Um dos nomes mais emblemáticos do carnaval, Neguinho da Beija-Flor tem ciência do peso de suas vitórias. Ele, que se autointitula “da Beija-Flor”, vive com a escola a sua maior história de amor. Aos 73 anos, sequer parece imaginar um momento de separação do carro de som. Em entrevista concedida ao site CARNAVALESCO, Neguinho mostrou seu bom humor e deixou evidente que ainda tem garra de sobra para se destacar como intérprete.
Quando falam que você é o cantor mais importante do carnaval após o Jamelão, o que sente?
Neguinho: “Eu tenho mais tempo, mas não me acho melhor que ninguém. Todos são excelentes cantores. Ser um intérprete de escola de samba é completamente diferente de ser um intérprete comum. Somos uma espécie de maratonista, temos que nascer com essa energia. O meu diferencial é apenas estar aqui há mais tempo”.
Qual é o balanço que você faz da sua carreira?
Neguinho: “Deus me deu muitas oportunidades e sou eternamente grato. Tive um câncer violento em 2008, e continuo aqui anos depois desse sufoco. Pude vencer momentos difíceis e fico muito feliz pelas conquistas”.
Qual é o seu desfile inesquecível pela Beija-Flor?
Neguinho: “O primeiro. Além de ser um samba de minha autoria, a Beija-Flor teve a sua primeira vitória. Foi emocionante. Também preciso citar o de 2009, porque considero que foi o meu renascimento”.
E qual é o seu samba-enredo favorito?
Neguinho: “Vou ter que dizer que é ‘A Deusa da Passarela’. Não é um samba-enredo, mas é o nosso hino”.
O que representa a Beija-Flor e o Anísio na sua vida?
Neguinho: “Absolutamente tudo. Costumo dizer que o Anísio é o homem da minha vida e é verdade”.
Você diz que não tem salário e contrato na Beija-Flor. É uma opção?
Neguinho: “Sim. Temos uma troca, porque a Beija-Flor me proporcionou imensas alegrias. Pude ser conhecido pelo meu trabalho e apresentar ele ao mundo. Seria injusto da minha parte exigir remuneração, já ganhando tanto em outros aspectos”.
Muitas vezes você já citou casos de falta de reconhecimento, como em não ter cachê para cantar no Réveillon do Rio. Acha que falta uma valorização dos intérpretes de samba-enredo?
Neguinho: “O Brasil é complicado, e por isso faço questão de firmar a minha carreira no exterior também. Nós fazemos o maior espetáculo visual do planeta, que é o carnaval, e quando realizam essas outras grandes festas, chamam artistas de diferentes segmentos ou até mesmo internacionais. Se tivermos a sorte de sermos chamados, é sempre por um cachê simbólico. Não há uma valorização do nosso trabalho. Isso é revoltante”.
Como surgiu a ideia de chamar a Ludmilla para cantar com você?
Neguinho: “A Ludmilla é um pouco como eu. Ela veio do nada e representa a comunidade. Na minha concepção, ela é uma rainha, pois derrubou diversas barreiras para estar aqui. Além disso, ela consegue ser do samba e do funk. Também acho que a Ludmilla ilustra bem o nosso enredo, sendo uma heroína para milhares de pessoas”.
O que passa na sua cabeça sobre o futuro? Sua ideia é bater o Jamelão que cantou depois dos 90 anos?
Neguinho: “Enquanto eu tiver saúde, vou estar por aqui”.
Você vem aprimorando a preparação para cantar. Quando sentiu necessidade disso e o que faz nessa preparação no pré-carnaval?
Neguinho: “A idade chega para todos. Suas opções são parar de vez, até para evitar um constrangimento, ou se adaptar. Não quero parar, então sigo as orientações adequadas. Faço aula de canto e tenho uma preparação física”.
Existe algum segredo para cantar por 70 minutos na Avenida?
Neguinho: “Antigamente eu achava que não, mas tem. O diafragma, a abertura dos pulmões… É o que tenho feito. Gosto de dar corridas”.
Por nunca ter saído da Beija-Flor e por tudo que fez, você acha que deveria ter um busto seu na quadra?
Neguinho: “Já tem uma foto minha na quadra! Acho ela linda”.
Você apontou o Bakaninha como seu substituto. Infelizmente, ele faleceu. O Igor Pitta vem muito bem no carro de som. É sua aposta para o futuro da Beija-Flor?
Neguinho: “O Igor Pitta é uma das minhas apostas, mas enxergo um belo futuro para o Lorenzo. Ele nasceu na comunidade, sente esse amor desde o berço. Vi a mãe dele criança e todos os seus irmãos nascerem. Para mim, o Lorenzo tem tudo a ver com a Beija-Flor”.
Algumas mulheres estão aparecendo nos carros de som. O que falta para elas assumirem o posto principal nas escolas?
Neguinho: “É um dos motivos para eu fazer os convites. No ano passado, convidei a Karinah, uma cantora excepcional. Ela disse que a experiência foi maravilhosa, mas decidiu que esse ano assistiria de um camarote. Convidamos a Ludmilla e já temos a Jéssica. Precisamos de mais mulheres envolvidas diretamente com o carro de som, presentes no samba”.