Um enredo afro religioso é a cara do Salgueiro, isso é inegável. A dúvida que sempre fica no ar é como ele será retratado na avenida e quais signos a escola irá apresentar. Um símbolo mais que representativo sobre o tema é a ancestralidade negra do Salgueiro. Ela, que foi a pioneira em enredos afros, com o Quilombo dos Palmares, em 1960, levou em 2025, a sua velha guarda no abre-alas “Firma ponto ao sentinela, pede a bênção pra vovô”.
Todo trabalhado no vermelho e branco e adornado com pimentas e vários outros elementos de proteção religiosa, a alegoria não saudou sua ancestralidade apenas com sua velha guarda em cima do carro, mas no centro estava uma escultura de um preto velho com um pilão, que saúda e relembra o desfile de 1992, “O Negro Que Virou Ouro Nas Terras do Salgueiro”, quando a escola apresentou uma representação semelhante em seu abre-alas.
A presidente da velha guarda e fundadora do Salgueiro contou ao CARNAVALESCO que a presença da velha guarda no abre-alas é a tradução fiel da essência do Salgueiro.
“Eu, como presidente, achei muito bom a velha guarda vir no carro, ainda mais no abre-alas, é uma coisa que nunca aconteceu na Velha Guarda. Mas eu, particularmente, gosto de riscar o chão, mas para a ala é bom. Ainda mais do lado do nosso Preto Velho, que marcou a nossa história há um tempo e voltou para somar, sendo esse tema de enredo, ele não podia ficar por fora. Hoje estamos abrindo o desfile, mas se eu estiver com a minha comunidade do Morro de Salgueiro, posso abrir ou fechar o desfile, mas melhor ainda é abrir. Ainda mais nesse carro que tem Preto Velho, está cheio de pimenta, cheio de coisa para fechar o corpo, vamos levar proteção, alegria e tudo que a gente tem direito”, contou Maria Albano, de 85 anos, mais conhecida como Caboclinha.
Alicerces da escola, as pretas velhas do Salgueiro vieram em cima do carro representando a herança ancestral do Morro do Salgueiro.
“Eu tenho quase 50 anos de Salgueiro, estive aqui com a escola quando esse preto velho desfilou pela primeira vez e agora venho do ladinho dele. Essa escola tem muita história. Nós estamos aqui representando as pretas e pretos velhos protegendo o Salgueiro. É a primeira vez que eu venho no abre-alas, estou achando tudo maravilhoso, vamos com muita fé, muita sorte para sairmos desse jejum”, falou Marli dos Santos, aposentada, de 77 anos.
“Eu estou muito feliz e emocionada por estar aqui nesse carro, a nossa velha guarda é quase toda preta, então representar essa entidade de proteção é sensacional. O carro é a cara do Salgueiro, todo lindo, cheio de mandinga para a gente fechar o corpo na avenida e ser campeão”, declarou Maria do Carmo Moura, aposentada de 78 anos.
Ao lado do carro, veio um grupo performático, as ‘Erveiras do Salgueiro’, representando uma série de conhecedoras dos mistérios sobre plantas comestíveis e ervas medicinais. Evocando também o conhecimento ancestral da natureza, as entidades protetivas, defumando e limpando as energias para chamar espiritualmente a proteção.
“O carro está maravilhoso, incrível. E a gente vem aqui abençoando no chão, ao lado do carro, mas abrindo o desfile também como as erveiras, abençoando o carro, o caminho da escola ao lado dessa grande equipe aí que é a velha guarda. Dentro do enredo e da proposta do carro, a gente retrata a defumação, o abrir das energias por meio das ervas. Quando você chega no terreiro, eu não sou da religião, mas eu sei que as ervas são muito importantes para os ritos de fechamento de corpo em todos os rituais da religião afro-brasileira. E ter a presença da velha guarda abrindo a escola como guardiã dessa memória, dessa ancestralidade salgueirense, não é nada mais do que providencial. A gente sabe que o Salgueiro é uma escola bem macumbeira e abri o desfile com essa ancestralidade, é muita energia”, disse Alessandra, tecnóloga em estética que é salgueirense desde criança, mas está desfilando pela escola pela primeira vez.
Mais do que uma alegoria, o Salgueiro fez da avenida um terreiro de celebração, onde cada detalhe exalava força, fé e ancestralidade. No abre-alas, a velha guarda não apenas desfilou, mas reafirmou a história de um povo que segue firme, de cabeça erguida, fazendo do samba um ato de resistência.