O Paraíso do Tuiuti foi a quinta escola a desfilar, nesta segunda-feira (12), no segundo dia de apresentação do Grupo Especial do Rio. A escola, com o enredo “Glória ao Almirante Negro”, no seu terceiro carro apresentou a alegoria “O dragão do mar reapareceu na figura de um bravo Marinheiro”.
A alegoria mostra o momento em que João Cândido, inspirado no Dragão do Mar, lidera a revolta da chibata. O carro é vermelho e dourado. Um dragão com os olhos vermelhos aparece na frente do veículo com diversos canhões em volta. No topo da alegoria, componentes levantam a bandeira com os dizeres “escrevidão nunca mais”. A fantasia dos componentes, chamada de “A Revolta do Dragão do Mar”, é uma fantasia em um tom escuro de prata e brilhante.
O vendedor Jeferson Braga desfila na escola há 10 anos. Ele explicou a importância do significado da alegoria no momento atual do país.
“No Brasil ainda existe racismo. O nosso desfile fala sobre isso e é uma forma de protestar contra os racistas, protestar sobre a nossa cor, sobre a nossa dignidade. O povo preto só quer o seu espaço, a gente só quer lutar. A pele negra é isso, ser negro é tudo, ser negro é raiz”, disse emocionado.
A revolta da Chibata, que aconteceu de 22 a 27 de novembro de 1910, foi uma rebelião promovida por membros da Marinha do Brasil. Os marinheiros se insurgiram contra os superiores em navios localizados na Baía de Guanabara, impulsionados pelo desejo de pôr fim aos castigos corporais aos quais eram submetidos.
“É um absurdo que ainda exista racismo. Esse carro representa a luta por um mundo onde todos as pessoas devem ser tratadas como iguais”, defendeu o segurança Eduardo Martins. Ele desfila na escola há 3 anos e se sente emocionado por defender sua agremiação mais uma vez. “A fantasia é perfeita, leve e confortável. Se fosse pesada eu usaria também, eu faço tudo por essa escola.”
No carnaval de 2024, o Paraíso do Tuiuti narrou a vida de João Candido, conhecido como o Almirante Negro, que foi o comandante da Revolta da Chibata em 1910. A escola homenageou o líder e o consagrou como um importante herói nacional.
“A gente tem que falar sobre racismo, a gente tem que lutar contra o racismo e lembrar desses atos que marcaram a história do Brasil”, explicou a operadora de caixa Kelly Medeiros, de 42 anos, ao ser questionada sobre a importância da alegoria. “Não podemos ficar parados enquanto as pessoas ainda estão sofrendo”, completou.
O carro abre alas do Paraíso do Tuiuti veio para Avenida representando a “República. Abre as asas sobre nós, um novo velho por vir”, a história do carro abordou como a escravidão havia sido abolida por lei pouco tempo antes da Proclamação da República brasileira. Ainda ecoava altivamente na sociedade a herança de um período escravista de horror e as consequências de uma abolição que não foi feita de forma correta. O pensamento elitista de exclusão continuou à galope como um soldado fiel do país. O hino da República que se instalava, de autoria de José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque e Leopoldo Miguez, bradava versos como: “Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós! Nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre País… Hoje o rubro lampejo da aurora Acha irmãos, não tiranos hostis. Somos todos iguais!” Parecia alvissareiro. Mas nem tanto. Os pais de João Cândido Felisberto ainda eram escravizados quando ele nasceu. Mesmo “libertados”, continuaram a viver na mesma fazenda e trabalhando para o mesmo senhor. E essa era a realidade da maioria da população que foi jogada a própria sorte após a assinatura da lei Áurea e que a águia republicana e patriótica não conseguiu, ou nunca quis, acolher e lhes dar condições de dignidade. O poder mudou de mãos, mas a elite do país seguia tendo suas riquezas produzidas e sustentadas pelo povo. Para a população pobre, marginalizada, a república era uma novidade que já raiava velha no horizonte do Brasil.
As esculturas e algumas partes do cortejo do abre-alas tinham um aspecto envelhecido. A coroa, símbolo da agremiação, está presente contextualizando que vários conceitos e símbolos da época colonial e monárquica forma preservadas, como, por exemplo, as cores verdes. O site CARNAVALESCO conversou o diretor de carnaval, André Gonçalves, sobre o Carnaval 2024 da Paraíso do Tuiuti: “É uma nova expectativa para o nosso Paraíso do Tuiuti, mas para sim apresentar também a todos que o Tuiuti chegou, o Tuiuti chegou para fazer um belíssimo carnaval, para se apresentar na posição que ela está. Ela está e apresentar a todos que nós entramos num aquário de tubarões, um peixinho entrando num aquário de tubarões e fazendo bonito, indo lá nas profundezas, junto com o nosso João Cândido.”
A escola de São Cristóvão entrou na avenida homenageando a vida e história de João Cândido, que se empenhou na luta contra os maus-tratos, a má alimentação e as chibatadas sofridas pelos homens negros na Marinha do Brasil.
“Então essa aí foi uma grande surpresa da Paraíso do Tuiuti, viemos esse ano numa posição que teríamos que apresentar um belíssimo carnaval, e esse belíssimo carnaval já começa sendo apresentado pelo nosso abre-alas. Essa proporção aí de 140 metros, são três acoplados, três de pés na frente do carro, praticamente eu vou pegar todo o setor um ali para poder fazer essa montagem desses carros”, comentou André.
Sobre as suas expectativas para o resultado do carnaval, André revelou: “Expectativa está muito grande, não vou mentir, a gente fica um pouquinho nervoso com aquele calafrio, mas está tudo certo, vamos embora, Papai do Céu vai nos ajudar, nossos orixás vão estar à frente, exu abrindo os caminhos, vai dar tudo certo.”
Um desfile muito bom da bateria “Super Som” do Paraíso do Tuiuti, sob a regência de mestre Marcão. Uma conjunção sonora pautada pelo equilíbrio, boa equalização de timbres e andamento confortável foi produzida. Bossas dançantes foram apresentadas com segurança, no que tem tudo para ser um dos mais fortes quesitos da escola.
Uma cozinha da bateria do Tuiuti com uma afinação muito boa foi notada. Marcadores de primeira e segunda pulsaram com firmeza, mas sem excesso de força, garantindo a manutenção do andamento com eficácia. Surdos de terceira contribuíram com um balanço exemplar na parte de trás do ritmo da escola do bairro de São Cristóvão, tanto em ritmo, quanto nas bossas. Repiques coesos tocaram integrados a um naipe de caixas de guerra consistente e com boa ressonância.
Na parte da frente da bateria “Super Som”, uma ala de cuícas de elevada técnica ajudou no preenchimento sonoro das peças leves. Uma primorosa ala de chocalhos se exibiu com classe tocando entrelaçado com um naipe de tamborins de nítida virtude musical. É possível dizer que o casamento rítmico entre tamborins e chocalhos foi um dos pontos altos do Tuiuti, inclusive numa bossa arriscada em que fazem solo juntos.
Bossas altamente musicais possibilitaram apresentações potentes em cabines de jurados. Os arranjos com bastante entrosamento com a melodiosa canção do Paraíso, aproveitavam as nuances para consolidar o ritmo. No geral, se trata de um leque de bossas com certo refino, com destaque para o solo com tamborins e chocalhos, com surdo marcando. O arranjo desafiador e atrevido produziu uma sonoridade simplesmente sublime pela pista, sempre que exibido.
A apresentação na primeira cabine (módulo duplo) foi fabulosa, com direito a boa receptividade dos julgadores e certa ovação do público. Na segunda cabine, outra exibição enxuta e segura foi realizada, com direito a aplauso por parte do jurado. No último julgador, com tempo escasso para uma apresentação de todo o leque de paradinhas, somente uma bossa foi exibida, mas com firmeza, coroando o desfile muito bom da “Super Som” do Tuiuti, sob o comando de mestre Marcão.
Um excelente desfile da bateria da Estação Primeira de Mangueira, sob o comando da dupla de mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto. Uma conjunção sonora de raro valor foi produzida. Permitida graças a um andamento confortável, num ritmo marcado pelo equilíbrio sonoro. De muito bom gosto o respeito a cada solo das peças leves, num trabalho que destaca a educação musical dos ritmistas mangueirenses. Um leque de bossas musicalmente recheado possibilitou apresentações potentes para julgadores.
Na parte de trás do ritmo mangueirense, a tradicional afinação de surdos foi percebida. O timbre grave autêntico da primeira marcação contou com ritmistas firmes e precisos. Ritmistas tocando surdo mor ficaram responsáveis pelo balanço envolvente. Repiques coesos e bastante integrados foram soberbos. Caixas de Guerra com a genuína batida rufada da Verde e Rosa estiveram sublimes, dando base sólida de sustentação para os demais naipes. Timbaques também desfilaram em meio ao ritmo, preenchendo a sonoridade da cozinha da bateria da Mangueira.
Na cabeça da bateria da Estação Primeira, uma ala de xequerês auxiliou de forma primorosa, tanto no ritmo, quanto dançando e trazendo leveza à parte da frente da bateria. Os ganzás da Mangueira tocaram de modo entrelaçado com um naipe de tamborins absurdamente potente. Simplesmente incrível a musicalidade do desenho rítmico dos tamborins. Mesmo com complexidade foi executado com precisão cirúrgica. Uma ala de cuícas de virtude técnica também contribuiu no trabalho de alto nível envolvendo as peças leves. Agogôs de duas campanas (bocas) corretos também mostraram seu valor, adicionando um tom metálico num ritmo de predominância do timbre grave.
Bossas que exploraram as variações do melodioso samba mangueirense conduziram a bateria da Manga a apresentações consistentes em módulos. Destaque para uma bossa onde ritmistas tocam matracas e pandeirões, com o surdo Maracanã ecoando, numa grande homenagem à musicalidade dos bois do Maranhão. Um leque de paradinhas refinado, que com muito êxito atrelou o enredo sobre a ilustre maranhense à sonoridade produzida pela bateria da Mangueira.
Na primeira cabine, uma apresentação praticamente apoteótica foi realizada, arrancando aplausos de julgadores e ovação popular. A exibição na segunda cabine teve nível de excelência semelhante a primeira, em mais um verdadeiro show da bateria da Mangueira. Na última cabine de julgamento, é possível dizer que uma apresentação simplesmente mágica foi realizada, finalizando de forma monstruosa o grande sacode dado pela bateria da Estação Primeira de Mangueira, dirigida pelos mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto. A “Tem que Respeitar Meu Tamborim” fez um desfile magistral, com totais condições de garantir a almejada pontuação máxima.
Presidente de Honra da Vila Isabel, baluarte do Carnaval e um dos maiores artistas do país. Martinho da Vila completou 86 anos nesta segunda-feira e ganhou um presente especial da Azul e Branca do bairro de Noel: viu seu histórico Gbalá ecoar pela Passarela do samba, após 30 anos.
O sambista desfilou no último carro da agremiação, que retratou “O sagrado batismo”, uma representação das crianças purificadas após voltarem do Templo da Criação. Confiante no título, Martinho contou que o retorno à Passarela do Samba após 30 anos – e justamente no dia de seu aniversário – é motivo de muita felicidade.
“Para mim é algo impressionante, porque a Vila trouxe isso há 30 anos. O presente que espero será dado pela Vila Isabel: vamos ganhar o Carnaval. Gbalá é a salvação (risos). É o que diz o samba: é resgatar, salvar, socorrer e ajudar”, disse o baluarte.
A agremiação do bairro de Noel levou para a avenida o enredo “Gbalá – viagem ao templo da criação”. A obra, desenvolvida pelo carnavalesco Paulo Barros, foi uma reedição de um desfile que marcou o coração de uma geração de torcedores. À época criado pelo carnavalesco Oswaldo Jardim, o primeiro desfile foi comprometido por uma forte chuva que atingiu a região do Sambódromo. Segundo o presidente de honra, se não fosse o mau tempo, a escola brigaria pelo título.
“Se não fosse a chuva, teríamos chegado na frente. Foi um desfile muito bonito, mas caiu um temporal, e a escola também não estava com uma situação financeira muito boa. Mesmo assim fizemos um desfile que foi uma maravilha. Hoje, está tudo à favor da Vila”, contou.
O artista pôde reviver, em família, uma de suas maiores composições: seus filhos e netos desfilaram na Vila – cada um em uma ala. Para Mart’nália, que atravessou a Passarela do Samba tocando na Swingueira de Noel, participar da reedição de Gbalá foi a realização de um sonho. Em 1993 ela desfilou como puxadora do samba, junto aos irmãos.
“É uma segunda realização, porque da outra vez eu também desfilei. Também é um grande presente para o meu pai, o aniversariante do dia. É muito gratificante poder tocar um samba lindo como esse. Vai ser o samba de uma pessoa só que vai passar na Avenida. O grande presente dele foi o Gbalá na Sapucaí”, comentou a artista, que é filha do sambista.
Já a geração mais nova da família viveu pela primeira vez a emoção de Gbalá. Guido Ventapane, neto de Martinho, é ritmista da Swingueira de Noel e apaixonado por Carnaval. Segundo ele, tocar o samba do avô na avenida representou vivenciar a experiência vivida por sua mãe e seus tios.
“O presente do meu avô foi aqui na avenida e, se Deus quiser, na quarta-feira. Estar na bateria tocando um samba-enredo do meu avô é muito importante para mim, porque tive a oportunidade que a minha tia e a minha mãe tiveram em 1993. Hoje foi a minha vez de viver essa emoção. Foi um desfile muito importante para a Vila, espero que a gente consiga levar o caneco para Vila Isabel”, comentou Guido.
A Mangueira foi a quarta a se apresentar na Marquês de Sapucaí nesta segunda-feira de carnaval do Grupo Especial. A escola começou seu desfile com força total, em uma arrancada contagiante. Na comissão de frente veio o primeiro impacto, com uma apresentação cheia de energia, simbolismo e beleza. O casal de mestre-sala e porta-bandeira exibiu um lindo bailado, com bastante entrosamento, força e limpeza de movimentos. A harmonia foi de excelência, pois todos os componentes entoaram o samba-enredo com vigor. A atuação dos intérpretes e da bateria foi um grande espetáculo, elevando o rendimento da obra musical. A evolução também era de bom nível na animação dos desfilantes, mas dois pequenos buracos em frente a primeira cabine de jurados prejudicaram o quesito. O conjunto de fantasias também exibiu uma qualidade plástica acima da média, com beleza no uso das cores e materiais. Já as alegorias não acompanharam o mesmo nível estético, principalmente em função de pequenos erros de acabamento. O enredo foi contado com perfeição, através da leitura muito clara da plástica da agremiação. O somatório desses pequenos erros deve afastar a Mangueira da briga pelo título. A verde e rosa levou o enredo “A Negra Voz do Amanhã” para a Avenida, sobre a vida e carreira da cantora Alcione, encerrando o desfile em 1h08.
Com o nome de “Feita pra Vencer!”, a comissão de frente assinada pelos coreógrafos Lucas Maciel e Karina Dias trouxe um grupo de componentes homens e mulheres, buscando apresentar, em quadros, as tradições dos festejos maranhenses e resumos da carreira vitoriosa de Alcione. Em um primeiro momento, os integrantes lindamente vestidos com roupas típicas dessas festas se apresentavam com muita energia e sincronia. Logo depois, o tripé vinha ao centro do número, e em cima do elemento apareciam várias versões jovens de Alcione.
Em outro momento, os dançarinos homens trompetistas deitavam no mecanismo que girava e inclinava, onde eles faziam poses e continuavam se apresentando com uma nova Alcione, mais adulta, ao centro. Por fim, novos bailarinos eram revelados e dançavam com a Alcione, depois que ela revelava a roupa com as cores da escola. Integrantes crianças, também vestidas em verde e rosa, representavam a comunidade mangueirense e a escola mirim, fundada pela cantora. Uma apresentação maravilhosa, alternando momentos de mais energia, com outros de singeleza e emoção. A comissão foi a síntese perfeita do enredo, levantando o público na Sapucaí.
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Matheus Olivério e Cintya Santos, veio com uma fantasia de nome “O Amanhã”, representando o elemento central na construção da narrativa em homenagem a Alcione. Ele que conduziu a história de vida da cantora de forma poética, sendo a imagem figurada de sua trajetória, valores, crenças, sonhos, sucessos, experiências musicais, a leitura da cultura popular e da própria atuação e paixão pela Estação Primeira de Mangueira.
Usando uma indumentária muito bonita, o casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola mostrou um bailado de muita técnica e beleza. Primando por movimentos limpos e bem acabados, a dança mesclou elementos tradicionais com outros mais coreografados de acordo com a letra do samba. Cintya exibiu sua já conhecida força e velocidade, em giros ainda mais potentes durante o refrão de meio. Ela também fez um belo movimento em que usava sua mão livre para segurar a bandeira e rodar na pista. Matheus mostrou ser um dos melhores do carnaval, ao levar sua elegância, leveza e condução perfeita. As interações entre os dois eram muito belas, elevando o nível da apresentação.
Samba-Enredo
O samba composto por Lequinho, Junior Fionda, Gabriel Machado, Guilherme Sá, Paulinho Bandolim e Fadico, teve excelente rendimento na avenida, se mostrando bem funcional para desfile. Os intérpretes Marquinho Art’Samba e Dowglas Diniz mostraram um desempenho muito forte ao cantar o samba, embalado pelo grande show da bateria dos mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto.
Harmonia
A comunidade da Mangueira teve um canto de altíssimo nível em seu desfile. O principal trecho entoado pelos componentes foram os refrãos da obra musical. Mas toda a letra foi entoada com muita força, de forma bem perceptível a todos que acompanhavam o cortejo. O volume do canto era tão alto que até as alas mais volumosas não tiveram problema em defender o quesito. Não se viu qualquer tipo de queda durante a passagens das alas no desfile, gerando grande uniformidade.
Nos ‘apagões’ da bateria, a harmonia de excelência ficou ainda mais nítida. Certamente, um dos cantos mais fortes dentre todas as apresentações das escolas do Especial. É até difícil destacar algumas alas, pois todo o conjunto teve forte apresentação. Além disso, é preciso exaltar a condução do samba-enredo pelo carro de som da Mangueira, em especial aos intérpretes Marquinho e Dowglas. A dupla mostrou muita segurança, firmeza e qualidade vocal, além de sempre impulsionar o desfilante a cantar mais.
Evolução
A evolução da escola foi boa durante a passagem pela Sapucaí na maior parte do tempo. A animação e espontaneidade dos componentes eram muito notórios. A comunidade estava em extase para homenagear Alcione. O ritmo de desfile também se mostrou muito adequado, permitindo aos desfilantes tranquilidade para cantar e brincar o carnaval. Entretanto, dois pequenos buracos em frente a primeira cabine de jurados devem prejudicar a avaliação da escola. O primeiro foi gerado após lentidão do abre-alas ao se locomover. A mesma coisa aconteceu com a segunda alegoria, resultando em outro erro na pista. Depois disso, o desfile transcorreu sem maiores problemas. A agremiação encerrou o desfile em 68 minutos.
Enredo
A Estação Primeira de Mangueira apresentou o enredo “A Negra Voz do Amanhã”, mostrando a história de vida e a carreira musical de Alcione, além de exaltar sua representatividade negra e feminina. O primeiro setor da escola trazia a fé como seu principal alicerce de vida e instrumento de condução de seu amanhã, intimamente ligada à sua formação familiar, sendo, portanto, o primeiro aspecto a moldá-la enquanto indivíduo. O segundo setor retratava parte da vivência de Alcione, crescendo em meio às manifestações culturais do Maranhão, estado natal da homenageada e fonte de inspiração das canções que interpreta.
O terceiro setor teve como foco o momento em que a homenageada passa a construir sua carreira e, assim, estabelecer os caminhos para a formação do seu Amanhã enquanto cantora, no início de sua fase jovem adulta. O quarto setor fez referência às diversas canções emplacadas pela homenageada, enfileirando sucessos e construindo a identidade única de sua voz, marcada pela potência e volteios vocais, que eternizaram hinos ao público. No quinto e último setor, foram ressaltados os laços estabelecidos por Alcione com a verde e rosa, com o carnaval e sua atuação direta em prol do samba e de seu legado, fazendo do seu amanhã norte e instrumento de atuação na formação de tantos outros amanhãs a partir da arte e promoção da cultura.
As fantasias e alegorias foram de leitura muito fácil, fazendo com que o enredo fosse transmitido de forma muito clara. Todos os elementos e símbolos foram bem representados. A escolha na forma da passagem da história na pista foi bastante acertada, ao retratar os ‘amanhãs’, fazendo com que o enredo não fosse uma mera linha do tempo. Toda a representatividade feminina e preta da cantora foi passada ao público, além de sua fundamental importância para a comunidade mangueirense.
Fantasias
O conjunto de fantasias da Mangueira foi de alto nível estético. Impressionou a qualidade no uso e combinação das cores. A utilização dos diversos tipos de materiais, entre mais luxuosos ou mais alternativos, se mostrou um grande acerto. Além disso, a leitura do enredo através dos figurinos era imediata. A escola deve receber pontuação alta no quesito pelo segundo ano consecutivo, o que mostra a competência dos carnavalescos em seu trabalho. Na beleza, destaque para as alas “Símbolos e Memórias da Piquena”, “Festas aos Santos Juninos” e “Afreketê”. Além da qualidade plástica, a ala “Sufoco” se destacou por sua originalidade.
Alegorias
O conjunto alegórico da escola teve pequenos erros de acabamento. O carro abre-alas, intitulado “O Altar de Sua Fé”, representou o altar particular de sua fé, inspirado no íntimo de seus elementos de devoção e afetos, que a acompanham ao longo de sua vida, carregando histórias e relações particulares que envolvem pessoas e suas experiências. A alegoria era belíssima, mostrando sua imponência e riqueza de detalhes, além de lindo uso das cores e da forte iluminação.
Na sequência do desfile, a segunda alegoria da Mangueira, de nome “Arraiás Maranhenses: Fundamentos de um Amanhã Popular”, simbolizava uma homenagem ao estado natal de Alcione, o Maranhão, através de alguns dos principais festejos culturais que contribuíram para a construção do Amanhã artístico popular da homenageada: os arraiás, destacando especialmente a prática do bumba meu boi. Outra alegoria que mostrou ótimo nível de beleza e acabamento. Utilização incrível das cores para retratar a cultura maranhense. Muito bom gosto e acabamento irretocável.
O terceiro carro da agremiação, intitulado “A Rainha das Madrugadas”, retratava o desenvolvimento do amanhã da homenageada como cantora, de forma a apresentar os caminhos que ela percorreu para isso, influências musicais fundamentais na construção de seu repertório inicial e de sua atuação como intérprete. A alegoria tinha um acabamento mais irregular, com algumas leves falhas e uso de materiais mais simplórios. Além disso, a escultura principal da cantora apresentou um problema em sua cabeça, que precisou de um diretor no interior do carro para segurá-la.
O tripé intitulado “Alerta Geral” representava o programa apresentado por Alcione, que estreou em 1979 e que levava o mesmo nome do LP lançado em 1978. Este elemento também não primou pelo mesmo acabamento do começo da escola.
A quarta alegoria da escola, de nome “A Voz do Amanhã de Tantas Mulheres”, simbolizava algumas das canções de sucesso através de representações cotidianas e da pluralidade feminina, apresentando o processo de transformação da homenageada em uma poderosa voz, responsável por retratar a diversidade musical brasileira, através das obras que abordaram, nas últimas décadas, a temática dos sentimentos, sobretudo. O acabamento desse carro era satisfatório e também não chamou a atenção pela beleza, mas sim pela funcionalidade na troca de cenários e personagens. Porém, na parte traseira, dois queijos vieram com integrantes com outra fantasia e sem adereço na cabeça.
O quinto e último carro alegórico da agremiação, intitulado “Meu Palácio Tem Rainha”, era inspirado pela canção “Mangueira é uma Mãe”, que contribuiu de forma poética para a construção da trajetória de Alcione na escola, sendo esta uma filha que não nasceu no morro, mas que foi acolhida como parte da comunidade, amparando os seus frutos e buscando desenvolver o amanhã através de sua cultura e tradições do samba. O acabamento nesta alegoria era apenas correto, mas uma parte lateral da saia do carro parece ter batido em algum local, pois estava rasgada, com isopor à mostra.
Outros destaques
A bateria da Mangueira, comandada pelos mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto, teve um desempenho espetacular. Sustentando um ritmo perfeito para a execução do samba-enredo pelo carro de som e também para o canto dos componentes. O grupo mostrou muita musicalidade e originalidade, ao usar instrumentos diferenciados, como os xequerês, os timbaques, e os pandeirões. As bossas se mostraram bastante versáteis e plenamente integradas à obra musical.
O quarto setor da Mangueira trouxe os grandes sucessos de Alcione, ao longo de sua carreira, tendo como nome “O poder feminino de uma voz”, em que diversas músicas marcantes da Marrom foram carnavalizadas para o desfile. “Sufoco”, “Meu Ébano”, “A Loba”, são algumas dessas músicas que fizeram Alcione ser elevada ao patamar de estrela e grande voz da música popular brasileira. O CARNAVALESCO esteve na concentração, onde conversou com componentes sobre esses grandes sucessos, o que eles representam na vida de cada um deles, e a alegria de homenagear a “Negra voz do amanhã”.
Érica Lopes veio na ala “A Loba”, canção gravada em 1997 por Marrom, e falou um pouco sobre a música, que por coincidência a descreve e marcou sua vida: “A música fala de uma mulher forte e resistente. Uma mulher forte, empoderada. E me enxergo perfeitamente nela”. Além disso, a componente de quarenta e quatro anos, que desfila a vinte na escola, conta que Meu Ébano é outra música marcante de Alcione para ela: “É linda essa música, é muito bacana”.
O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, de trinta e oito anos, também veio desfilando na Mangueira: “Já desfilei anteriormente, mas é a primeira vez que estou vindo na ala de compositores”. Ao falar dos sucessos de Alcione que marcaram a vida, contou que ela sempre marca alguma momento da vida das pessoas: “É impossível a gente não escutar Alcione em algum momento da vida e não ter, seja sufoco, seja qualquer outro, um caso amoroso, uma grande vitória, o amor pelo samba. Sempre Alcione marca a nossa história”. Ele continuou falando dos sucessos de Marrom ao longo dos anos: “Os sucessos da Alcione nas últimas décadas contam um pouco da história do Brasil e a história da vida de cada brasileira. É isso que a escola está tentando mostrar agora também”. Vestido com a fantasia “Pandeiro é meu nome”, Márcio contou a música da Alcione que o impacta: “Alcione arrasa em quase tudo, mas ‘Sufoco’ sempre bate mais fundo em mim, é uma música que sempre que toca eu fico arrebatado”.
Marjorie Arruda, de quarenta e nove, Fernanda Sebrian, de cinquenta e quatro, e Kelly Pereira de quarenta e quatro desfilaram na ala “Sufoco”, um grande sucesso de Alcione sobre as dores e amores de uma mulher apaixonada. As amigas acreditam que essa é a música da Marrom que marcou a vida delas, que aproveitaram para falar de algumas das características que a fantasia trouxe: “Braços apertados no pescoço, coração explodindo, é isso aqui, sufoco”, falou Fernanda. Marjorie achou o figurino confortável: “Super confortável. Braço de fora e peito de fora é vida”. “O body, sem dúvida! Esse body aqui eu quero pra mim, inclusive. Não vou devolver”, contou Kelly, se divertindo ao contar o que mais gostou na fantasia.
O médico Fernando Cruz, de trinta e seis anos, também veio na ala dos compositores, e já começou conversando sobre a música que mais marcou a vida dele: “É ‘A Loba’, né? A Loba marcou a minha vida porque fala muito de reconstrução da nossa força interior, e, enfim, eu acho que é uma música eternizada na voz dela, né, e me emociona muito”. Para Fernando, apelidado de Fefo, a ala mais bela do setor foi “Sufoco”: “Adorei porque tem muito brilho, muito luxo, a Mangueira tá vindo com força. E com um componente estético assim maravilhoso e eu acho que é uma das alas que eu mais gostei, porque é leve também”. O paranaense, que desfila pela primeira vez, ressalta outro grande clássico da Marrom como uma de suas músicas mais importantes: “‘Não deixa o samba morrer’. Eu acho que também é uma marca dela e marcou também porque eu gosto de samba desde pequeno, é a primeira vez que eu tô na Sapucaí e me marcou muito porque ela marca assim de que você tem que ter uma tradição, de você não deixar as tradições de lado, de preservar que isso é cultura popular, nossa, brasileira, fabricada aqui, então eu acho que é muito importante e é uma música que é muito bonita também”. Ao fim, ele agradeceu também ao site pelo trabalho, que o possibilitou de ficar sempre mais perto das escolas de samba, mesmo vivendo em outro estado, desde um tempo anterior a popularização das redes sociais.
Sentada no seu devido trono, de rainha mangueirense, Alcione atravessou a Sapucaí, cercada de crianças, no carro “Meu Palácio tem Rainha”. O desfile da Estação Primeira de Mangueira, em homenagem à Marrom, foi encerrado com o carro inspirado na canção “Mangueira é uma Mãe”, representando a própria trajetória de Alcione na escola, sendo esta uma filha que não nasceu no morro, mas que foi acolhida como parte da comunidade. Como uma mãe, ampara que os seus frutos e busca desenvolver o Amanhã através de sua cultura e tradições do samba.
Alcione foi fundadora da Mangueira do Amanhã, a escola mirim, além de que sempre foi muito envolvida socialmente com a escola, promovendo diversas ações sociais com as crianças do morro.
No carro em que a homenageada veio, radiante e com uma coroa na cabeça, as crianças estavam em volta dela, além de esculturas que representavam crianças. O carro era um grande palácio verde e rosa e brilhante, um típico castelo de contos infantis. A essência da Mangueira estava naquela alegoria, as crianças simbolizavam o amanhã da Mangueira. Foi nesse palácio que as crianças contaram ao site CARNAVALESCO a emoção de desfilar ao lado da grande homenageada da Mangueira.
“Ai, meu coração está batendo tão forte e eu estou sentindo que eu vou chorar também, perto de uma deusa dessas! Ai, eu estou nervosa, eu vou chorar muito. Eu adoro as unhas dela”, disse a Dara Lima, de 9 anos e componente da Mangueira do Amanhã.
O Adriano Silva, de 12 anos, veio em cima do carro da Alcione representando o Serginho do Pandeiro, passista ilustre da Verde e Rosa que faleceu em novembro do ano passado.
“A sensação de estar aqui é muito boa, estou achando tudo maneiro, legal e divertido. Estou imitando o Sérgio do Paneiro, é a minha primeira vez na Mangueira, mas na Mangueira do Amanhã já foram várias”, contou o garoto.
“Ai, eu estou um pouco nervosa, pois eu gosto muito da Alcione e é a minha primeira vez na Mangueira, eu amo a música dela, ouço desde criança”, contou Dora Andrade, de 17 anos.
A Pérola Negreiros, também componente da Mangueira do Amanhã, que desfilou no carro ao lado de suas duas primas, a felicidade do momento era imensa.
“Ai, gente, eu estou muito feliz. É tanta emoção que eu estou sentindo que eu vou chorar. Sempre ouvi Alcione em casa. A minha música favorita é aquela que virou moda no TikTok, mas tem que me prender, tem que seduzir, adoro essa”, contou Peróla.
Trazendo a fantasia “A crença no Espírito Santo”, as baianas da Mangueira desfilaram pela Sapucaí fazendo uma referência a ligação de Alcione, a grande homenageada da verde e rosa, com sua mãe e com as práticas religiosas e populares do Maranhão. A representação mais popular da terceira pessoa da Trindade, a forma de uma pomba branca, foi um dos destaques da fantasia, que estava em tons de branco e dourado, para exaltar o Divino. Além do símbolo na saia das mães do samba da Mangueira, haviam detalhes que remetiam aos raios normalmente encontrados na representação do Espírito Santo aqui no Brasil, conforme explicou a escola. Além disso Mayra Aleta, de trinta e nove anos gostou muito do figurino deste ano, ressaltando a leveza: “Absolutamente espetacular, representa nossa alma, nossa alma de guerreira e eu acho que é isso que a gente vem com esse espírito de brilhar muito na avenida e ela tá leve pra gente brincar e fazer um belíssimo carnaval”. A baiana, que está na Verde e Rosa desde 2017, gostou muito da saia deste ano: “Definitivamente meu destaque foi essa saia branca e dourada que eu achei um arraso”.
Silvinha Poderosa, baiana da escola há dezesseis anos, se maravilhou com a fantasia, ressaltando o significado da mesma: “Não tá pesada, pelo menos pra mim. Tá bem confortável e, assim, nós somos o divino Espírito Santo e o divino Espírito Santo ajuda a gente em tudo, tudo nessa vida”. Moradora de Petrópolis, a baiana de cinquenta e dois anos gostou muito da fantasia ter vindo bem completa e leve: “Amei a fantasia toda. Eu acho que ela tá completa, tá lindíssima, maravilhosa. Falar de Mangueira, meu amor, meu coração é Verde e Rosa. Então, assim, eu acho que o amor maior nem deixa a fantasia pesar”.
“Olha, ela está lindíssima, eu achei que a gente fosse ter algum problema porque ela tem muitos acessórios, mas não, está linda e está suportável, está muito linda, acho que a Mangueira tem tudo para ganhar um dez na ala de baianas”, se divertiu Nina Amaceto, de sessenta e quatro anos, que há cinco desfila como baiana na escola. Ela gostou muito da relação da fantasia com o sagrado: “Eu gostei daqui, tem umas pombas. Elas representam o Espírito Santo, e aí vem com mais umas pombas aqui, que eu achei assim Divino mesmo”.