Dia 20 de dezembro e o cenário é, mais uma vez, revoltante. Nenhum centavo pago, nenhuma parcela depositada e nada de previsibilidade. O poder público, que tanto gosta de posar de amante do carnaval, abandona as escolas de samba do Rio de Janeiro justamente quando elas mais precisam. É um ABSURDO e precisa ser dito com todas as letras.

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O discurso é bonito, as fotos são fartas, os sorrisos aparecem em janeiro e fevereiro. Mas, na prática, o carnaval segue sendo tratado com descaso. Prefeitura do Rio e Governo do Estado ainda não efetuaram o pagamento de nenhuma parcela da subvenção para as escolas do Grupo Especial e das Séries Ouro, Prata e Bronze. Estamos no fim de dezembro, com barracões funcionando no limite, trabalhadores sem saber se vão receber, ter o direito de ceiar no Natal e os dirigentes tendo que fazer malabarismo para manter os trabalhos minimamente de pé.

O prefeito Eduardo Paes, conhecido como “prefeito do carnaval”, alguém que conhece como poucos o dia a dia das escolas de samba, demora inexplicavelmente a liberar um apoio que é fundamental para os desfiles. Não se trata de luxo, mas de cadeias produtivas inteiras, de gente que vive do carnaval, famílias que dependem desse trabalho para sobreviver.

A pergunta que não quer calar é simples: vai chegar janeiro, fevereiro, o prefeito vai visitar barracões, tocar com baterias, colocar chapéu de malandro, desfilar simpatia… e fica tudo bem? Os sambistas não podem aceitar isso como normal. Onde está a previsibilidade? Pagar a primeira parcela da subvenção entre os dias 10 e 15 de janeiro é ser “prefeito do carnaval”? Isso beira o impossível. Não há como disputar título, nem mesmo realizar um desfile digno, sem patronos, sem empresários, sem apoio de prefeituras locais. Para a maioria das escolas, a subvenção, principalmente dos Grupos de Acesso, é questão de sobrevivência, não de competitividade.

Enquanto isso, exemplos existem. Niterói e Maricá mostram que é possível fazer diferente. Lá, o poder público acredita, investe, incentiva e planeja. Não aparece só para usufruir do holofote. As escolas são tratadas como patrimônio cultural vivo, não como cenário descartável.

E o governador Cláudio Castro? O Estado, em sua gestão, apoia as escolas de samba, é verdade. Mas, assim como na Prefeitura do Rio, até agora não há sinal do apoio financeiro. O silêncio dói. É triste ver a principal manifestação cultural do nosso estado ser tratada com tamanho abandono, mesmo por governos que dizem compreender sua importância.

No âmbito federal, o cenário também é nebuloso. O governo voltou a dialogar, há sinalização de apoio, mas a realidade é que nenhum valor foi pago até agora, e tudo indica que os recursos só devem chegar no fim de janeiro ou até em fevereiro. Para quem precisa comprar material agora, isso é quase inútil. Os preços já estão nas alturas, o atraso compromete a produção dos desfiles e o sufoco financeiro recai, mais uma vez, sobre quem está na ponta.

O Ministério Público, tão atento à fiscalização das subvenções, poderia ir além. Poderia ajudar os trabalhadores das escolas de samba exigindo previsibilidade de pagamento, com um cronograma claro, começando, por exemplo, em julho, um sonho antigo e absolutamente razoável das agremiações. Os Tribunais de Contas, tanto do Estado quanto do Município, também podem e devem atuar para garantir organização, transparência e respeito.

O que não pode mais acontecer é chegarmos a dezembro sem nenhum centavo de subvenção, em governos que dizem “gostar” das escolas de samba. Se é assim com quem gosta, imagine se não gostasse. Comprar material nesse momento é quase impossível, a produção atrasa, e quem sobrevive financeiramente do carnaval é jogado em um abismo de incertezas.

As ligas ainda conseguem, por outros caminhos, levantar algum recurso. Se não fosse isso, a crise já seria gigantesca. Mas não é aceitável que o carnaval do Rio viva eternamente de pires na mão, dependendo de favores, improvisos e promessas vazias.

O carnaval não pode ser apenas usufruído em fevereiro. Ele precisa ser respeitado o ano inteiro. E respeito, nesse caso, se chama planejamento, previsibilidade e pagamento em dia. Tudo o resto é discurso.