Uma Grande Rio que volta a aprender com a sabedoria das florestas, a mergulhar nas cosmovisões dos povos originários e a passear, encantada, por causos, lendas, matas e giras: eis a proposta do enredo “Nosso destino é ser onça”, mais uma criação autoral dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Guiados pela narrativa mítica de “Meu destino é ser onça”, livro do escritor Alberto Mussa que “restaura” o mito tupinambá da criação do mundo, os artistas propõem uma reflexão sobre a simbologia da onça no cenário artístico-cultural brasileiro, tocando em temas como antropofagia e encantaria. A sinopse do enredo será divulgada em breve.
Essa “proposta de devoração”, como denominam os carnavalescos, vem sendo pesquisada há 7 anos, como destaca Haddad: “Começamos a pesquisar esse enredo em 2016. O livro de Alberto Mussa narra que a onça possui papel central na cosmovisão dos Tupinambá, dado que nos levou a pensar na importância dessa simbologia para as narrativas míticas de outras nações indígenas brasileiras e latino-americanas. Assim o enredo foi sendo costurado, pegada por pegada, caminhando pelos impérios sertanejos da Pedra do Reino, pela memória de alguns carnavais incríveis, pela utilização da onça enquanto símbolo de lutas do presente, vide a produção de uma série de artistas e coletivos contemporâneos. Não é um enredo preso ao passado, fora do tempo: é uma narrativa de eterna devoração, que salta para o futuro e pensa o Brasil de hoje, terra indígena, tão complexo e diverso em sua riqueza cultural.”
Sobre a proposta estética do desfile de 2024, Leonardo Bora adianta que o público verá na Avenida já pode ser percebido no cartaz de divulgação do enredo, elaborado pela dupla em parceria com o artista Aislan Pankararu. “A arte de Aislan nos faz refletir sobre as ideias de cura, semeadura, floração, transformação. É interessante como a onça está diretamente associada a rituais xamânicos de cura, ocupando posição destacada em um sem fim de histórias, causos, mitos, narrativas de artistas tão expressivos como Rosa Magalhães e Guimarães Rosa. A gente está bebendo desse caldo, construindo um enredo que parte do mito tupinambá para visões e projeções muito contemporâneas – daí a importância do diálogo, já na arte de divulgação do enredo, com a produção de um jovem artista como Aislan Pankararu. Mais uma vez, não é algo óbvio, mas um cartaz com diferentes técnicas artísticas, como pintura, fotografia e bordado, algo que nos encanta bastante. Fazer arte, para nós, é provocar, instigar, gerar discussão, é movimento. Foi assim com Exu e será assim novamente”, demarca Bora.
Aislan Pankararu, o artista a que Leonardo Bora faz referência e cujo trabalho não apenas inspirou, mas pode ser visto na peça de divulgação do enredo, é nascido em Petrolândia, Pernambuco. Ele é originário do povo Pankararu e formado em Medicina. Segundo Aislan, seu trabalho nasce “da memória de suas origens, da necessidade de entrar em contato e expressar a sua ancestralidade.” Já o livro que orienta a construção do enredo foi publicado originalmente em 2009 e se trata de um experimento literário do escritor Alberto Mussa, que, a partir da leitura crítica dos relatos de cronistas como André Thevet e Hans Staden, propôs a restauração do mito tupinambá, narrativa fantástica que explica a importância das ideias de devoração e transformação para os povos originários brasileiros. Os carnavalescos exaltam a troca com o autor: “As conversas com Alberto Mussa foram muito importantes para a expansão do nosso olhar criativo, algo em permanente processo. Apostamos em um samba forte, valente, com a ‘pegada’ de que os torcedores tricolores tanto gostam. É por essa trilha que estamos seguindo”, destaca Haddad.