Observar hoje os ensaios das escolas de samba do Grupo Especial rumo ao Carnaval 2026 é, antes de tudo, confrontar uma realidade que pouco dialoga com a memória afetiva dos desfiles das décadas de 1980 e 1990. Antes, as alas fluíam como um organismo vivo, vibrando em uma espécie de “confusão de alegria” que não comprometia a organização; pelo contrário, fortalecia. Havia espontaneidade, diversidade de movimentos, troca de energia entre os componentes. Nada do atual “militarismo coreográfico”, que engessou a forma de se desfilar.

* Seja o primeiro a saber as notícias do carnaval! Clique aqui e siga o CARNAVALESCO no WhatsApp

evolucao quesito
Foto: Alexandre Macieira | Riotur

Hoje, o ponto mais grave é que o próprio componente aprendeu errado. Quem entra numa ala acredita e é frequentemente instruído que deve permanecer preso naquele território: se está na lateral esquerda, não pode atravessar para a direita; se avançar um passo fora é como se estivesse cometendo um pecado carnavalesco. Essa lógica equivocada bloqueia qualquer possibilidade de fluidez. Perde-se o gesto libertador de brincar o carnaval.

É verdade que as alas diminuíram de tamanho, assim como o número total de componentes das escolas. Mas esse enxugamento não se traduz em rendimento melhor no quesito Evolução. Pelo contrário: se em Harmonia o canto está cada vez mais potente e tecnicamente impecável, os ensaios de rua deixam claro que a Evolução não consegue acompanhar o mesmo patamar.

E é importante dizer: o problema não está nas “paradas” da comissão de frente e do casal para simulações de julgamento. Isso faz parte do desenho do desfile. A trava está nas alas, mas apenas nelas. A ausência da fluidez vem justamente da falta de espontaneidade e da incapacidade de permitir que o componente viva sua escola de maneira orgânica.

Não vemos buracos entre alas. Não há falhas nas entradas e saídas da bateria nos recuos. A engrenagem técnica está funcionando. O que falta é a chama humana. O samba no pé, ainda que raro, talvez seja pesado cobrar em massa. Mas alegria, vontade e raça não são. São exatamente esses elementos que sustentam a narrativa do quesito Evolução.

Hoje, acompanhar um ensaio é, muitas vezes, assistir a algo muito mais próximo de uma “aula de academia de ginástica” do que de um cortejo popular em celebração coletiva. Componentes andam pelas ruas, rígidos, marcando passos com tamanha dureza que o som dos calçados muitas vezes encobre o ritmo da bateria. Aí surge a contradição: o manual do quesito pede coesão e espaçamento uniforme. Mas o entendimento radical desses termos acabou engessando a apresentação, e, principalmente, a emoção.

Uma escola de samba pode ser organizada sem ser engessada. Pode ser tecnicamente precisa sem ser fria. Coesa sem ser militarizada. E, acima de tudo, deve ser uma agremiação que desfila solta, feliz, pulsante, espontânea, como é a sua essência.

Cabe aos diretores de carnaval e de harmonia, junto aos auxiliares, resgatarem essa mentalidade. A função deles não é apenas ordenar, alinhar e controlar, mas permitir que o componente compreenda sua missão: brincar o carnaval. Nos ensaios e nos desfiles. Sem medo de cruzar de um lado ao outro da ala. Sem receio de vibrar. Sem travas invisíveis.

O quesito Evolução pede movimentação. Mas, antes de tudo, pede vida.