum ensaio separado, assim, Sim. A gente teve desde dezembro dois ensaios duas vezes por semana, terça e quinta, só da nossa ala, para pegar a coreografia, limpar e tudo mais’’.

Imperatriz Leopoldinense resgata enredo afro e retrata a resistência de Oxalá no Carnaval 2025

No ano em que a intolerância religiosa e o racismo estrutural ainda desafiam a sociedade brasileira, a Imperatriz Leopoldinense decidiu usar o Carnaval como palco de resistência e celebração da cultura afro-brasileira. Com o enredo “Ómi Tútu ao Olúfon – Água fresca para o senhor de Ifón” que retrata a jornada de Oxalá, uma das principais divindades do panteão iorubá, a escola de samba trouxe para a avenida uma narrativa que mistura fé, tradição e luta, emocionando o público e reafirmando a importância da representatividade religiosa e cultural.

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José Carlos, 46 anos, vendedor e veterano da Imperatriz há 30 anos, desfilou com orgulho na ala que representava o momento difícil de Oxalá, quando a divindade ficou suja de carvão durante sua jornada ao reino de Xangô. “A gente veio pra brigar, com raça e muito samba no pé. Essa ala representa a dificuldade de Oxalá, mas também a superação. As fantasias estão no nível mais alto, e estamos aqui para brigar pelo primeiro lugar”, afirmou. O figurino, inspirado nas vestes tradicionais de Oxalá, foi cuidadosamente elaborado para manter as referências ao orixá, mesmo sujo com o carvão que simboliza suas provações.

Ana Carolina Aquino, 37 anos, Yalorixá e estreante na Imperatriz, destacou a riqueza simbólica do enredo. “Nossa ala traz o imagético de Oxalá sujo de carvão, mas também elementos como o sal, que são kizilas (proibições) de Oxalá. Usamos o Opaxorô, o cajado de Oxalá, que aqui está sujo de preto, representando o carvão. Mesmo na cor que não é tradicionalmente dele, reconhecemos o orixá”, explicou. O Opaxorô, instrumento sagrado que simboliza a força e a sabedoria de Oxalá, foi um dos elementos centrais da ala, reforçando a conexão entre o enredo e a espiritualidade.

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Para Ana Carolina, desfilar pela Imperatriz foi uma experiência emocionante e cheia de significado. “Eu sempre fui torcedora da Imperatriz. Meu pai era um homem de Xangô e Oxalá, e ele torcia por essa escola. Estar aqui realizando esse sonho, pensando nele, é maravilhoso”, compartilhou. A Yalorixá também ressaltou a importância da Imperatriz trazer um enredo afro em um momento de tantos desafios. “Em 2025, com tanta intolerância religiosa e discursos de ódio, a Imperatriz trazer isso é resistência, resiliência e força. É uma luta contra o racismo religioso que ainda precisamos enfrentar”, afirmou.

O enredo da Imperatriz Leopoldinense não apenas celebrou a cultura afro-brasileira, mas também reforçou o papel do Carnaval como espaço de resistência e afirmação identitária. Em um ano marcado por polêmicas e ataques às religiões de matriz africana, a escola mostrou que a arte e a cultura podem ser poderosas ferramentas de afirmação dos saberes ancestrais de sua comunidade.

Alas da Mangueira retratam os povos Bantus e sua influência na culinária Carioca

A culinária carioca, tão diversa e cheia de temperos, carrega traços profundos da influência africana, especialmente dos povos bantus. Originários da região que hoje abrange países como Angola, Congo e Moçambique, esses povos foram majoritariamente trazidos ao Brasil como escravizados a partir do século XVI. No Rio de Janeiro, sua cultura se mesclou com a indígena e a portuguesa, resultando em uma gastronomia rica e cheia de história.

Os povos bantus foram os primeiros africanos a chegar ao Brasil e, no caso do Rio de Janeiro, sua presença foi marcante. Além da forte influência linguística, os bantos deixaram um legado forte na música, na religiosidade e, principalmente, na cozinha.

As alas da verde rosa ‘’Um banquete de angu’’ e ‘’Quem come quiabo não pega feitiço’’, retratam a riqueza histórica e cultural desses alimentos na mesa das famílias do Rio de Janeiro.

Uma das marcas mais evidentes da influência banta, o angu é um prato feito de fubá de milho que se tornou popular entre as camadas mais pobres da população brasileira e, mais tarde, foi incorporado a pratos como o “angu à baiana”, bastante consumido na culinária carioca.

‘’O angu, por conta do angu a baiano, todo carioca gosta de comer, é tradicional da nossa cidade também, apesar de não ser daqui, mas é a tradicional da nossa cidade, então está super bem representado. Minha avó que vendia angu a baiana aqui nessa época, lá nos Correios aqui perto do sambódromo. Ela era baiana e vendia angu aqui. Estar aqui significa que eu tô representando ela, que era mangueirense, que era baiana, era vendedora de angu, eu estou representando ela aqui também na nossa escola’’, relata emocionada a jornalista Joana Cunha, de 45 anos, componente da escola há 5 anos.

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Em muitos cantos da cidade é possível encontrar o alimento, principalmente à venda na região central da cidade, que historicamente foi o local de chegada e moradia dos povos bantus e reflete até hoje na cultura gastronômica do Rio de Janeiro.

‘’O angu representa de uma forma, que por exemplo, aqui na Central do Brasil vende o famoso caldinho que a gente sempre gosta. É uma cultura do Rio de Janeiro, que é do carioca, de tomar um gelo, tomar um caldinho. E hoje a mangueira tá trazendo esse enredo, eu tô extasiada por ser a primeira vez e tô muito feliz por representar a minha cidade. Eu amo angu. Com alho , com frango, eu amo tudo. Sou uma verdadeira carioca’’, declara Monique, empresária de 39 anos que desfilou pela primeira vez na Estação Primeira de Mangueira.

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Outro ingrediente diretamente da cozinha banta e fortemente presente na vida e nos pratos dos cariocas, é o quiabo. Um vegetal que tem a baba como sua característica principal, sendo muito utilizado na preparação com outras comidas, como o frango, e até mesmo como o famoso ‘’tira gosto’’, forma que é chamado petiscos para acompanhar as bebidas, principalmente a cerveja.

‘’Não sabia dessa informação antes do desfile sobre quando foi escolhido como tema da ala e é só um alimento que eu gosto bastante. E é um alimento que ele é muito representativo da cultura negra carioca. Desde pequeno eu como quiabo porque tem receita de família de frango com quiabo’’, relata André, de 27 anos, estreante no desfile da verde e rosa.

Até mesmo quem não é carioca, mas vive na cidade do Rio de Janeiro, tem vivências com o alimento. A baiana Kaline Assis, médica de 39 anos e está na Sapucaí com a escola pela primeira vez, afirma que ‘’Eu, como uma baiana sabia da questão da relação através de um ditado do candomblé que diz que quem come quiabo não pega feitiço, e foi por isso que eu escolhi essa ala, eu fui ler algumas coisas e descobri outras coisas acerca também dizendo de que o quiabo não é só uma culinária, mas é como se fosse algo espiritual também para eles, quando eles comem eles se sentem protegidos’’.

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Os escravizados bantus eram majoritariamente trabalhadores das lavouras, das cozinhas dos senhores e dos mercados urbanos. Adaptando ingredientes locais às suas tradições, deram origem a pratos que, até hoje, fazem parte do cardápio carioca.

O coração pulsante da Viradouro: A comunidade que move o Carnaval

A Unidos do Viradouro desfilou na madrugada de domingo para segunda com o enredo “Malunguinho: o Mensageiro de Três Mundos”, sobre o líder quilombola do século XIX, hoje cultuado em religiões afro-indígenas. Lutando pelo bicampeonato, a escola apresentou, nos ensaios, uma excelência técnica que lhe garantiu a alcunha “patamar Viradouro”. Pouco antes do começo do desfile, o CARNAVALESCO conversou, na concentração, com componentes sobre sua relação com a escola de Niteroi.

“Fazer parte da comunidade da Viradouro é tudo de bom. A Viradouro é como se fosse um refúgio. Eu me sinto em casa, literalmente. Eu costumo dizer para todo mundo que eu que eu moro na Viradouro e visito a minha casa. Para mim, é uma verdadeira terapia, uma coisa que faz a minha cabeça, a minha mente ir para um lugar e ficar muito boa”, disse a estudante Mirella Santos, de 17 anos, em seu terceiro carnaval pela Viradouro.

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“Comecei desfilando na Viradouro com 8 anos de idade. A coisa mais linda que eu acho na minha vida é participar. É muito bom, a gente esquece todos os problemas. Eu adoro. A garra da nossa comunidade é maravilhosa, todo mundo se dá muito bem”, enalteceu a cozinheira Ana Maria dos Santos, de 72 anos.

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Um dos mais aguerridos do carnaval em dias atuais, os torcedores da vermelho e branco de Niteroi marcaram presença, ao longo do ano, nos eventos da escola, que se iniciaram por volta de setembro e culminaram no desfile de março.

“Eu fui em todos os ensaios de rua, tanto de rua, tanto de quadra. Fui nessas disputas de samba, eu estava em tudo. Em um dos ensaios, tinha um telão que apresentava para gente as fantasias e a história através da fantasia. É importante frequentar a escola para ir criando aquele laço e saber o que está se passando. Para começar a entender o samba, o que você está cantando. Não só falar da boca para fora”, explicou Mirella.

“Todo domingo estávamos na Amaral Peixoto fazendo um ensaio perfeito, mostrando a força da Viradouro. A presença da comunidade, a presença que nós sentimos durante os ensaios, é algo muito bom”, relembrou o autônomo estreante na escola Kauã, de 21 anos.

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A sensação do grande dia, porém, supera a de qualquer outro.

“Pisar na avenida é uma sensação única. Toda vez parece que é a primeira vez. O coração dispara, dá vontade de chorar, fico muito ansiosa. Parece que o coração para. É uma sensação muito boa”, descreveu Mirella.

“Todo ano é como se fosse meu primeiro na Viradouro. Já entro em lágrimas e termino em lágrimas. Estou até arrepiado agora. A emoção é muito forte. Essa escola é tudo para mim. Amo a Viradouro”, declarou o fotógrafo Jorge Luiz, conhecido como Jorginho da Viradouro, de 59 anos. Jorge desfila há 33 anos pela Viradouro.

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“Quando eu entrar na avenida, vai ser um um sentimento muito bom, bonito. Pretendo levar esse título por mais um ano. Vai depender de Deus. Sem ele nós não conseguimos levar, mas ele vai dar força para a gente levar mais esse título para Niterói”, garantiu o funcionário público José de Oliveira, de 64 anos, que desfila há 10 pela Viradouro.

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De fato, a comunidade é o coração pulsante de uma escola de samba. Bateria, baianas, comissão de frente… Nada se sustenta sem o apoio de cada componente.

“Antes de preparar um carnaval, preparar o desfile, precisa preparar a comunidade. Sem a comunidade não tem desfile. A comunidade é uma peça muito importante. O canto da comunidade é aquilo que move o público”, defendeu Kauã.

“O que diferencia a Viradouro é sua comunidade. É o chão que ela tem. Em respeito a todas as coirmãs, mas nosso chão é muito forte. Uma escola sem comunidade, não chega a lugar nenhum. Em respeito a todos os segmentos da escola, mas a comunidade é o ponto forte”, finalizou Jorge.

Do Samba ao Funk: A Corporeidade Negra que Dança e Resiste no Carnaval da Mangueira

Com o enredo “À Flor da Terra, no Rio da Negritude entre Dores e Paixões”, desenvolvido pelo carnavalesco Sidnei França, a Mangueira fez uma celebração das sonoridades que ecoam pelas ruas da cidade. Ritmos como o samba e o funk foram apresentados como exemplos do legado bantu e das estratégias de recriação do cotidiano da negritude.

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Em entrevista ao CARNAVALESCO, Luiz Antonio Simas, historiador e componente da quarta alegoria, falou sobre a semelhança entre duas das mais populares manifestações culturais cariocas. “O samba e o funk tem uma semelhança evidente porque são oriundos das populações afro-cariocas”, afirmou o historiador que relembrou do processo de marginalização do samba no início de século XX: “Se a gente pega o samba na década de 10 ou 20, a gente percebe que o samba era criminalizado pela vigência da lei de vadiagem. Samba era coisa de vadiagem. João da Baiana foi preso porque estava com um pandeiro e o pandeiro dele foi considerado a prova do crime, a prova da vadiagem”.

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Para ele, o funk, assim como foi com o samba, passa por um processo de criminalização e se reinventa por construir sentidos a partir da corporeidade da negritude. “O funk passa por um processo de criminalização muito parecido com o que aconteceu com o samba, porque é um contexto mais amplo de criminalização das manifestações das populações afro-cariocas. Agora, da mesma maneira com o samba, o funk foi se reiventando”, afirmou.

Para Leda Maria Martins, escritora e professora, a criminalização das manifestações culturais negras são cíclicas. Sob argumentos de que esses ritmos fazem apologia às drogas, à pornografia e à violência, as culturas negras são demonizadas. Na contramão, o samba e o funk recriam um corpo que dribla o escopo determinado da marginalização. “Basta você dar uma olhada aqui pelo Sambódromo. Dá uma olhada no no movimento do corpo carioca, do corpo em geral do corpo brasileiro e, principalmente, do corpo negro do brasileiro. É uma corporeidade dinâmica, dançante, bailarina. É uma elasticidade do corpo, uma disponibilidade do corpo para o movimento, para a criação e para a memória do conhecimento. É um modo alternativo de escrever o conhecimento”, concluiu.

Jonny Santos, de 31 anos, componente da ala 20, lembra que a marginalização foi um modo de circunscrever a corporeidade negra nos limites da branquitude. “O nosso corpo fala o tempo inteiro, nos movimentos, na forma como conduz o andar, os gestos dos braços, das mãos, ele está falando o tempo todo. Os movimentos perseguidos são movimentos onde o corpo do negro está falando de uma forma diferente da forma permitida pelo branco colonizador”, afirmou o componente da ala 20 que vem representando o funk carioca dos anos 70.

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A Mangueira não apenas celebrou as sonoridades que ecoam pelas ruas do Rio de Janeiro, mas também destacou a resiliência e a capacidade de reinvenção das culturas negras. No Marquês de Sapucaí, a verde e rosa contou uma história de luta, paixão e resiliência, mostrando que a cultura negra, seja através do samba ou do funk, é uma força viva e pulsante que não pode ser silenciada.