A alma da Imperatriz Leopoldinense no Carnaval 2026 estará colorida de liberdade, coberta de brilho e com o corpo em movimento. Nas mãos afiadas do carnavalesco Leandro Vieira, a escola de Ramos mergulha no universo de Ney Matogrosso, um dos maiores nomes da nossa cultura, para construir o enredo, que recebeu o título de “Camaleônico”, e envolve poesia, transformação e provocação. Na sinopse, Ney não é apenas homenageado por sua trajetória musical. Ele é apresentado como figura fluida, atemporal, mutante. Um artista que transita entre o humano e o animal, entre o marginal e o sublime, entre a festa e a denúncia. Camaleônico, mas também pavão, lobisomem, fauno, serpente e cavalo alado. Ney aparece como potência de invenção e resistência, como o corpo possível de todas as contradições.
O enredo mergulha na obra de Ney, evocando os discos fundamentais da carreira e a estética performática que redefiniu a presença masculina nos palcos brasileiros. De “Secos & Molhados” a “Bandido”, de “Água do Céu-Pássaro” a “Feitiço”, o texto se estrutura como uma costura de sons e imagens. Gera algo sensorial. Mas a proposta vai além do tributo musical. Leandro Vieira utiliza Ney como lente para narrar os corpos que escapam ao padrão: o andrógino, o bicho marginal, a bicha, o louco, o artista nu em sua ousadia.
Há, na sinopse, uma sofisticação rara: o texto não se satisfaz em descrever — ele deseja performar. A narrativa é construída com densidade poética, desafiando o leitor a sentir a farra, a provocação, o delírio e a intensidade que o Leandro Vieira pretende traduzir. Ney é, aqui, o estandarte de uma “festa ensolarada”, onde o erotismo, o drama e a liberdade coexistem sem censura. Como quem convida o público a “botar o bloco na rua”, o enredo nos lembra que o carnaval é corpo e expressão.
Ao anunciar o desfile como uma celebração dos “desgarrados”, o enredo da Imperatriz reafirma o carnaval como espaço de legitimação da diferença — o lugar onde o marginal vira centro, onde o censurado vira bandeira, onde o corpo nu vira fantasia. O texto é uma celebração da metamorfose como identidade, da liberdade como regra, da arte como transgressão.
Para quem acompanha o trabalho de Leandro Vieira, o enredo reafirma sua capacidade de criar desfiles com assinatura própria: visualmente arrebatadores, poeticamente densos e socialmente pulsantes. Para a Imperatriz, é mais uma oportunidade de mostrar que a escola tem força para unir ousadia artística e competitividade, com alma, beleza e discurso.
Em meio ao embate político entre a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a Prefeitura do Rio e o Governo do Estado pela administração do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, o governador Cláudio Castro (PL) se manifestou publicamente nesta terça-feira e propôs um caminho de conciliação. Durante o lançamento de um aplicativo de combate a roubo e furto de celulares, ele afirmou que é necessário abrir um diálogo entre os entes envolvidos para encontrar uma solução pacífica. O governador ressaltou que o equipamento foi construído com recursos do estado e pode ser utilizado para reduzir dívidas ou até gerar receita para o governo.
“Acho que a melhor saída é o diálogo. Esse ativo pode, de repente, ser usado para diminuir uma dívida e dar lucro ao estado, já que foi o estado que construiu esse ativo. Vamos dialogar com a Assembleia e a Prefeitura, porque quem tem que ganhar é o Carnaval. O Estado está aqui para colaborar, não para ser motivo de briga”, declarou Castro.
Disputa pelo comando do Sambódromo
A fala do governador ocorre um dia após a Alerj derrubar, em sessão extraordinária, o veto de Castro ao Projeto de Lei 57/23, de autoria do deputado Rodrigo Amorim (União). A proposta determina que a gestão do Sambódromo seja transferida da Prefeitura do Rio de Janeiro para o Governo do Estado. O texto teve 38 votos favoráveis e 19 contrários.
O projeto é parte de uma disputa política entre a base aliada de Castro, que apoia a pré-candidatura do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União), ao governo estadual, e o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), provável adversário nas urnas em 2026.
A gestão do Sambódromo, inaugurado em 1984 pelo então governador Leonel Brizola, está atualmente sob responsabilidade da Prefeitura do Rio, amparada pelo Decreto-Lei 224/75. A mudança proposta visa devolver a administração do espaço ao estado, de onde foi originalmente cedido.
Reação da Prefeitura
Menos de uma hora após a votação, o prefeito Eduardo Paes reagiu com ironia e anunciou que a Prefeitura irá recorrer à Justiça para manter a administração da Passarela do Samba. Paes classificou a movimentação da base de Castro na Alerj como “perda de tempo” e sugeriu que o governo estadual estaria priorizando o Carnaval por falta de questões mais urgentes.
A disputa pela gestão da Marquês de Sapucaí, palco principal dos desfiles das escolas de samba do Rio, coloca em jogo muito mais do que o controle de um equipamento cultural. Ela reflete a antecipação do embate eleitoral para 2026, envolvendo dois grupos políticos que travam uma batalha estratégica em diversos campos da administração pública.
O Carnaval é mais do que um evento cultural; ele é o coração pulsante do Brasil. Durante décadas, o brilho das escolas de samba, os carros alegóricos monumentais e os desfiles cinematográficos foram impulsionados por um apoio pouco reconhecido, mas vital: o jogo do bicho. Agora, com o avanço da pauta no Senado para legalizar bingos, cassinos e o próprio jogo do bicho, a relação histórica entre o Carnaval e os jogos de azar pode ganhar um novo capítulo.
O Jogo do Bicho e o Carnaval: Uma Relação Histórica
Poucas pessoas sabem, mas o jogo do bicho, criado em 1892 no Rio de Janeiro, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do Carnaval como o
conhecemos hoje. Durante décadas, os bicheiros — organizadores desse jogo informal — tornaram-se os maiores mecenas das escolas de samba.
No período em que o financiamento público era escasso e patrocinadores corporativos ainda não haviam descoberto o potencial do Carnaval, os bicheiros garantiram recursos para fantasias luxuosas, alegorias grandiosas e até mesmo a construção das quadras das escolas de samba. Sua influência era tão grande que algumas escolas foram praticamente moldadas sob sua tutela, como a Beija-Flor, que brilhou no Sambódromo com desfiles luxuosos financiados por essa fonte.
Embora a relação entre o jogo do bicho e o Carnaval tenha sido envolta em controvérsias, é inegável que essa parceria ajudou a elevar os desfiles a um patamar internacional.
A Legalização dos Jogos: Uma Nova Era de Patrocínios
Com a tramitação avançada do projeto de lei que legaliza bingos, cassinos e o jogo do bicho, o cenário do Carnaval pode estar prestes a mudar mais uma vez. Caso aprovada, a legalização promete abrir novas oportunidades para a captação de recursos pelas escolas de samba, desta vez em um contexto formal e regulado.
Os cassinos, em particular, têm um histórico global de investimento em entretenimento e cultura. Grandes eventos como o Grand Prix de Mônaco e espetáculos de Las Vegas são exemplos de como os cassinos podem ser patrocinadores estratégicos. No Brasil, com a legalização, eles poderão se tornar grandes apoiadores do Carnaval, oferecendo patrocínios robustos que podem financiar desfiles ainda mais grandiosos.
Imagine um cenário em que escolas como Mangueira, Salgueiro ou Portela têm o apoio direto de marcas de cassinos, com contratos transparentes e acordos regulados. Isso não apenas aumenta os recursos disponíveis, mas também profissionaliza ainda mais o Carnaval, atraindo investimento estrangeiro e ampliando a visibilidade do evento no exterior.
Como os Jogos Podem Impactar o Carnaval
1. Patrocínios Diretos e Marketing Criativo
Com cassinos e bingos liberados, é possível imaginar parcerias exclusivas entre marcas de jogos e escolas de samba. Assim como vemos patrocinadores estampando suas marcas em camisetas de times de futebol, poderemos ver marcas de cassinos nos carros alegóricos ou até mesmo temas relacionados ao luxo, à fortuna e à prosperidade inspirando enredos.
2. Ampliação do Turismo e da Economia do Samba
O Carnaval já é um motor de turismo para o Brasil, atraindo milhões de visitantes todos os anos. A entrada dos cassinos no mercado pode impulsionar ainda mais esse setor, criando pacotes turísticos que integrem noites de jogo em resorts-cassino com ingressos para os desfiles no Sambódromo.
3. Financiamento de Projetos Sociais
Historicamente, muitas escolas de samba realizam projetos sociais em suas comunidades. Com recursos ampliados graças a patrocinadores, será possível expandir iniciativas como aulas de música, dança e costura, beneficiando diretamente as comunidades carentes que sustentam o Carnaval.
Um Olhar para o Futuro
Além do impacto econômico, a legalização dos jogos de azar também traz desafios. Assim como o jogo do bicho teve uma relação controversa com o Carnaval, será essencial criar regulamentações sólidas para garantir que os recursos cheguem de forma ética e beneficie as escolas e suas comunidades.
Ainda assim, o potencial é imenso. Os bicheiros, que antes financiavam o samba nos bastidores, podem agora ver suas práticas legitimadas e contribuir formalmente para o evento que ajudaram a construir. Ao mesmo tempo, grandes empresas de cassinos podem agregar profissionalismo e visibilidade internacional ao Carnaval, levando as escolas de samba a um novo patamar de excelência.
Cassinos Online: Uma Nova Fronteira
Embora a regulamentação proposta pelo Senado esteja focada nos cassinos físicos e no jogo do bicho, é importante lembrar que os cassinos online já estão liberados no Brasil. Plataformas como Casino.com Brasil oferecem opções confiáveis e regulamentadas para jogadores, e a listagem completa de cassinos autorizados pode ser encontrada em sites especializados.
Esses cassinos online já movimentam bilhões de reais por ano, e com a possível regulamentação dos jogos físicos, eles podem desempenhar um papel complementar, patrocinando tanto eventos carnavalescos quanto ações comunitárias das escolas de samba.
Carnaval e Jogos Possuem sua História Interligada
O Carnaval e o jogo do bicho compartilham uma história intrincada, que mistura paixão, controvérsia e criatividade. Com a legalização dos jogos no horizonte, essa relação pode evoluir para um novo capítulo, onde cassinos e escolas de samba caminhem juntos em uma parceria transparente e benéfica para todos os envolvidos.
Se por um lado a legalização promete recursos mais robustos e estruturados, por outro, ela também exige responsabilidade na implementação e no uso desses fundos. Com planejamento, o Brasil pode transformar essa oportunidade em uma vitrine para o mundo, mostrando que tradição e inovação podem andar lado a lado, embaladas pelo som do samba e iluminadas pelo brilho do Carnaval.
Equipe responsável pelo desenvolvimento do enredo no desfile da Grande Rio em 2026. Foto: Rafael Arantes/Divulgação
Vice-campeã do Carnaval 2025, a Grande Rio prepara para 2026 um mergulho na lama mais fértil da cultura brasileira: o Manguebeat. Com a chegada de Antônio Gonzaga como novo carnavalesco, em sua primeira empreitada solo no Grupo Especial, após dividir trabalhos com André Rodrigues na Portela, a escola de Duque de Caxias mergulha no universo do Manguebeat para construir um enredo que pretende ser, ao mesmo tempo, poético, urbano e provocador.
A sinopse do enredo, intitulada “Nação do Mangue”, parte das margens do Recife para mostrar que a cultura de resistência ainda pulsa nas periferias, nos guetos, nos becos onde a arte não é luxo, é sobrevivência. É um texto que convida o leitor a imaginar o carnaval como lugar de regeneração. Como os manguezais. Gonzaga propõe um carnaval que vai além da estética: pretende provocar reflexão sobre urbanização selvagem, apagamento cultural e devastação ambiental.
Inspirada no movimento Manguebeat, que explodiu no Recife nos anos 1990 com nomes como Chico Science, Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A, a Grande Rio abraça a proposta de carnaval-manifesto. o enredo tem batida. Tem suor. Tem caranguejo, lama, antena parabólica e tambor.
O texto da sinopse mistura lirismo e urgência. “A cidade está doente”, afirma um trecho. Mas doente de quê? De abandono, desigualdade, ausência de escuta. A resposta vem da batida do mangue: “somos os que brotam da lama e anunciam o amanhã”. A proposta convoca reflexão sobre o Brasil das margens, onde a vida pulsa com mais força e menos recursos. É um enredo que exige sensibilidade para transformar o caos em beleza, a crítica em espetáculo.
O maior desafio do enredo será traduzir a densidade simbólica em alegorias e fantasias que dialoguem com o grande público, sem perder a crítica e a raiz que fundamentam o tema. Mas a escola tem credenciais.
Se a escola acertar na concepção visual, no samba e na narrativa de chão, pode colocar mais uma vez seu nome entre as favoritas. Afinal, o Manguebeat é, por essência, uma explosão criativa.
O Aprendizes do Salgueiro anunciou o enredo que levará à avenida no Carnaval 2026: uma homenagem emocionante ao intérprete Quinho do Salgueiro, um dos nomes mais icônicos da história da Academia do Samba.
Com o título “ARREPIA, APRENDIZES!”, o enredo celebra a trajetória de Quinho, sua voz marcante, seus gritos de guerra inesquecíveis e o legado que deixou para novas gerações. Mais que um intérprete, Quinho foi símbolo de resistência, ancestralidade, emoção, e agora será exaltado por aqueles que cresceram ouvindo sua arte.
A proposta da escola é transformar a avenida em um grande altar em memória ao artista. “Se o céu hoje tem uma nova estrela, a nossa homenagem será um canto eterno”, afirma o texto de lançamento divulgado pela agremiação mirim.
Quinho marcou época na Sapucaí com refrões como “Arrepia, Salgueiro!” e “Pimba, pimba! Ai que lindo, que lindo!”, que continuam ecoando na memória afetiva dos sambistas. A homenagem reforça o compromisso do Aprendizes do Salgueiro em manter viva a história do samba e dos grandes nomes que fizeram do carnaval um espetáculo cultural único.
O desfile de 2026 promete emocionar o público e será um tributo à altura da grandiosidade de Quinho, agora eternizado também no coração dos pequenos salgueirenses.
Mais informações sobre o desenvolvimento do enredo, equipe criativa e cronograma de atividades serão divulgadas em breve.
A Acadêmicos de Niterói pensa em entrar de vez na história do Grupo Especial do Rio. Campeã da Série Ouro em 2025, a escola cogita uma estreia com um enredo de forte impacto político e social: a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ser o tema da agremiação em 2026. A informação foi publicada pelo colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo. Segundo ele, a proposta da escola é apresentar a trajetória do homem que saiu do sertão nordestino, tornou-se operário e líder sindical e chegou à Presidência da República, posto que ocupa pela terceira vez. A agremiação baterá o martelo sobre o enredo no dia 9 de julho.
A expectativa é grande, não apenas pelo conteúdo do tema, mas também pelo momento especial da escola, que viverá sua primeira experiência na elite do carnaval carioca. Caso o enredo sobre Lula seja realmente anunciado, a Acadêmicos de Niterói entra para a crescente lista de escolas que, em 2026, optaram por homenagear personalidades. Também estão previstas homenagens a Rita Lee, Rosa Magalhães, Mestre Ciça, Mestre Sacaca, Ney Matogrosso, Carolina Maria de Jesus e Heitor dos Prazeres.
A escolha da Niterói promete movimentar debates e chamar atenção para o desfile da nova integrante do Grupo Especial, que poderá começar sua jornada entre as gigantes com um enredo de enorme repercussão.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) derrubou, em sessão extraordinária realizada nesta segunda-feira, o veto do governador Cláudio Castro (PL) ao projeto de lei que transfere a gestão do Sambódromo da Marquês de Sapucaí da Prefeitura do Rio para o Governo do Estado. Com 38 votos favoráveis e 19 contrários, a maioria dos deputados estaduais optou por retomar para o Executivo estadual o controle da Passarela do Samba, construída em 1984 por Leonel Brizola e cedida anos depois à administração municipal.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), reagiu imediatamente após a votação, classificando a medida como uma “perda de tempo” e anunciando que o município recorrerá à Justiça para barrar a nova legislação. Nas redes sociais, Paes ironizou o interesse do Governo do Estado pela folia, sugerindo que o Executivo estadual deveria priorizar temas como segurança pública, educação e infraestrutura.
“Tinham era que passar o Imperator e o Theatro Municipal para a prefeitura, que é quem tem que cuidar dessas coisas. Deixem as tarefas municipais para o poder municipal e dediquem mais tempo e foco à segurança, à melhora do IDEB, à saúde pública, à manutenção das estradas vicinais, à ampliação do transporte sobre trilhos”, disse Paes.
O projeto de lei é de autoria do deputado Rodrigo Amorim (PTB) e foi aprovado pela Alerj em dezembro. A proposta revoga o Decreto-Lei 224/75, que transferia a posse de imóveis da região da Cidade Nova, incluindo o Sambódromo, para o município após a fusão do antigo Estado da Guanabara com o Estado do Rio. Segundo Amorim, o objetivo é permitir o uso do espaço ao longo de todo o ano, aumentando o potencial de arrecadação do estado.
Em janeiro, o governador Cláudio Castro vetou o projeto, alegando inconstitucionalidade — segundo ele, a Alerj não teria competência para modificar o domínio de um bem municipal. Mesmo assim, sua base legislativa liderada pelo presidente da Casa, Rodrigo Bacellar (União Brasil), conseguiu reverter o veto.
A Beija-Flor de Nilópolis vai voltar à Sapucaí em 2026 com a responsabilidade de quem carrega a faixa de atual campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Para isso, ela vai transformar o desfile em um ato de fé, memória e resistência. O enredo “Bembé” mergulha fundo em uma das mais poderosas expressões da cultura afro-brasileira, o Bembé do Mercado, celebração do Candomblé realizada há mais de 130 anos em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano.
O título do enredo não poderia ser mais certeiro. “Bembé”. Uma palavra só, curta, mas com uma força ancestral imensa. Quem conhece, sente imediatamente a vibração. Quem não conhece, sente o chamado para saber mais. “Bembé” não precisa de explicação longa. Carrega o peso e a beleza de uma tradição que atravessou séculos enfrentando preconceito, intolerância e silenciamento.
Mas a Beija-Flor não ficou apenas na ideia. Foi além. O carnavalesco João Vitor Araújo e integrantes da escola foram até Santo Amaro. Estiveram lá, ouvindo histórias, sentindo o chão, compartilhando do axé. Em uma Era em que o carnaval se reconecta com as raízes do povo, essa escuta, esse gesto de respeito, faz toda a diferença. Traz para a narrativa não só consistência, mas verdade.
A sinopse apresentada é quase um convite à emoção. Nos leva entre balaios de flores, perfumes, oferendas às águas e tambores de xirê que chamam os Orixás. O mercado vira terreiro. A rua, templo. O povo preto, protagonista da própria história. A escola promete um desfile que deve emocionar não apenas pelo impacto visual, mas pela alma. Porque o Candomblé não apenas sobreviveu: ele ocupou espaços e construiu caminhos de pertencimento no meio da cidade, no meio da vida.
E é disso que o carnaval também precisa falar. Do Brasil real, profundo, que nem sempre cabe nos livros de história, mas pulsa forte nos terreiros, nos batuques, nas festas de rua. Transformar o “Bembé” em enredo é um gesto potente, simbólico. É dar luz a uma herança cultural que ainda hoje sofre com o preconceito. É dizer, em plena Marquês de Sapucaí: essa fé é nossa, esse canto é nosso, essa rua também é nossa.
A Beija-Flor mostra que carnaval não é só brilho e pluma. É espaço de afirmação, é ferramenta de resistência. Em tempos tão marcados por intolerância religiosa e racismo estrutural, ver a atual campeã do Grupo Especial do Rio de Janeiro exaltar um culto ancestral negro, coletivo, pulsante, é mais do que arte: é ato político. E necessário.
A leitura da sinopse do enredo da Unidos do Viradouro para o Carnaval 2026 foi marcada por um retorno simbólico e afetivo: o evento aconteceu na quadra da Estácio de Sá, local que formou o homenageado do próximo desfile da escola, mestre Ciça — e também o carnavalesco Tarcísio Zanon. Em entrevista ao CARNAVALESCO, o artista expressou a emoção de estar de volta à casa onde iniciou sua trajetória no samba. “É uma alegria e uma emoção muito grandes. Cheguei pela manhã para ajudar na decoração da quadra e reencontrei a velha guarda, chorei. A Estácio foi a escola que me formou. Essa homenagem ao Ciça é também uma homenagem a todo estaciano, todo ritmista, todo sambista. O Ciça já é, por si só, uma escola de samba”, declarou Zanon.
Ciça começou sua trajetória como passista na própria Estácio, então Unidos de São Carlos, foi mestre de sala, ritmista e se consolidou como um dos mestres de bateria mais respeitados do carnaval carioca. A escolha de realizar a leitura da sinopse na quadra da Estácio reforça o enredo como um gesto de reconhecimento não só a um artista, mas também ao território que o formou.
Tarcísio, que divide a criação com o enredista João Gustavo Melo, explicou que a construção da sinopse foi feita em estreita colaboração com o próprio homenageado. “A gente teve muitos diálogos com o Ciça. Foi um olhar de sambista para o Ciça. O público vai encontrar os grandes momentos da trajetória dele. Claro que é uma releitura, mas é isso que estamos vivendo: o tempo dos remakes. E é muito legal a gente fazer esse carnaval da metalinguagem, trabalhar essa metanarrativa, até porque eu mesmo já trabalho com o Ciça há anos”, comentou.
Para Zanon, a leitura da sinopse dentro da Estácio também teve papel estratégico na preparação dos compositores. Segundo ele, estar naquele espaço ajudou a mergulhar na “alma do enredo” e no universo afetivo do Ciça. “O Ciça nunca se mudou do Estácio. É aqui que ele se forma como sambista. É uma região onde floresce o samba. Nada mais é pertinente do que fazer essa leitura de sinopse aqui”, afirmou.
Questionado sobre o que espera dos sambas concorrentes, o carnavalesco orientou os compositores a estudarem o material, tirarem dúvidas e, sobretudo, se deixarem levar pela inspiração. “A sinopse é solta, feita para o compositor se sentir livre. Mas é claro que precisa seguir uma narrativa. O texto está muito claro, e espero que todos gostem muito”, disse.
Mais uma escola apostará em uma temática ligada às religiões de matriz africana no carnaval 2026. Trata-se da Imperatriz da Pauliceia, do Grupo de Acesso II do carnaval de São Paulo. No último sábado, a Princesinha da Zona Leste anunciou o enredo “Congá, o altar sagrado da minha fé”, assinado por uma Comissão de Carnaval. Mais do que isso: mostrando eficiência e prazos adiantados, a azul e branca também apresentou os protótipos para a próxima temporada.
Fotos: Will Ferreira/CARNAVALESCO
Como diversos eventos no carnaval paulistano, o evento na divisa entre os bairros da Vila Nova Savoia e da Vila Talarico começou com um show de pagode para começar a esquentar os presentes. Maralice Lazarini, presidente da agremiação, fez o primeiro discurso e a primeira apresentação: Dom Junior foi oficialmente apresentado como o novo intérprete oficial da escola e já começou a executar sambas para agitar os presentes – entre eles, Peterson Silva e Victoria Cavalcante, Rei e Primeira Princesa da Corte LGBTQIAPN+ do carnaval paulistano.
Com vários pontos em saudação a orixás, segmentos da escola (casal de mestre-sala e porta-bandeira, Ala das Baianas, crianças, passistas e Velha Guarda) também se apresentaram. O ponto de Iansã teve destaque graças à dança de Paula Penteado, nova coreógrafa da comissão de frente da azul e branca – que, logo após sair do terreiro, subiu ao palco e foi apresentada pela mandatária da instituição.
Veio, então, a hora de Dom Junior convocar outros intérpretes amigos para celebrar a conquista do novo cantor do carnaval paulistano. Subiram ao palco, então, pela ordem, Chitão Martins, Tiago Nascimento, Gui Cruz, Rodrigo Xará, Alessandro Tiganá e Thiago Melodiah – das coirmãs Independente, Império de Casa Verde, Mocidade Unida da Mooca, Dom Bosco, Nenê de Vila Matilde e Primeira da Cidade Líder. Vale destacar que, até o carnaval 2025, o microfone principal da Princesinha era do atual comandante do carro de som da Águia Guerreira.
Chegou a hora, então, da Comissão de Carnaval ser apresentada. Três nomes integram o grupo: Fran da Vila é o responsável pelas fantasias, Francis Santos comanda as alegorias e Leandro Santana é o responsável pelo enredo. E foi o último citado quem revelou o título do enredo, sendo aplaudido por todos:
Ao contrário da dinâmica que normalmente acontece em uma escola de samba, a ideia do enredo veio de uma pessoa bastante próxima da presidente, e não da Comissão de Carnaval da agremiação. A própria Maralice explica: “Na realidade, esse enredo foi a gente quem sugeriu dessa vez. Essa temática era um sonho mais do meu marido. Nós levamos para os carnavalescos e eles adoraram a ideia, compraram a ideia na hora. Com base nisso, desenvolveram tudo. Normalmente, o carnavalesco traz a temática; mas, dessa vez, nós quem levamos. Foi diferente esse ano. Era o que a gente esperava – e, aí, eles melhoraram, é claro. A gente tem uma ideia e o trabalho artístico é deles”, revelou.
Aceitação imediata
Um pedido presidencial dificilmente é recusado, e todos os responsáveis pela Imperatriz da Pauliceia gostaram da sugestão da mandatária da escola. Fran da Vila, inclusive, destacou que fazia coro para que a linha da agremiação tomasse tal rumo: “Na verdade, como já estou há mais tempo na escola, antes de assinar o enredo desse ano, eu já vinha cobrando da presidente Maralice um tema mais forte, um tema afro. Ela falava que ia pensar e, após a apuração de 2025, ela falou que faríamos um tema afro”, resumiu.
Leandro foi além, explicando a importância de tal temática: “Quando a presidente trouxe essa temática, foi uma reação muito positiva. Primeiro, eu acho que sempre que nós, enquanto escolas de samba, exaltamos histórias, sejam elas quais forem, relacionadas à temática afro-brasileira, para mim sempre é uma maneira da gente também estar nessa luta, estar manifestando, estar resistindo. Não tem como a gente falar de escola de samba sem falar das origens e das raízes que construíram essas escolas de samba. Foi, na realidade, uma sugestão muito bem-vinda porque parte também de alguém que entende desse universo e que olha com respeito sobre isso. É sempre muito bom quando vem uma proposta que a gente acha interessante e que a gente consegue enxergar que dá para gente trabalhar junto, em um caminho em comum. Foi maravilhoso”, descreveu.
Mais conciso, Francis focou no resultado e na importância do trio para o desenvolvimento da temporada na Imperatriz da Pauliceia: “A primeira impressão foi a deque nós vamos estar fortes esse ano. Que dê tudo certo! Uma boa sorte para a gente. A Mara já havia pensado bem antes nisso e, agora, nós três vamos fazer a diferença”, destacou.
Mostrando que o pensamento é unânime na agremiação, Percio Junior, o Batata, diretor de carnaval da escola, revelou que até mesmo os enredos além de 2026 já estão sendo geridos: “Na realidade, a gente já tinha um enredo pronto. A gente tem algumas ideias de enredos que vem lá de trás. Quando vai terminando o carnaval, a gente começa a abrir a gaveta e colocar as ideias na mesa. Em relação a esse enredo, o marido da presidente já tinha falado há uns dois anos. Sempre tem um enredo pronto no qual estamos trabalhando, mas já temos algumas ideias para os próximos anos. A gente começa a escolher dentro daquilo que a gente já tinha no decorrer dos anos. A gente estava esperando um momento um pouco melhor, tínhamos outras ideias que a gente achava que era mais adequado em relação aos momentos que a gente estava vivendo. Agora, chegou a hora de a gente começar a abordar esse assunto e ir para a linha mais afro. Essa é a hora certa, colocamos na mesa e começamos a desenvolver”, comentou.
Setores fluidos
Destacando que o fio condutor do desfile não terá grandes diferenciações entre o começo e o final da apresentação, Leandro comentou que o tempo mais exíguo exige soluções criativas: “A gente tem, primeiro, a realidade do Grupo de Acesso II. Narrativamente falando, o desfile desse pelotão é mais enxuto – e o enredo leva isso em consideração. Ele é desenvolvido de uma maneira sem necessariamente ter essa segmentação em partes. A gente pensa o enredo mesmo como um todo, que seja facilmente acessível para quem está na arquibancada assistindo o desfile. A gente não tem essa preocupação em setorizar o desfile. Ele é um grande todo que vai ser perceptível. A própria narrativa dele engloba um grande setor, mesmo. A gente compreende isso entre as alegorias, sobretudo”, comentou.
Vale destacar que, de acordo com o título que foi apresentado de cada uma das fantasias, cada ala terá como nome um orixá – como Iemanjá, Iansã e Logun Edé. Elas, inclusive, foram elogiadas por Fran: “Nossas fantasias são um impacto para o carnaval de São Paulo. Aproveitamos o lançamento do enredo para fazer, também, a apresentação dos nossos protótipos. O Grupo de Acesso é muito forte e muita gente vai ficar surpresa com o nosso trabalho”, afirmou.
Daqui em diante
A agremiação já está a pleno vapor pensando no carnaval de 2026. Prova disso são os números revelados pelo Comissão de Carnaval. Francis revelou que os carros alegóricos começarão a ser produzidos ainda no primeiro semestre do ano: “Em relação às alegorias, já está tudo planejado e, a partir do dia 30 de junho, já vamos começar a mexer nos carros alegóricos”, comemorou.
Fran trouxe números ainda mais positivos em relação às indumentárias: “Já estamos com 70% das fantasias prontas, já. Faltam alguns detalhes. Creio que até final de agosto, começo de setembro, já esteja tudo pronto”, tranquilizou o torcedor.
Por fim, Batata destacou as próximas datas ligadas à agremiação – começando com a canção que será cantada pela Princesinha no Anhembi: “O samba-enredo, a princípio, a gente está pensando em fazer um lançamento pela internet. Não está descartada a ideia de uma festa para poder fazer o lançamento do samba, porém. A gente ainda está ouvindo as obras, temos aí mais ou menos doze sambas concorrentes, a gente ficou muito feliz com esse número. E tem uns sambas que estão dando uma confundida na nossa cabeça, que realmente estão muito dentro da linha que a gente realmente acha ideal para a escola. Pode ser que, na segunda quinzena de agosto a gente já tenha escolhido o samba”, refletiu.
A mente do diretor de carnaval, entretanto, não está apenas no samba-enredo, como ele próprio revela: “A gente, nesse momento, está começando a olhar muito para os ensaios. A gente está mudando todo o nosso planejamento de ensaio: nós vamos mudar a metodologia de ensaio, fazer alguma coisa que se encaixa mais com a nossa comunidade. A gente está muito focado em, a partir de outubro, mandar ver nos ensaios. Eu e toda a diretoria estamos preocupados em fazer esse planejamento dos ensaios. Vai ter a festa das alas no dia 06 de outubro, a gente faz um porco no rolete, é o terceiro ano que a gente faz, com samba e um bailão de carnaval. A gente vai fazer uma coisa um pouquinho diferente, com um bloco, uma roda de samba no gogó com todo mundo em volta, sem nada ligado”, finalizou.