Amanhecendo no Anhembi, Rosas de Ouro sai confiante de seu desfile
Por Eduardo Frois e Lucas Santos
Última escola a desfilar na sexta-feira de carnaval, a Rosas de Ouro saiu totalmente satisfeita com o que apresentou na passarela. Todos os segmentos que conversaram com o CARNAVALESCO falaram de forma contente e expressaram uma vontade grande de ver o resultado logo. Todos os integrantes estão acreditando bastante em seus trabalhos.
Estreia com confiança
O intérprete estreante na agremiação, Carlos Jr, exaltou a comunidade e espera coisas boas na apuração. “Foi muito gratificante. Não tem nem palavras. Agora é esperar o resultado. Cabeça de jurado é uma coisa, mas pelo que a gente fez hoje, creio que vai vir coisa boa por aí. A comunidade abraçou o samba, isso é muito importante e esperar agora é o resultado. Vamos ver vamos ver o que vai dar. Estou bastante confiante. Vamos, Roseira!”, disse o cantor.
Superação na pista
Mestre Rafa, comandante da “Bateria com Identidade” falou sobre a superação que a sua bateria teve no Anhembi. De acordo com o músico, a batucada atravessou na concentração, preocupou, mas no final deu tudo certo. “A gente entregou tudo mesmo. O carnaval é fantástico. Lá no começo, a gente começou o samba no esquenta, deu uma atravessada, a bateria linda, como nunca atravessando esses 10 anos. Acho que veio para me coroar. Nunca tinha acontecido uma atravessada tão forte, mas foi na hora do esquenta de cara, muita vontade pessoal e deu uma baita atravessada. Lá no nosso esquenta as coisas não tinha sido legal, mas aqui na avenida graças a Deus e aos orixás foi fantástico. Foi o melhor desfile da minha vida como mestre de bateria. Então missão cumprida, super feliz com o resultado. Não tenho nem palavras de verdade. Só esperar o resultado e ver o que que vai dar. A gente está muito feliz com o trabalho”, declarou.
Mensagem de alegria
A coreógrafa da comissão de frente, Helena Figueira, contou que o intuito da apresentação da ala foi passar alegria. “A gente pensou nesse amanhecer das pessoas no piquenique, porque o parque é um lugar de convívio, então a gente trouxe mesmo essa alegria para a comissão. A coreografia veio leve, teatral, interativa, brincalhona e irreverente. É uma proposta e eu acho que a gente conseguiu. As pessoas se identificaram muito. A gente quis porque era o amanhecer. O final as pessoas já tão cansadas e ansiosas para ver a última escola”, comentou.
Comandante aprovou
O vice-presidente Osmar Costa, declarou que a proposta do desfile foi sair dos enredos densos para provocar um colorido e uma Rosas diferente na avenida. Na concepção do mandatário, deu certo. “A gente achou que se viesse abrindo a escola com interação, animaria o público para receber toda a escola que vinha colorida e queria passar uma proposta uma tentativa de fechar a sexta-feira. O projeto a gente procurou não mexer muito em cima de tudo que o carnavalesco planejou. Então para fazer a entrega perto da totalidade do projeto era muito importante, porque você às vezes tem que minimizar alguma coisa. Nesse enredo, eu acho que proporcionou para Rosas de Ouro outra forma de se apresentar, com um colorido, uma vez que a gente vem de algumas temáticas pesadas. Eram carnavais muito duros, falando de cura e o outro falando de igualdade racial. A gente sabe que esse tipo de palheta acaba levando para uma coisa mais escura. Amanhecer aqui hoje como se fosse um parque, as pessoas contemplando o colorido, eu acho que isso trouxe um diferencial. Vai ser um divisor de águas de onde a gente estava, onde a gente não teve um bom resultado do carnaval do ano passado para esse. Eu acho que a gente vai chegar mais próximo se Deus quiser”, avaliou.
Desafio concluído
A porta-bandeira da escola, Isabel Casagrande, exaltou o seu mestre-sala e disse que fizeram tudo dentro da apresentação planejada. “A gente tem ensaiado desde abril. São meses. Chegou um grande dia então não tem como não ser emocionar. Eu estou há mais de 30 anos na escola, são 32 desfiles, mas todos para mim são emocionantes. Sempre eu entro na avenida emocionada, mas deu tudo certo. Cabeça de jurado é uma caixinha de surpresa, mas para nós a gente conseguiu executar tudo que a gente ensaiou o ano inteiro. Ele é um presente de verdade. Eu acho que eu ganhei ele como um presente e ele é fofo. Ele é um príncipe, é bem dedicado e responsável. Eu não tenho nem palavras, disse a porta-bandeira.
“Foi uma manhã muito especial, com certeza, além de todas as minhas expectativas viver isso com a Isabel, foi com certeza uma grande conquista e uma grande alegria. Conseguimos aplicar na pista tudo que a gente construiu durante o ano enquanto coreografia de descanso e apresentação para as cabines. Agora é aquele frio na barriga para esperar o resultado, mas com certeza eu saio muito tranquilo, com paz no coração e com a certeza que eu consegui ganhar uma família: Sociedade Rosas de Ouro”, completou o mestre-sala.
Freddy Ferreira analisa a bateria da Viradouro no desfile
Um desfile extraordinário da bateria da Unidos de Viradouro, regida pelo lendário mestre Ciça. Uma conjunção sonora de raro valor musical foi exibida. Com um andamento cadenciado, foi possível constatar uma fluência ímpar entre todos os naipes do ritmo da escola do Barreto. A boa equalização de timbres também jogou a favor, proporcionando um equilíbrio acima da média. Bossas potentes e que levantaram a Avenida ajudaram na sensação de um autêntico sacode.
Na parte de trás do ritmo, uma afinação muito boa de surdos foi percebida. Marcadores de primeira e de segunda foram firmes, mas precisos durante todo o desfile. Surdos de terceira foram responsáveis pelo bom balanço tanto em ritmo, quanto nas bossas. Uma ala de repiques coesa tocou integrada a um naipe de caixas de guerra bastante ressonante, com a peculiar batida com levada de partido alto. Atabaques contribuíram de modo único, principalmente nas bossas com toques afros.
Na cabeça da bateria da Viradouro, um naipe de cuícas mostrou sua nítida qualidade sonora. Uma ala de chocalhos sólida tocou entrelaçada com um naipe de cuícas de elevada técnica. O desenho de tamborim da Unidos da Viradouro possui uma musicalidade simplesmente incrível. Menção positiva para o trecho do “toque de Adarrum” como pede o próprio samba, além do refrão do meio e início da segunda. A execução privilegiada da convenção rítmica dos tamborins agregou imensamente à sonoridade da bateria “Furacão Vermelho e Branco”.
Bossas profundamente integradas ao belo samba-enredo da Viradouro garantiram apresentações potentes para jurados. Arranjos com densidade musical foram produzidos. Com direito a pressão do impacto sonoro provocado pelos surdos, além de paradinhas que atrelaram o tema de vertente africana da escola à sonoridade produzida. As bossas que utilizam os atabaques para realçar os toques afros garantiram não só uma musicalidade diferenciada, como interação popular a cada realização.
A apresentação da primeira cabine (módulo duplo) foi monumental. Um ritmo de extrema fluência entre os naipes foi produzido, com bossas bem encaixadas. A exibição na segunda cabine de julgador foi tão boa quanto a primeira, recebendo aplauso do jurado e também ovação do público. A apresentação no último julgador manteve o nível das demais, mesmo com a caixa de som mais próxima com volume elevadíssimo. Tal fato, inclusive, fez o julgador mudar sua posição para poder ter melhor percepção da Viradouro. Nem isso atrapalhou mestre Ciça de dar um verdadeiro show, para encerrar o desfile magistral da bateria “Furacão Vermelho e Branco” da Unidos do Viradouro. A consistência exibida nos módulos tem tudo para garantir a pontuação máxima para o icônico mestre Caveira.
Viradouro realiza desfile avassalador, mostra excelência em todos os quesitos e fica próxima do título
Por Luan Costa e fotos de Nelson Malfacini
A Unidos do Viradouro foi a última escola a passar pela avenida na segunda noite de desfiles do Grupo Especial. A vermelha e branca de Niterói correspondeu às expectativas do público e encerrou o carnaval de maneira avassaladora, se credenciando ao título na quarta-feira de cinzas. De ponta a ponta foi uma desfile com todas as características de campeão, os nove quesito foram defendidos com brilhantismo por toda a escola, desde a comissão de frente, que mais uma vez se destacou, até a comunidade que entrou na avenida disposta a guerrear e teve um canto impressionante, acima de tudo, a garra de cada desfilante merece todos os elogios. O apuro estético foi outro ponto de destaque, o conjunto de fantasias e alegorias mostrou todo o talento de Tarcísio Zanon. Assim a estética, a Viradouro também passou pela avenida com um belíssimo trabalho harmônico, a bateria de mestre Ciça levantou o público e o intérprete Wander Pires retornou para agremiação em grande estilo. O alvorecer do dia contribuiu para que a energia em torno do desfile deixasse o ambiente ainda mais favorável à escola.
A Viradouro levou para a avenida o enredo “Arroboboi, Dangbé”, sobre a energia do culto ao vodun serpente, o tema foi criado e desenvolvido pelo carnavalesco Tarcísio Zanon. A agremiação de Niterói terminou sua apresentação com 67 minutos.
Comissão de Frente
A comissão de frente coreografada pelos consagrados Priscilla Mota e Rodrigo Negri foi intitulada “Alafiá”. No total, foram 24 componentes que produziram um espetáculo visual, artístico, dançante e com muitos efeitos. A comissão trouxe uma grande sacerdotisa como pivô inicial, em volta dela, guerreiras Agojies com lâminas nas mãos dançaram e mostraram extremo vigor e sincronia.
Na sequência, uma grande serpente saiu do tripé que representava justamente um ninho, ela deslizou pelo chão da avenida e o efeito deixou o público espantado. Os integrantes subiram na alegoria e deu continuidade a apresentação, houve uma troca de componentes, dessa vez a fantasia representou o ritual de preparação das guerreiras, uma mulher serpente foi a pivô nesse momento, a coreografia, aliada a fantasia, causou outro efeito esplêndido. Ao final, surgiu uma serpente mordendo o próprio rabo, símbolo do infinito. A luz cênica da Sapucaí foi utilizada durante toda a apresentação, ao final, um grande arco íris surgiu.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Representando o espírito infinito da serpente, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Julinho e Rute, passou pela avenida de forma encantadora, a experiente dupla protagonizou na avenida incontáveis momentos marcantes, a porta-bandeira iniciou sua apresentação com uma sequência de giros de tirar o fôlego, já Julinho, durante sua dança formou um círculo fechado, os movimentos podem parecer comuns, mas uma passagem da sinopse da Viradouro diz: “É Dangbé, o vodum da proteção, do equilíbrio e do movimento. Nele, nada principia nem finda, tudo avança, tudo retorna. É o constante rodopio do universo, o círculo fechado, sentido materializado pela imagem da cobra engolindo a própria cauda”.
Enredo
Desenvolvido pelo carnavalesco Tarcísio Zanon e com sinopse de João Gustavo Melo, a Unidos do Viradouro levou para a avenida o enredo “Arroboboi, Dangbé”, nele, a escola saudou as energias do culto Vodum serpente. Unindo a força dos cultos Voduns aos saberes ancestrais, a escola percorreu o caminho que amplia nosso horizonte rumo a um Brasil mais africano, verdadeiramente livre, religiosamente diverso e socialmente igualitário. A narrativa do enredo foi seguida segundo o culto ofídico ligado ao de matriz Jeje. Ao longo do desfile, a figura da serpente apareceu representada de diversas maneiras: encantada, guerreira, cultuada, camuflada e manifestada por meio das cores do arco-íris.
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O enredo foi dividido em cinco setores, sendo eles: “Dangbé – O Culto À Serpente”, nele, Dangbé, o vodum da proteção, do equilíbrio e do movimento foi retratado. Nada principia nem finda, tudo avança, tudo retorna. É o constante rodopio do universo, o círculo fechado, sentido materializado pela imagem da cobra engolindo a própria cauda. O segundo setor, “O Pacto Místico Das Guerreiras Mino”, trouxe as guerreiras Mino, as mulheres mais temidas do mundo. Na sequência, o setor “Ludovina Pessoa E A Herança Vodum Na Bahia”, mostrou a perpetuação através de Ludovina Pessoa, pilar de terreiros consagrados aos voduns. O quarto setor, “Entre A Cruz E A Serpente: Templos Sincréticos”, trouxe as senhoras da cura, da fortuna, da fertilidade, das adivinhações, dos conselhos e do destino. O último setor, “Terra, terreiro cósmico”, fechou o desfile mostrando que a energia que renasce no culto aos Voduns, se espalhou pelo Brasil em diversas casas consagradas às entidades.
Alegorias e Adereços
A Viradouro levou para a avenida seis alegoria e dois tripés, o apuro estético produzido por Tarcísio Zanon foi de extremo bom gosto, cada alegoria teve uma concepção diferente, o artista fugiu da repetição e também do óbvio, quem esperou uma Viradouro soturna pode ter se surpreendido com uma escola colorida e solar. O cuidado em cada alegoria foi peça fundamental para que todo o conjunto se destacasse.
A serpente esteve presente por toda a abertura da escola, primeiro no tripé “Dangbé: Energia Da Vitória”, tendo continuidade no abre-alas “A Força Do Vodum Do Infinito” e também no segundo carro, “Predição Oracular: Caminhos Abertos”. Ambos fizeram parte de um grande conjunto de abertura, a predominância de cores mais chamativas foi o ponto alto desse conjunto.
O segundo carro, “As Guerreiras Mino: Proteção Mística E Lealdade”, representou as guerreiras Minos em treinamento entre os espinhos reproduzidos na base do chassi. Na sequência, o carro “Ludovina De Gu Rainha E A Formação Dos Terreiros Jeje Na Bahia” apresentou uma estética diferente e arrojada, ele foi tramado em ferro, ornado com elementos de culto Vodum. A representação do metal permeou toda a base e a decoração da alegoria trouxe uma imponente sacerdotisa no topo. O tripé “A Santa Ceia Negra” mesclou as tradições católicas às celebrações ritualísticas do candomblé Jeje. O penúltimo carro, “Templos Sincréticos”, trouxe uma grande escadaria inspirada na arte do Daomé e remeteu aos espaços sagrados onde ocorrem cerimônias e rituais. Na parte de trás, os degraus com ornamentação barroca representaram a inserção das celebrações católicas em templos. O carro que fechou o desfile da Viradouro foi denominado “Sagrado Terreiro Cósmico”, a natureza foi representada e um grande arco íris se formou na escultura traseira, foi um encerramento em alto nível.
Fantasias
Assim como feito nas alegoria, o trabalho de Tarcísio Zanon merece todo o reconhecimento, o carnavalesco usou e abusou do bom gosto ao pensar e produzir as fantasias da Viradouro, o artista se esmerou nos mínimos detalhes e entregou um dos conjuntos mais interessantes da história da escola. O uso de cores se mostrou um dos pontos altos, solar, a escola passou pela avenida com boa parte da luz natural e mesmo assim as alas brilharam. Destacar uma só ala seria falho, visto que todo o conjunto se destacou.
Harmonia
O conjunto harmônico foi trabalhado de maneira exemplar pela escola, a comunidade da Viradouro entrou na avenida disposta a levar o título para Niterói e nada seria capaz de tirar essa conquista deles, o canto foi avassalador do início ao fim, destacar uma só ala seria injusto, a escola gritou o seu samba de forma contínua por toda a avenida. Durante o desfile, a bateria Furacão Vermelho e Branco comandada por mestre Ciça abusou das bossas, foi uma mais esplêndida que a outra, a de maior destaque foi feita no refrão principal que dizia: “Derrama nesse chão, a sua proteção, pra vitória da Viradouro”, o paradão evidenciou o canto acima da média realizado pela comunidade e também pelo público presente do Sambódromo. Vale destacar também a ótima estreia de Wander Pires à frente do carro de som da vermelha e branca.
Samba-Enredo
Um dos grandes destaques da noite foi o samba composto por Claudio Mattos, Claudio Russo, Julio Alves, Thiago Meiners, Manolo, Anderson Lemos, Vinicius Xavier, Celino Dias, Bertolo e Marco Moreno. O hino da escola passou de forma avassaladora e permaneceu assim durante todo o desfile, em nenhum momento o samba diminuiu seu ritmo ou cansou quem acompanhava, vários são os momentos que causaram catarse junto ao público, o principal deles durante o refrão principal. A letra, apesar de algumas palavras mais complexas, conseguiu passar todo sentimento que o enredo pede, por exemplo, no verso “Num Brasil mais africano, outra areia, mesmo mar” boa parte da sinopse é sintetizada.
Evolução
Uma verdadeira aula de evolução, assim pode ser definido o desfile da Viradouro na manhã desta terça-feira, de forma fluída, organizada e vibrante, os componentes entraram na avenida sabendo exatamente o que fazer, fruto de muito ensaio, eles engrandeceram o espetáculo de forma orgânica, espontânea e natural. Durante todo o cortejo a escola apresentou segurança em cada movimento.
Outros Destaques
O público esperou até o fim para acompanhar o desfile da Viradouro, mesmo sendo a última escola a desfilar, as arquibancadas permaneceram lotadas, quem esperou foi presenteado com um desfile de encher os olhos com inúmeras imagens foram marcantes. A rainha Erika Januza veio representando um instrumento ritualístico pontiagudo utilizado pelos iniciados da família das cobras no processo de transe, com muito carisma e samba no pé, a rainha foi aplaudida do início ao fim.
Ala de baianas da Viradouro representou as ‘Sacerdotisas da serpente divina’
A ala de baianas da Unidos do Viradouro representou as “Sacerdotisas da serpente divina”, que eram responsáveis pelo recrutamento e iniciação de jovens que seriam devotadas ao espírito da serpente, dando continuidade às memórias e crenças de seus ancestrais. Rodeada de serpentes, as anáguas eram destacadas pelos fortes tons de vermelho.
Segundo a diretora da tradicional ala, Tia Cleia, de 72 anos, essa foi uma das fantasias mais bonitas e confortáveis que já usou. Ela está na Vermelha e Branco de Niterói há mais de 50 anos.
“As fantasias estavam muito bonitas e confortáveis. Temos baianas mais velhinhas, e a vestimenta ficou bem leve e tranquila. O carnavalesco pensou em todos esses detalhes. As cobras são o mais interessante. Tenho pavor de cobra, mas a fantasia é tão bonita que até aceitei ficar rodeada delas(risos)”, conta Tia Creia.
Incorporadas no rodopio, elas revelaram toda a magia feminina no culto às serpentes. Para Rosangela Marins, de 64 anos, baiana da Viradouro há sete anos, a fantasia retratou com leveza e luxuosidade as sacerdotisas.
“Ela ficou muito bonita e tem bastantes detalhes. Conseguimos nos movimentar muito bem. Nós somos as mães do samba, e com essa fantasia linda, conseguimos encantar o público e representar essas sacerdotisas. Apesar das cobras serem o principal, a fantasia tem vários detalhes. Acredito que foi uma das fantasias mais bonitas da noite”, disse a baiana.
A Viradouro levou para a Marquês de Sapucaí o enredo “Arroboboi, Dangbé”, do carnavalesco Tarcísio Zanon, e encerrou os desfiles do Carnaval carioca em 2024.
Terceira alegoria da Viradouro representou as guerreiras Mino
A terceira alegoria da Unidos do Viradouro foi batizada de “As guerreiras Mino: proteção mística e lealdade”. Recrutadas para proteger o reino de Daomé, eram as mulheres mais temidas do mundo. Na parte traseira do carro, um barco representou a travessia transatlântica que os daomeanos foram submetidos no processo escravista.
Em tom vermelho forte, o destaque da alegoria era o elefante africano, que se movimentava e ecoava um forte barrido ao longo da Passarela do Samba. À frente do carro, três panteras também se movimentavam pela avenida. Já nas laterais, guerreiras em luta realizaram performances coreográficas no carro e na pista.
O diretor de alegorias Diogo Calixto, 38 anos, explicou os detalhes do carro alegórico. A ideia da performance das guerreiras, segundo ele, foi pensada para contribuir com a evolução da escola.
“É uma alegoria que tem um significado muito forte no nosso enredo – ela é parte da transição da ‘cabeça’ da escola para a continuação do enredo. Com isso, é perceptível a mudança na paleta de cores, além de outros detalhes. As nossas guerreiras (composições) tiveram uma performance na lateral, com subidas e descidas ao longo da avenida. Isso foi um elemento muito forte para o nosso desfile e que contribuiu com a evolução”, detalhou.
Uma das guerreiras do Reino de Daomé, a bailarina Tamara Barcelos, 51 anos, explicou as coreografias feitas na lateral do carro e no chão da avenida. “ Nesta ala, estamos em treinamento. Somos caçadoras de elefantes e de panteras. A nossa coreografia foi muito mais de movimentos sinuosos para o público, representando a luta e a caça. Em alguns momentos, viramos para o público e desenvolvemos a nossa serpente”, explicou Tamara.
Já Duzza Alves, de 57 anos, desfilou como na parte de cima da alegoria. Ela conta que ficou encantada com a fantasia, que era destacada pelo forte tom vermelho e o bom acabamento.
“As fantasias ficaram lindas. Gostei muito das cores, além do conforto e da leveza que elas têm. Ficaram bastante adequadas com a proposta de desfile, que era para fazer performance”, disse a guerreira.
Com o enredo “Arroboboi, Dangbé”, a Viradouro encerrou os desfiles do Carnaval carioca de 2024.
Um mestre fantasiado de outro mestre, Ciça traz a Viradouro com uma bateria cadenciada no ritmo da macumba
O mestre, que só viu a fantasia na concentração, veio fantasiado de um dos líderes da Revolta dos Malês, o mestre alufá Licutan. A Revolta dos Malês foi uma rebelião escravista ocorrida em Salvador–BA, no ano de 1835. Essa foi a maior revolta de escravos da história do Brasil e mobilizou cerca de 600 escravos que marcharam nas ruas de Salvador, convocando outros escravos a se rebelarem contra a escravidão.
Um dos líderes da Revolta dos Malês foi o mestre alufá Licutan. O movimento foi um levante contra a escravidão que reuniu hauçás, iorubanos, mandingas, mandês, fulás e o povo Jeje. Uma reunião de diversos grupos étnicos em nome da liberdade coletiva e da dignidade aos povos submetidos à escravidão.
Literalmente batendo tambor, a bateria da Viradouro veio dando o ritmo para o canto da escola sobre uma religião de matriz africana, que nasceu na Bahia, tal qual a Revolta dos Malês.
“Estamos ensaiando há muitos meses e temos várias bossas interessantes para apresentar. No refrão do meio tem atabaques, no refrão de baixo vamos tocar o bravum (toque de atabaque para Bessen, Dangbé ou Oxumarê), várias bossas de macumba que estão no contexto do enredo”, disse o mestre Ciça.
Mesmo sendo um líder também, ao contrário da revolta, mestre Ciça afirma que o trabalho neste carnaval na Viradouro foi tranquilo
“O trabalho, o caminho esse ano foi legal esse ano. Muito tranquilo, a bateria pegou fácil as bossas, foi um trabalho prazeroso de se fazer”, concluiu o mestre.
Um dos líderes da Revolta dos Malês foi o mestre alufá Licutan. O movimento foi um levante contra a escravidão que reuniu hauçás, iorubanos, mandingas, mandês, fulás e o povo Jeje. Uma reunião de diversos grupos étnicos em nome da liberdade coletiva e da dignidade aos povos submetidos à escravidão.
Tuiuti faz desfile com apresentação emocionante da comissão de frente e fácil leitura do enredo, mas esbarra em Evolução perto do fim
Por Lucas Santos e fotos de Nelson Malfacini
Em seu sétimo carnaval seguido no Grupo Especial, o Tuiuti sempre gera muitas expectativas de repetir o histórico ano de 2018, quando conquistou o vice-campeonato. E contando com Jack Vasconcelos de volta, carnavalesco daquele importante desfile, as perspectivas da comunidade eram maiores para uma nova apoteose, ainda mais trazendo um tema com forte apelo político e emocional, utilizando a homenagem a João Cândido para falar também da luta por direitos humanos. Com um início arrebatador e muito tocante em uma comissão de frente que achou soluções simples para apresentar o tema no tom que ele pedia, e com um abre-alas bem produzido, enorme em três chassis e mais um conjunto bem pesado de cavalos que puxava a alegoria, o Tuiuti deu a entender que faria outro desfile inesquecível. A facilidade com a transmissão do enredo, bastante peculiar a Jack, esteve presente, mas já na parte final do desfile, a dificuldade para colocar o último carro na Sapucaí gerou um buraco em frente ao segundo módulo e correria no último módulo, no final do desfile para não estourar o tempo. Com 1H08, o Paraíso do Tuiuti foi a quinta escola a desfilar na segunda noite do Grupo Especial apresentando o enredo “Glória ao Almirante Negro”.
Comissão de Frente
Coreografada por Claudia Mota e Edifranc Alves, a comissão “Heróis do mar, heróis brasileiros, herói da pátria” apresentou uma coreografia mais desenvolvida tanto no alto do elemento cenográfico que inicialmente simbolizava um baú, quanto no chão, com os bailarinos vestidos de pescadores e pescadoras, representando a pesca artesanal e as tradições passadas por gerações. Em baixo, os componentes apresentavam para o módulo julgador, inicialmente o movimento da pesca e o manuseio das redes. Em seguida, o primeiro truque, os homens uniam as saias da mulheres na dança e formavam o balanço do mar com a vestimentas interligadas.
Depois, o elemento tampava o primeiro elenco, e já em cima do baú os marinheiros desenvolviam primeiro a marcha própria dos marujos e depois uma dança. O elemento então aos poucos vai se transformando em um barco com as redes em baixo tomando o formato da proa do navio, e em cima subiam as velas. No último módulo, uma das velas até apresenta um rasgo que é possível notar mas não interfere na apresentação como um todo. No momento mais forte da comissão, no uniforme de marinheiro começavam a brotar amanchas de sangue nas costas e quando os marujos tiravam a casaca, as costas estavam marcadas pela chibata. No final o Almirante negro era elevado no barco e apresentando como herói.
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Mestre-sala e Porta-bandeira
O primeiro casal Raphael Rodrigues e Dandara Ventapane apresentou o figurino “Calunga grande, o mar”, que representa o mar como um portal onde nasce a vida, lugar onde ondulam memórias, sonhos e também batalhas. João Cândido tinha o Mar em si, seu habitar mais desejado e que nunca, mesmo com os percalços sofridos, o deixou desamparado. A roupa era toda trabalhada no azul clarinho, completada pelo branco, tipo espuma, com a vestimenta de Dandara revestida de conchas e pedras preciosas. Na coreografia a dupla apresentou uma coreografia marcada pelos traços tradicionais da dança de um casal de mestre-sala e porta-bandeira, como vem sendo o estilo dos dois. Mas, teve uma pitadinha mais coreografada seguindo o refrão do meio do samba “Lerê Lerê mais um preto lutando pelo irmão”, quando Raphael e Dandara apresentavam passos mais ligados às religiões de matriz africana, muito bem sincronizados e bem cravados.
No último módulo, Dandara teve que enfrentar um vento um pouco mais forte, mas com grande experiência e talento, a porta-bandeira manteve o pavilhão bem desfraldado como fez nos demais módulos. Apresentação muito correta, sem erros aparentes e com um algo diferente que sempre acaba levantando o público e atender os anseios dos jurados.Os guardiões “Falange dos marinheiros” representavam o mar como ponto de força da linha de Marinheiros, fazendo a ronda na Calunga Grande no Reino de Iemanjá. Os Guias Marinheiros, na Umbanda, surgem para levarem ao mar tudo que causa dor e sofrimento, ajudando aqueles que os procuram, auxiliando os desencarnados e os encarnados.
Harmonia
O canto do Tuiuti começou muito bem no primeiro módulo, e se manteve até o segundo, no terceiro, já com os problemas de evolução da escola, e com a correria no final, o componente sentiu mais dificuldade de evoluir e manter a intensidade do canto. A partir daí foi mais perceptível encontrar componentes que não estavam cantando. De qualquer forma a situação não fica tão difícil no quesito já que seria apenas um módulo. Resta entender como o jurado vai ver nos demais, foi um rendimento satisfatório, não foi um sacode, até porque a obra não é voltada tanto para esse aspecto, mas um rendimento bom.
Em relação ao Pixulé, voltando ao Grupo Especial depois de 10 anos, o cantor, experiente, de anos de Sério Ouro e no Especial de São Paulo, moldou a ona a sua forma peculiar de condução musical. Alternando potência vocal com apuro musical e harmônico. A equipe vocal, que tinha entre outros, Hudson e Leonardo Bessa, além de vozes femininas, deixaram o intérprete à vontade para convocar o componente ao canto. A princípio nenhum problema neste sentido.
Enredo
O enredo “Glória ao Almirante Negro!” foi desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos e teve como missão glorificar João Cândido como um herói brasileiro, mostrando que ele enfrentou forças superiores como nunca antes havia acontecido e virou referência na luta por direitos humanos. O carnavalesco se utilizou de uma linguagem épica e de heróis de quadrinhos para transmitir o tema. No primeiro setor “Navegando entre correntes e contracorrentes”, o Tuiuti apresentou os elementos que ajudam a compor o cenário de introdução da história: o mar e a promessa republicana no período pós escravidão.
Em seguida em “Veio dos Pampas para as águas da Guanabara” Jack apresentou um pouco da infância do menino João Cândido no interior do Rio Grande do Sul, seu encaminhamento para a Marinha e a chegada ao Rio de Janeiro. Do sonho em navegar pelo mundo ao pesadelo da fome e da chibata. No terceiro setor “O tempo e o vento do marujo”, a escola mostrou que João Cândido se tornou um marinheiro de primeira classe, destacando algumas das mais importantes missões nas quais embarcou e o crescimento de sua consciência e liderança entre a marujada. Em “Revolta Vermelha” o vermelho da revolta tomou conta do desfile após o castigo extremamente cruel a um companheiro da marujada.
No quinto setor “Nascia um herói libertador”, fez-se um relato e uma critica aos altos oficiais da Marinha daquela época que alimentados por teorias racistas, duvidavam que pessoas pretas tivessem tamanha competência para sustentar uma insolência como aquela. Em “Foram traídos, mas não traíram jamais” acompanhou-se a traição do Palácio do Catete, sua trama diabólica para burlar a opinião pública e pôr em prática suas intenções de apagamento da revolta e da existência dos revoltosos. No último setor “O cais da luta ancestral”, a luta por dignidade é reconhecida nesse setor final. O clima e os tons visíveis no setor final são mais acolhedores e festivos para saudar o herói, o Almirante Negro João Cândido. Como característico de Jack, o carnavalesco dominou muito bem a narrativa do enredo e trouxe fantasias e alegorias de fácil leitura e entendimento. A proposta, que se fez presente na plástica, também deve ser elogiada pela criatividade e a homenagem fora do lugar comum.
Evolução
O quesito é aquele que o Tuiuti deve ser preocupar mais. Devido a problemas com a alegoria cinco que teve dificuldades para entrar, a escola abriu um buraco no segundo módulo de julgamento. Módulo que não é duplo. Porém, a demora na situação do carro e pela cadência da apresentação, e uma escola mais parada no início , em uma apresentação que demorou mais de uma passada do samba da comissão, tudo isso causou uma correria no final devido ao receio de estourar o relógio. A evolução também foi um quesito problemático no último módulo. A bateria, inclusive, teve que fazer uma apresentação mais rápida diante dos jurados.
Samba-enredo
A obra produzida a partir do modelo de encomenda teve como autores, velhos conhecidos da casa, são eles: Cláudio Russo, Moacyr Luz, Gustavo Clarão, Júlio Alves, Alessandro Falcão, Pier Ubertini e W Correia. Seguindo com a proposta de manter mais ou menos o time de poetas, o Paraíso do Tuiuti trouxe para este ano uma obra com características melódicas similares ao que vinha apresentando nos últimos anos, mas com uma letra seguindo um caminho diferente.
Focada na simplicidade, a letra dialoga bem com os anseios da proposta e consegue apresentar bem um herói que emergiu do povo. A melodia é de fácil assimilação e se a composição não é a melhor apresentada pela escola nos últimos anos, principalmente após os excelentes sambas de 2022 e 2023, conseguiu ter seus momentos de destaque e ser bastante funcional, principalmente no que tange os dois refrãos. O do meio com o “lerê, lerê mais um preto lutando pelo irmão…” com a sua simplicidade nas palavras, tem melodia forte e dá o recado e passa a mensagem de forma clara. O samba encontrou mais ressonância no componente do que no público.
Fantasias
O Tuiuti apresentou um conjunto de fantasias de fácil assimilação pelo público, explicando bem o enredo e se utilizando da paleta de cores para demonstrar qual o clima da passagem do enredo. No primeiro setor, por exemplo, o dourado teve bastante destaque para retratar o início ainda da República, tempo em que aconteceu a história do desfile. É bem perceptível na ala “liberdade, abre as asas sobre nós”. Depois o azul, apresentando o início da relação do homenageado com o mar, como na ala das baianas “águas da Guanabara”.
Outros setores como “revolta vermelha” e “foram traídos mas não traíram” há a predominância do espectro do vermelho. No fim, a redenção de João Cândido é traduzido em tons mais claros como nas alas “o mar é um amigo” e “glória aos humildes pescadores”. No geral, as fantasias de Jack trouxeram matérias de qualidade, e primaram pela informação de forma criativa que é característica do carnavalesco. A fácil leitura presente e também a intenção de que o público se identifique com aquilo que vê.
Alegorias e adereços
O conjunto alegórico do Paraíso do Tuiuti foi composto por cinco carros e mais dois tripés. Mais tímido na qualidade que as fantasias, as alegorias também foram de fácil assimilação. Destaque para o carro abre-alas “República, abre as asas sobre nós: um novo velho porvir”, formado por três chassis e mais um conjunto de cavalos, trazendo a contextualização do tempo em que vivia João Candido, a recém criada república que possuía ainda a herança de um período escravista de horror e as consequências de uma abolição que não foi feita de forma correta.
O pensamento elitista de exclusão apareceu a partir do galope de um soldado fiel do país. Por isso as esculturas e algumas partes do cortejo do abre-alas tinham um aspecto envelhecido. A coroa, símbolo da agremiação, estava presente contextualizando que vários conceitos e símbolos da época colonial e monárquica foram preservados, como, por exemplo, a cor verde presente nas bandeiras laterais. Na base do cortejo, as composições que representam o povo, dispostas na parte mais baixa da alegoria, e as fantasias mais ricas nas partes superiores dão a leitura de divisão social e econômica.
Outra alegoria de mais apuro estético e criativo, “o “dragão do mar” reapareceu na figura de um bravo marinheiro”. O jangadeiro cearense Chico da Matilde” (que liderou um movimento que se recusou a transportar escravizados), inspira a alegoria como exemplo de luta e resistência. O espírito de revolução e o sangue derramado avermelham a embarcação. O quinto carro “monumento ao mestre sala dos mares” é inspirado na em uma das homenagens mais contundentes ao marinheiro, a música “o mestre-sala dos mares”, de Aldir Blanc e João Bosco, composta nos anos 70 e que imortalizou João Cândido e a Revolta da Chibata no imaginário popular.
A alegoria traz na proa do barco o filho mais novo de João Cândido, Alberto Cândido, conhecido como Seu Candinho, no comando dessa nau-homenagem que celebra o legado de seu pai. Nas velas dos barquinhos dos pescadores, nas laterais da alegoria, reproduções de algumas manchetes de notícias que expõem o racismo latente nas relações sociais ainda atualmente. Conjunto alegórico que trouxe com fácil leitura do enredo, ainda que no geral tenha sido irregular em qualidade, alguns com bem mais apuro estético do que outros.
Outros destaques
A fantasia das baianas “Aguas da guanabara” trouxe elementos marinhos e tons azuis, com ornamentos em ouro e prata para trazer a sensação de reflexo cintilante que as águas da baía de Guanabara tem ao entardecer. O figurino trouxe um encantamento de figura mitológica ao personificar a baía de Guanabara como uma espécie de deusa marinha, musa da cidade do Rio de Janeiro, e como a visão extraordinária da Guanabara impactou o jovem João Cândido. Um amor à primeira vista.
A fantasia da rainha da Super Som, Mayara Lima, representou o fogo que sobe pelo corpo dos marinheiros e faz o sangue ferver para lutar por justiça e que será o combustível que inflamará a revolta que se iniciará. “Sangue de marujo”, a fantasia da Super Som tem a predominância da cor vermelha para simbolizar o sangue que jorrou das costas não só do marinheiro Marcelino, mas também de todos os marinheiros através da história. A última alegoria trouxe na proa do barco o filho mais novo de João Cândido, Alberto Cândido, conhecido como Seu Candinho.
Viradouro trouxe para a avenida uma alegoria em forma de oferenda à fundadora do candomblé Jeje no Brasil
O quarto carro da Viradouro contou sobre a chegada do candomblé Jeje no Brasil, pelas mãos de Ludovina Pessoa, em meados do Século XIX, que tinha missão de perpetuar o culto Jeje e dar acolhimento espiritual aos negros vindos da diáspora africana, oriundo da região da Costa da Mina, especialmente do Daomé.
O carro da escola veio todo trabalhado na cor prata, sendo uma grande oferenda ao Vodum Gu, pai religioso de Ludovina, uma entidade que em outras nações de candomblé, é Ogum, conhecido por ser um exímio ferreiro. Por isso a cor prata no carro e vários elementos simbolizando pregos, Ludovina, com o apoio da religião, construía o candomblé Jeje no Brasil.
“A nossa fantasia vem significando as ferramentas que eles usavam. A fantasia está ótima, leve, muito gostosa, até para a gente ter movimento para poder dançar. Eu acho que esse ano a Viradouro está arrebentando, tanto em fantasia quanto no próprio enredo, na música. Viemos aí para ganhar a nossa terceira estrela”, disse a psicanalista Andrea Ladeslau, de 49 anos.
Segundo a tradição oral recolhida nos terreiros baianos, Ludovina seria uma guerreira Mino, que transitava regularmente da África à Bahia através da transformação em pássaro. Mas a batalha que travaria no Brasil era outra: erguer casas de santo dedicadas aos Voduns em solo baiano. Assim, a líder religiosa teve papel fundamental nos assentamentos do candomblé Jeje entre as cidades de Cachoeira e Salvador.
“Eu achei super confortável. Eu achei bem bonita também, porque o ano passado eu vim de vermelho, aí deu uma diferenciada bem boa, com muito brilho dessa vez. E querendo ou não, é a cara da Viradouro, porque a Viradouro tem sempre muito brilho, muito glamour e eu amo de paixão”, contou o goiano, Edgar Miranda, que colocou até um piercing em forma de cobra para homenagear a escola que traz a cobra, representação de Dangbé, o rei do candomblé Jeje.
O carro é uma grande oferenda a Gu, o senhor do metal e da guerra, sendo o carro um tramado em ferro, ornado com elementos de culto Vodum. A representação do metal permeia toda a base e a decoração da alegoria, que traz a imponente sacerdotisa, cujo corpo surge como uma mística esfinge, figura feminina constituída a partir do ferro.
“As composições estão representando justamente essas riquezas do Vodum Gu, os metais, que é a força ancestral de Gu”, disse o componente Renan do Carmo, de 29 anos.