Inocentes abraça comércio popular de todo o país com setor sobre imigrantes e mercados populares
O segundo setor da Inocentes de Belford Roxo trouxe uma homenagem aos comerciantes que vieram de longe para se estabelecer no Brasil , como árabes, judeus, chineses, e turcos, que contribuíram para a criação de diversos mercados e feiras país a fora, como o Ver-o-Peso em Belém, o Mercado de Belo Horizonte, o Mercado Modelo de Salvador, o Centro de Tradições Nordestinas no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e o Mercado Municipal de São Paulo.
O segundo carro veio cheio de referências a esses locais, como o vitral que enfeita o prédio paulistano como costeiro da alegoria, junto da arquitetura marcante do Centro de Tradições Nordestinas, as garrafadas vendidas no Ver-o-Peso, com uma escultura de baiana e seu tabuleiro na frente do carro, enfeitados com fitas do Senhor do Bonfim. As alas passaram por diferentes mercadores que formaram o comércio popular no país, em tons de roxo, azul e branco.
Alguns integrantes de alas desse setor citaram as inspirações de suas fantasias, assim como dois destaques do carro, e contaram sobre como o setor foi desenvolvido ao CARNAVALESCO.
Uma das alas, foi sobre os mercadores chineses, que influenciaram a formação das feiras livres no Brasil, através de uma cultura empreendedora, onde uma das integrantes, Marinês de Camargo, de cinquenta e dois anos, falou um pouco sobre a fantasia: “A gente representa esse mercador chinês que vem trazer a contribuição da China para o nosso mercado informal. Na década de 80 e 90 era tudo do Paraguai. Atualmente são os produtos Made in China. Então, a gente vem representar a contribuição chinesa ao mercado informal”. Sobre a estrutura da fantasia, além de linda e leve, ela comentou sobre os detalhes: “A estampa do cetim tem os dragões chineses. Eu achei isso interessantíssimo, eu adorei. Mas a fantasia em si está toda bonita”, finalizou.
A ala seguinte, falando sobre os mercadores judeus, veio com tons de azul, trazendo objetos comercializados por eles, como tachos e talheres, em partes da fantasia. João Pedro Monteiro, um dos membros da ala, contou um pouco sobre o setor e sobre a ala em si: “Todo esse setor aqui vem com alas de comerciantes, brasileiros, chinês, judeu, árabes, esses povos que formaram o comércio do Brasil. A gente como comerciantes judeus, também formamos aqui”. Ele finalizou citando a fantasia em si: ” Está muito bonita a fantasia, gostando muito, está muito confortável. Ela é cheia de detalhes, com os itens comercializados, acho uma fantasia muito interessante”.
“A ala vem falando dos árabes, mostrando a importância desses trabalhadores informais, que foram muito prejudicados”, contou Lindomary Lacerda, de cinquenta e nove anos, sobre a ala dos Mercadores Árabes, na qual desfilou. Essa ala trouxe os comerciantes que ao introduzirem novos produtos, como botões e agulhas presentes na fantasia, para a confecção de roupas, contribuíram para o fomento do mercado no país, especialmente no acabamento e personalização dos tecidos.
Os destaques do carro por sua vez vieram como elementos específicos desses locais de comércio ao longo da história, como as especiarias e as jóias de crioula.
Paulo César, um dos destaques, veio trajado de marajá representando tanto o comércio do SAARA com as especiarias. “O enredo fala dos camelôs, e no SAARA, que é próximo de nós, na Uruguaiana, tem uma vasta extensão de camelôs, e eu vir justamente representando ele nesse carro dois, e as especiarias”. Além disso, ele deseja conhecer algum dos mercados representados na alegoria: “Ainda não tive a felicidade de conhecer algum deles, espero que logo após a vitória da Inocentes, com o respeito às co-irmãs, eu vá conhecer algum deles”.
“Eu represento as jóias de crioula, os balangandãs que elas, com dinheiro, compravam, os amuletos da sorte, figas, romãs”, Newton Paracambi, outro destaque, que veio a frente da imagem da baiana, contou. Ele costuma fazer uso do Mercado Municipal de São Paulo para comprar os materiais que utiliza: “Mas sempre vou muito a passeio lá, também”.
Samba-enredo funciona e comunidade dá o recado, mas Estácio de Sá peca em evolução, estoura o tempo limite e compromete desfile
Por Luan Costa e fotos de Nelson Malfacini
A Estácio de Sá foi a quinta escola a pisar na avenida na primeira noite de desfiles da Série Ouro. Com um enredo que resgatou suas origens africanas e samba na boca povo, o berço do samba levantou o público na Sapucaí, tendo a comunidade como um dos grandes destaques da noite através de um canto forte. A vermelha e branca realizou um desfile aguerrido e de chão quente, porém, problemas de evolução durante todo o percurso fez com que os componentes corressem no final, ocasionando o estouro do tempo regulamentar em um minuto.
Apresentando o enredo “Chão de devoção: orgulho ancestral”, desenvolvido pelo carnavalesco Marcus Paulo, a escola propôs falar do povo preto que disseminou sua cultura e transformou a diáspora africana em solo brasileiro através da arte, religião e dança. A agremiação terminou sua apresentação com 56 minutos e largará na apuração com menos um décimo.
Comissão de Frente
A comissão de frente coreografada por Ariadne Lax foi intitulada “Cabindas e Congoleses: Festejos, Rituais em Liberdade e os Destinos”, e composta por 15 componentes mistos entre homens e mulheres. A comissão apresentou as personagens centrais do enredo, Cambinda e Maria da Conceição, suas histórias, permeadas por rituais de nascimento, celebrações culturais e manifestações artísticas foram retratadas na avenida.
A comissão passou pela avenida de forma impactante e dramática, foi possível sentir a força energética empregada pelos componentes do início ao fim da apresentação. Toda a dor e luta que as personagens centrais do enredo passaram durante sua trajetória foram retratadas na comissão. A dança e a teatralização estiveram lado a lado, momentos do sequestro e açoite levaram o público a sentir angústia e se envolver ainda mais com o que era mostrado. No fim, uma troca de roupa simples mostra os orixás em um ritual de libertação e selando o novo destino de Cambinda e Maria Gonga, a utilização do tripé foi fundamental para que a história fosse contada.
Mestre-sala e Porta-bandeira
A dupla formada por Feliciano Junior e Thais Romi dançaram juntos pela primeira, ele, muito experiente e defendendo o pavilhão da Estácio há anos, conduziu de forma encantadora sua companheira. Coube a Rute Alves apresentar o casal ao jurados, logo no início, a porta-bandeira entrou no campo de visão do júri com uma sequência de giros muito bem executados, a dupla demonstrou muita sintonia e leveza nos movimentos. Houve coreografia no final da apresentação, no momento do samba que remete as pretas velhas eles faziam movimentos mais suaves e se curvaram.
A fantasia do casal foi predominantemente em tons vermelhos com detalhes brancos e pretos. Denominada “O Som do Batuque aos Ventos da Liberdade Embalam a Dança”, a indumentária representou os traços culturais dos povos do solo rico e avermelhado congo-angolano e chamou atenção pelo ótimo acabamento.
Enredo
O carnavalesco Marcus Paulo foi o responsável por desenvolver o enredo “Chão de devoção: orgulho ancestral”, que contou a história de “Kianda e Mwana Ya Sanza”, Cambinda e Maria Conga, que, mesmo escravizadas quando meninas, lutaram para implementar sua cultura. A história delas foi o fio condutor para falar da resistência dos povos africanos que foram trazidos ao longo da história do Brasil e como eles conseguiram manter a sua história, apesar dos horrores da escravidão. Apesar de denso e aparentemente triste, o enredo se mostrou um dos grandes destaques da escola por sua força e forma que foi apresentado.
O carnavalesco optou por contar essa história através de quatro setores, tendo como abertura “Livres como a brisa dos ventos costeiros e das savanas”, logo em seguida “Liberdade, festas e rituais”, “O destino: plantaram suas sementes e tem até hoje suas histórias mantidas pela oralidade”, “Orum: a consagração e a coroação no reino das almas” e “Estácio de Sá: chão de devoção e de orgulho da ancestralidade”.
Alegorias e Adereços
O berço do samba apresentou um conjunto alegórico modesto, mas que contou o enredo de forma clara, o carnavalesco Marcus Paulo trouxe o impacto através das cores, foi uma representação diferente do que costumam representar como África. No total, foram apresentados três alegorias e dois tripés, sendo que duas alegorias atrapalharam o bom desenvolvimento do enredo por conta de problemas de acoplamento.
O leão, símbolo da agremiação e motivo de orgulho de seus torcedores esteve presente em uma grande escultura no carro abre-alas, denominado “África – Congo-Angola”, na altura do setor três (módulo um e dois), o carro travou e enfrentou problemas para acoplar, já a segunda alegoria, “O carinho matriarcal e a proteção lendária na travessia” representou a fé, os amuletos e seres que ajudaram durante a travessia, foi a alegoria mais problemática do desfile, desde o início ela se mostrou fora de rumo, no setor três ela avançou para cima das grades e depois seguiu até o final com dificuldades para se manter no prumo.
Na sequência, o tripé “Bravura que ficou na história: o Quilombo de Maria Conga” mostrou o Quilombo de Maria Conga, que servia de abrigo e dava proteção aos negros refugiados, o tripé pecou pela falta de adereço, o mesmo foi visto no segundo tripé “Estácio chão de fundamento e devoção”, que trouxe o grupo de fundadores da reconhecida como primeira escola de Samba do Brasil, além disso, a falta de iluminação também foi observado.
A alegoria que fechou o desfile da vermelha e branca teve como nome “Chão de devoção e culto a ancestralidade”, novamente, a escultura de um leão se fez presente, desta vez ao lado das Pretas Velhas Cambinda e Maria Conga, o carro era predominantemente branco d alguns grafismos pretos permearam o carro.
Fantasias
O conjunto visual apresentado pela Estácio de Sá foi de extremo bom gosto, o carnavalesco Marcus Paulo optou por levar para a avenida uma paleta de cores diversa com o vermelho e branco permeando todo o desfile. No total foram 23 alas, em sua maioria com muito volume, uso de penas artificiais e outros materiais que engrandeceram as indumentárias. Como destaque ficam as alas: “Festejos nas aldeias: Povo de lá e de cá, Cabindas e Congoleses, “A dor e o destino”, “o ser lendário de proteção”, além da ala de baianas, que representou a culinária afro-brasileira. Todo o destaque também para a fantasia da ala de passistas.
Harmonia
Um dos grandes pontos de destaque da escola foi a harmonia apresentada, durante todo o desfile foi observado uma constância no canto da comunidade, o componente estaciano entrou na avenida com muito vigor, as primeiras alas gritavam o samba com muita empolgação, nem mesmo os problemas de evolução foram capazes de diminuir o brilho. A dupla de intérpretes Tiganá e Charles Silva demonstraram muito entrosamento e impulsionaram o samba juntamente da bateria de mestre Chuvisco, que se apresentou de forma impecável por toda a avenida. Além das primeiras alas, o fôlego se manteve durante toda a escola, as alas do último setor, apesar de passarem de forma mais rápida pelos módulos de julgamento, cantaram com a mesma empolgação. Vale deixar registrado a raça e força apresentada pela ala de passistas da agremiação, extremamente numerosa e bem vestida, os componentes deram um verdadeiro show na avenida.
Samba-Enredo
Apontado durante todo o pré carnaval como um dos melhores sambas do grupo, a obra dos compositores Júlio Alves, Cláudio Russo, Magrão do Estácio, Filipe Medrado, Thiago Daniel, Diego Nicolau, Tinga, Dilson Marimba, Guilherme Karraz, Barbara Fonseca, Telmo Augusto, Adolfo Konder, Fernando César e Marquinhos Beija-Flor foi um dos grandes destaques do desfile. Todo o samba possui letra fortíssima e a história contada no enredo foi toda transmitida através dele. A obra foi cantada de forma uniforme pela Sapucaí, porém, os refrões tiveram mais destaque, muito por conta das paradinhas do mestre Chuvisco. O público foi junto com a Estácio, os versos que antecedem o refrão do meio chamam naturalmente o canto da comunidade, assim como o próprio refrão. Mesmo algumas palavras mais difíceis como “Kianda! Mwana tá Sanza” foram cantadas no mesmo nível que as outras, foi um grande acerto do início ao fim.
Evolução
O quesito mais prejudicado no desfile da vermelha e branca foi a evolução, desde o início a escola sofreu com o acoplamentos de carros e viu um buraco perceptível ao olho dos jurados ser formado logo na primeira cabine, ao longo do desfile, por conta de um problema na segunda alegoria, a escola precisou segurar o ritmo, durante alguns minutos as alas não evoluíram, somente no setor três a escola ficou parada por mais de cinco minutos. Outro problema observado foi após a entrada da bateria no recuo, a escola apertou o passo e ficou visível o desconforto de alguns componentes, no final, houve uma correria nas últimas alas e a bateria se apresentou às pressas na última cabine de julgamento, mesmo assim a escola finalizou o desfile com 56 minutos e largará com um décimo a menos na apuração.
Outros Destaques
A Estácio de Sá levantou o público presente na Sapucaí, o samba-enredo estava na boca do povo e a bateria de mestre Chuvisco promoveu inúmeras paradinhas e coreografias que contribuíram ainda mais para que o público se jogasse no desfile da vermelha e branca.
Inocentes de Belford Roxo faz desfile luxuoso, mas com problemas de evolução
Por Raphael Lacerda e fotos de Nelson Malfacini
Com o enredo “Debret pintou, camelô gritou: ‘Compre 2, leve 3! Tudo para agradar o freguês”, a Inocentes de Belford Roxo foi a quarta agremiação a desfilar nesta sexta-feira de Carnaval. Marcada por um desfile luxuoso com grandes alegorias e bem acabado, a Caçulinha da Baixada também teve como destaques o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira e a alegria da comunidade. Apesar do bom desfile, a escola de samba apresentou problemas de evolução e chegou a ter um buraco em frente ao primeiro módulo de jurados, que é uma cabine dupla.
Comissão de Frente
Comandada pela coreógrafa Juliana Frathane, a comissão de frente representou o primeiro baile imperial realizado por Dom João VI. Entre os ilustres convidados, surgia um camelô que apresentava o comércio ambulante da época. Com 15 bailarinos – sete mulheres e oito homens -, a equipe fez uma apresentação rica em detalhes. Destaque para a troca de roupas durante a transição entre os momentos da apresentação.
Apesar da ótima performance, o tripé do segmento travou no primeiro módulo e ocasionou um buraco ao final da apresentação. Já no terceiro módulo, um adereço da fantasia caiu da cabeça de uma das componentes.
Mestre-sala e Porta-bandeira
A dupla fez uma homenagem à Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião. Luxuosa, a fantasia do mestre-sala Matheus Santos homenageou o padroeiro do Rio de Janeiro, enquanto a da porta-bandeira Jaçanã Ribeiro representou Nossa Senhora do Carmo. Com um estilo mais clássico, o primeiro casal apresentou muita sincronia, e expressão entre os dois. Experiente, Jaçanã conduziu o pavilhão com muita classe. Destaque, também, para os torneados e o maneio do mestre-sala. A apresentação foi muito positiva em todas as cabines de julgamento. A dupla foi apresentada pelo primeiro casal do Paraíso do Tuiuti, Raphael Rodrigues e Dandara Ventapane.
Enredo
Com o enredo “Debret pintou, camelô gritou: compre 2 leve 3! Tudo para agradar o freguês”, dos carnavalescos Marco Falleiros e Cristiano Bara, a Caçulinha da Baixada levou para a Avenida a arte dos camelôs e a importância do comércio ambulante ao longo da história do país. A agremiação usou as pinturas de Debret como inspiração para o desfile. Os carnavalescos abusaram da criatividade e conseguiram passar a mensagem do enredo de forma bem simples e alegre.
Alegorias
A Inocentes desfilou com três alegorias e três tripés – sendo um deles na comissão de frente. O abre-alas, que representou “A embarcação e a visão do paraíso tropical”, levou para a Avenida a chegada da missão francesa em terras brasileiras e o cenário tropical deslumbrante. À frente da embarcação, a mulher sereia – que segundo a lenda levava sorte, pacificava os deuses do mar e garantia o bom tempo – chamou atenção pelo bom acabamento. Destaque para a terceira alegoria, que representou o comércio ambulante nos trens do ramal Belford Roxo e retratou com fidelidade o dia a dia dos trilhos fluminenses. Passando pelo bairro de Madureira – representado pelo mercadão e pelas bandeiras do Império Serrano e da Portela -, Pavuna e, finalmente, a Central do Brasil. O segundo tripé representou o Baú da Felicidade, e trouxe a representação de Silvio Santos – que foi camelô da Zona Norte do Rio de Janeiro.
Fantasias
Assim como as alegorias, as fantasias chamaram atenção pela luxuosidade, riqueza de detalhes e pelo bom acabamento. Os destaques foram as baianas, que representaram a mãe de Dom João VI – à época apelidada de louca devido aos seus surtos psicóticos -, e a ala nove, que fez referência aos comerciantes chineses. Cada ala representou fielmente a diversidade do comércio ambulante no país.
Harmonia
Comandante do carro de som de Belford Roxo, o intérprete Thiago Britto conduziu o desfile da agremiação com muita maestria. A comunidade abraçou o samba-enredo e mostrou um canto regular – para bom – e cantaram de forma muito satisfatória. Ao todo, a harmonia da escola fez um bom trabalho e não mostrou discrepância entre as alas.
Samba-enredo
A obra, de autoria dos compositores Cláudio Russo, Thiago Brito, Zé Luíz, Chico Alves, André Félix e Altamiro, apresentou um bom rendimento na avenida e realçou o tom alegre da mensagem do enredo. O ápice entre os componentes foi no refrão “Você não vai comprar a minha alegria”. A melodia do samba também facilitou o canto da comunidade.
Evolução
Ainda na primeira cabine, o tripé da comissão de frente enfrentou dificuldades, o que resultou em buraco de frente aos jurados. No terceiro módulo, o tripé que representou Debret também evoluiu com dificuldades, mas não ocasionou grandes espaços. Já os componentes fizeram jus ao enredo, e desfilaram com muita alegria e leveza. Outro destaque negativo foi o grande número de pessoas com camisa de diretoria, que caminhavam pela lateral de diversas alas. O desfile foi encerrado aos 55 minutos.
Outros Destaques
Destaque para o bom entrosamento entre o carro de som e a bateria do mestre Washington Paz, que foi fundamental para levantar o canto da comunidade da Caçulinha da Baixada.
Segundo carro da Estácio de Sá representa a luta das mulheres
A Estácio de Sá foi a quinta escola a desfilar nesta sexta-feira, no primeiro dia de desfile da Série Ouro do Carnaval carioca. Em seu segundo carro, chamado de “Terrível travessia: fé e proteção”, a escola mostrou o poder feminino e como, através da fé crenças, o amor materno foi essencial para resistir à luta.
O carro trazia um barco preto, representando a luta dos negros que atravessaram o oceano. Na frente, dois peixes foram colocados em cima de uma estrela do mar com detalhes azul.
A agremiação retratou em seu enredo a trajetória de “Kianda e Mwana Ya Sanza”, Cambinda e Maria Conga, duas mulheres que, desde jovens, foram submetidas à escravidão, mas lutaram incansavelmente para manter viva sua herança cultural.
Jessica Pinha, de 43 anos, é pediatra e estava feliz e ansiosa por estar representando seu pavilhão pelo décimo ano consecutivo. “É muita emoção!”, disse emocionada. “A Estácio foi a primeira escola de samba, e o enredo deste ano fortalece as mulheres, principalmente as negras. Esse carro aqui representa um pouco disso, dessa luta das mulheres”.
A narrativa serviu como elo para explorar a tenacidade dos povos africanos trazidos ao Brasil ao longo da história e como conseguiram preservar sua identidade, apesar dos desafios cruéis impostos pelo sistema escravista.
A francesa Claire Poriel, é apaixonada pelo Carnaval carioca. Falando o português fluente, ela conhece a escola e veio preparada e sabendo de tudo sobre o carro em que desfila. “Eu sou francesa, vou desfilar pela primeira vez aqui no Carnaval do Rio. Então, eu fico com muita emoção. Bom, eu li que esta é a primeira escola de samba”, disse com os olhos brilhantes.
Fátima Tavares, de 66 anos, é professora e ritmista no chocalho. Foi convidada a desfilar no carro este ano e está “experimentando a sensação”. Ela defende o enredo e a alegoria da escola: “É porque a mulher agora, graças a Deus, está sendo mais valorizada. A gente está externando toda a problemática social. Eu estou aqui representando a luta, as guerreiras, as poderosas, que estão assim botando para quebrar na nossa sociedade”.
“É sobre a história ancestral. Porque fala também da Maria Conga e tudo isso. São as mulheres, a força da mãe, da feminilidade. É Perfeito”, completou Claire.
Alegoria da Estácio faz homenagem às pretas velhas
A escola de samba Estácio de Sá foi a quinta a desfilar nesta sexta-feira de crnaval, no primeiro dia de desfile da Série Ouro do Carnaval carioca. O 3º carro da agremiação, chamado “As pretas velhas mães de todo estaciano. Respeito à ancestralidade e devoção desde a fundação” representou as líderes espirituais.
A alegoria da escola era preta e branca, com detalhes em azul e verde. Na frente do carro, foi possível ver um leão amarelo. Duas figuras de mulheres negras, no meio da alegoria, representavam as pretas velhas. O carro desfilou com componentes jovens e com velha-guarda, representando a ancestralidade.
“É uma emoção, eu to muito feliz. A gente está aqui na maior adrenalina, vem com toda força, com muita garra, com muito amor, muito carinho e muito samba”, disse Nazaré Oliveira, de 70 anos, emocionada por desfilar pelo décimo ano na escola.
O enredo de “Kianda e Mwana Ya Sanza”, Cambinda e Maria Conga, duas figuras que, embora tenham sido escravizadas desde a infância, travaram uma batalha pela preservação de sua cultura.
“Esse carro aqui, ele está homenageando essas mulheres maravilhosas”, disse a demonstradora Raiane Rangel, de 30 anos. Ela era ritmista na escola, mas está desfilando no carro este ano. “Desfilar no carro é uma sensação que eu não sei te explicar. O nervosismo, a alegria, é tudo ao mesmo tempo. Essas mulheres fazem parte do espiritismo, e vamos combinar, a nossa preta velha que protege todos nós”, completou.
O enredo da escola serviu como um elemento central para abordar a resistência dos povos africanos trazidos ao Brasil ao longo dos séculos e como eles foram capazes de preservar sua identidade, apesar das adversidades impostas pela escravidão.
“É a escola que me fez gostar do samba. É a primeira escola do Brasil pra quem não conhece”, disse Vanderlei da Cruz, de 76 anos, ao ser questionado sobre o sentimento de desfilar na escola. “Meus ancestrais são pessoas que sempre cultuaram e até hoje cultuam essa religião. Nós temos o maior respeito com a vovó Cambinda. A gente tem uma relação muito grande”, completou.
Baianas da Estácio levam para Avenida o sabores da fé, destacando a culinária afro-brasileira
As baianas da Estácio de Sá desfilaram pela Marquês de Sapucaí representando “os sabores da fé”, evocando a culinária afro-brasileira, oriunda dos escravizados. Elas vestiram um traje branco rendado com detalhes vermelhos e amarelos, além de chapéus que fazem alusão às oferendas. O desfile fez uma homenagem às mulheres negras e à sabedoria transmitida por elas ao longo da história, arte e fé, destacando o aprendizado e o legado racial.
Edivaldina Santana, conhecida como Dina, compartilha sua experiência de desfilar como baiana: “A fantasia das baianas representa muito para mim, porque eu sou baiana de verdade, e a gente sente na pele, chega a se arrepiar quando a gente vai entrando, porque mexe com o povo de verdade e aí é muito bom, muito bom mesmo. Adoro também desfilar como baiana, faço isso há muitos anos e eu adoro, eu sei fazer tudo, acarajé, xixim, vatapá, caruru, tudo é comida, eu sei fazer. Também nasci e fui criada lá, né? É muito importante para nós, baianos, é muito bom.”
“Olha, o que representa para mim é a primeira vez que estou saindo, sou marinheira de primeira viagem, mas representa tudo, a fé principalmente. Até nós estamos falando dos pretos velhos, das almas. Então isso representa muito, até por eu ser espírita, para mim representa demais. Ah, eu tô amando, tô amando mesmo. E eu tô torcendo para que a escola suba”, comentou Deuci Pereira de Araújo, de 74 anos.
Maria Silva das Chagas Ferreiras, que desfila há cinco anos na escola, compartilhou um pouco sobre o que representa o carro abre alas para ela: “Para mim, representa o acarajé da Bahia, que é um sabor bem saboroso, já experimentei bastante, bem apimentado. Na Bahia é quente, você não pede frio, né? Então você quer um prato quente. Quando você pergunta o prato quente, você pensa logo no acarajé, que é muito gostoso. Eu sou do Piauí, vim para o Rio de Janeiro, tinha 18 anos, já tenho 40 anos aqui no Rio de Janeiro”.
Freddy Ferreira analisa a bateria da Estácio de Sá no desfile
Uma apresentação excelente da bateria “Medalha de Ouro” da Estácio de Sá, comandada por mestre Chuvisco. Uma conjunção sonora impecável foi produzida, com equilíbrio e fluência entre todos os naipes. Bossas com bastante integração musical, em especial a com coreografia do refrão principal, levantaram o público do sambódromo por onde o ritmo estaciano passou.
Uma parte de trás do ritmo da Estácio com sua tradicional afinação de surdos mais pesada foi notada. Surdos de primeira e segunda foram precisos e firmes durante o desfile. Surdos de terceira contribuíram com um envolvente balanço. Assim como repiques de imensa qualidade técnica tocaram de modo integrado a um naipe de guerras esplêndido. Com sua peculiar batida com levada de partido alto, é possível dizer que as caixas estacianas simplesmente brilharam. A cozinha da bateria da “Medalha de Ouro” ainda contou com o auxílio luxuoso de atabaques, que atuaram tanto no ritmo, quanto em bossas.
A cabeça da bateria da Estácio apresentou um grande naipe de tamborins, que executou um desenho rítmico simples, mas eficiente, totalmente integrado ao belo samba-enredo da vermelha e branca do morro do São Carlos. Um naipe de agogôs com uma convenção baseada na melodia do samba contribuiu no preenchimento da sonoridade das peças leves, junto de uma ala de chocalhos de virtude musical, além de um cuícas seguras e coesas.
As bossas da Estácio se aproveitavam das variações melódicas da linda obra para consolidar seu ritmo. Destaque para toda a interação popular envolvendo a paradinha do refrão principal, onde ritmistas dançavam para um lado e para o outro, curvados, como se fossem “Vovó Cambinda” e “Vó Maria Conga”, atrelando a sonoridade produzida ao enredo da agremiação.
A apresentação para a primeira cabine (módulo duplo) foi simplesmente apoteótica, arrancando aplausos de todos os julgadores, além de deixar a plateia eufórica. Na segunda cabine outra boa e segura apresentação, embora menos impactante que a inicial. Na última cabine, com tempo próximo de estourar, só foi possível fazer uma única bossa, mas executada de forma eficiente e fechando com chave de ouro o grande desfile da bateria da Estácio de Sá, dirigida por mestre Chuvisco.