O último domingo tornou-se histórico para a Mocidade Unida da Mooca. Faltando pouco menos de sete meses para o carnaval 2026, a agremiação já realizou o primeiro ensaio de rua para a comunidade. A MUM, como é popularmente conhecida, se antecipou de forma nunca antes vista em escolas de samba a fim de seguir a preparação para a estreia da agremiação no Grupo Especial do Carnaval de São Paulo – que será feita com o enredo “Gèlèdès- Agbara Obinrin”, desenvolvido pelo carnavalesco Renan Ribeiro. O CARNAVALESCO se fez presente no já marcante ensaio de rua em agosto e traz a palavra de uma série de nomes importantes da Mocidade Unida da Mooca, além de contar como foi a atividade.

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No coração da Mooca

A MUM começou o primeiro ensaio de rua da agremiação na praça Ciro Pontes, local em que foi feito o esquenta, com pagode executado por integrantes da agremiação. O carro de som foi posicionado diretamente na margem direita da rua Bresser, enquanto os componentes iniciavam o deslocamento ainda na rua Taquari, virando à esquerda para descer o histórico logradouro mooquense.

Para não subir o viaduto Bresser, os componentes seguiram na margem direita da rua, passando na frente da Biblioteca Affonso Taunay e do SENAI Theobaldo de Nigris, até virarem à esquerda na rua Bresser, chegando na quadra da Mocidade Unida da Mooca – abaixo do viaduto citado.

Na rua desde cedo

Ao longo de todo o ciclo carnavalesco para 2026, a Mocidade Unida da Mooca se destaca como a agremiação que está adiantando datas no cronograma. A explicação para tal característica da escola é destrinchada por Rafael Falanga, presidente da instituição: “Primeiramente, a MUM vive um momento único. A gente está vivendo essa oportunidade de estar no Grupo Especial intensamente, a cada dia e a cada oportunidade”, explicou.

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Rafael Falanga, presidente da Mocidade Unida da Mooca

Quem vai pelo mesmo caminho é Vitor Gabriel, diretor de carnaval da instituição, aproveitando para destacar a canção da MUM: “É muito importante, para a gente, iniciar antes. A Mooca chega pela primeira vez no Grupo Especial, pega um grupo com grandes potências. A gente já começa atrás delas, a gente precisa, de alguma forma, tentar chegar próximo delas. Para isso, a gente precisa adiantar todo esse processo”, comentou.

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Vitor Gabriel, diretor de carnaval da instituição

Para a eternidade

Ao serem perguntados sobre o ensaio de rua precoce, os dois nomes trouxeram pontos de vista diferentes. Para o presidente, a agremiação apenas retoma uma característica antiga da folia paulistana: “No momento do Carnaval de São Paulo, em que a gente cada vez mais vê as quadras esvaziadas, os processos começarem mais tarde, esse é um ponto de partida para a gente começar a trazer as pessoas novamente para dentro do processo de Carnaval, do terreiro, da quadra, da rua, num período que é considerado cedo hoje em dia. Para nós, em um período comum do meio do ano, a gente relembra que a escola de samba funciona o ano inteiro”, alertou.

O mandatário mooquense, por sinal, conclama as coirmãs a fazerem o mesmo que a Mocidade Unida da Mooca fez no já histórico domingo: “Acredito e espero que isso sirva também para que outras escolas antecipem suas etapas, para que cada vez mais o samba, o Carnaval e as escolas de samba ocupem as ruas, ocupem seus terreiros e façam eventos pelo ano todo. Não é nenhuma questão de pioneirismo, é uma questão de resgate, de trazer o povo do samba para a rua em meio de ano, de antecipar esse processo de preparação, como sempre foi. A gente acabou perdendo isso ao longo dos anos, nós estamos tentando resgatar”, destacou.

Vitor Gabriel foi mais sucinto, caprichando no bom humor: “A gente já traz isso no refrão do nosso samba: ‘a Mooca faz revolução’. A gente já quer revolucionar essa questão do ensaio de rua em agosto”, afirmou.

Ajuda?

A reportagem perguntou para alguns nomes importantes da MUM se ir para a rua tão cedo é, de fato, interessante para os segmentos. Unanimemente, todos concordaram que a estratégia mooquense é muito válida. Gui Cruz, um dos intérpretes presentes, destacou a força que o conjunto ganha fora da quadra: “Para o cantor e para a escola como um todo, a rua é o espelho da avenida. Quando a gente está dentro da quadra, a gente não tem como sentir a escola desfilando, em cortejo reto. Nada melhor do que iniciar um ano especial indo para a rua”, pontuou.

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Gui Cruz, um dos intérpretes presentes

Já Sté Oliveira, outra intérprete presente, focou nos presentes no evento: “O nosso presidente é super animado, ele acredita na comunidade e acredita que vai dar muito certo. A importância de a gente poder já fazer esse ensaio agora é já ter noção do que nos espera, trazer a comunidade, enxergar e acreditar que é possível a gente levar esse enredo, esse novo tempo da Mocidade Unida da Mooca no Carnaval como um todo, no Grupo Especial 2026”, vislumbrou.

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Sté Oliveira, outra intérprete presente

Jefferson Gomes, mestre-sala da MUM, deu uma aula sobre o processo de criação da coreografia para a dupla que ostenta e defende o pavilhão da instituição: “Para a gente, que já começou a ensaiar e já está ensaiando na quadra há um tempo, a vantagem de se ter o contato com a rua agora é que, como a nossa escola tem um samba lançado também muito cedo, a gente já consegue começar a moldar uma coreografia em deslocamento – que é o que a gente vai executar no Anhembi. Normalmente, a gente cria a coreografia no espaço fechado, num quadrado, num espaço mais reservado. Agora, a gente tem a oportunidade de, já em agosto, já colocar em prática algumas coisas que a gente só colocaria em outubro ou novembro. A vantagem é que a gente já consegue testar e consegue eliminar muita coisa que talvez não vai dar certo”, explicou.

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Casal Jefferson Gomes e Karina Zamparolli

Karina Zamparolli, porta-bandeira da Mocidade Unida da Mooca, concordou com a dupla e trouxe ainda mais uma questão – sempre citada por quem ocupa tal posto: “O Jefferson só esqueceu de falar do vento! A porta-bandeira só pensa no vento. Ele está certíssimo em tudo que falou, mas é necessário falar do vento, eu já vim pensando no vento. Está ventando para caramba hoje, mas é bom. É bom porque a gente vai se acostumando, também. Isso acontece muito no Anhembi, a gente já vai um pouco mais preparado”, comentou.

Mestre Dennys Silva, comandante da Chapa Quente, bateria da MUM, identificou que a ida precoce à rua está de acordo com tudo que a agremiação está fazendo ao longo do ciclo carnavalesco: “É super importante ensaiar na rua tão cedo – assim como o samba, que já saiu muito antes. Eu já estou trabalhando com o samba há três meses, já faz um bom tempo”, comentou.

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Outra questão também foi comemorada por Dennys: “Para mim, é muito importante essa interação com o carro de som: tem o delay, a gente faz os paradões, entende se a bossa está atrapalhando os demais setores, os demais departamentos. É importante fazer teste, teste, teste, ir para o próximo ensaio de rua e ir corrigindo essas pequenas falhas”, arrematou.

Acústica em pauta

Sair de uma quadra para ganhar um espaço aberto é sempre um desafio para quem está em um segmento que lida diretamente com o samba-enredo. Gui Cruz explicou: “Na quadra, é tudo um pouco mais abafado. A quadra da Mooca tem um projeto acústico especial, as coisas são bem abafadas. Para a bateria também é assim, aliás. É óbvio que a gente ensaia na quadra e tudo mais, só que os ensaios de rua, quando não estão chovendo, a gente consegue realmente ouvir o somo como a gente vai ouvir lá no Anhembi,  já que é aberto, não é fechado. A rua só traz benefícios para a gente”, destacou.

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Dennys foi pelo mesmo caminho: “A gente está na rua hoje, mas todas as quartas-feiras eu ensaio ali na praça Vicente Matheus, do lado da quadra, para acostumar com a acústica sem o teto. Dentro da quadra, a acústica fica batendo e voltando, não é o ideal. E, na rua, facilita tudo. A gente já simula um box, faz o rodízio das peças, faz toda a manobra de recuo”, comemorou.

Já Sté preferiu focar na força do canto mooquense: “Quanto à acústica, a gente começa a entender que a nossa frase de que ‘escola que canta, ganha’ é aqui e é à vera. Na quadra é muito bom, o ensaio é quente e é aconchegante, mas à vera é a rua. E é o nosso chão: o nosso chão é a rua, mesmo”, afirmou.

Falando em canto…

Reconhecidamente com um dos cantos mais fortes do Carnaval paulistano, a Mocidade Unida da Mooca utiliza muito os ensaios de rua para ter um termômetro de como está a comunidade. Vitor Gabriel explica: “Sobre a questão específica de hoje, do ensaio de rua, é importante explicar para quem não frequenta a MUM: no último Carnaval, que a escola conseguiu o acesso, 90% dos nossos ensaios foram de rua. De janeiro, da virada do ano para cá, todos ensaios de domingo foram na rua. É uma fórmula que deu certo. A gente gostaria de entrar num processo com o pé direito – e nós entramos com o pé direito. Num primeiro ensaio de rua, a gente já consegue sair cantando, evoluindo. É como se fosse o reconhecimento do trabalho que foi feito – e a gente mostrar qual vai ser o caminho desse ano. Queremos estar 90% na rua de novo”, comentou.

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Gui Cruz também relembrou o ciclo carnavalesco que levou a agremiação para o Grupo Especial: “No ano passado, a Mooca fez muito ensaio de rua: depois que virou o ano, só o último ensaio que foi na quadra; os outros ensaios foram todos na rua. E deu sorte! Nesse ano, teremos, também, mais ensaios na rua: a rua vai ajudar, sem dúvida nenhuma, a corrigir muitas coisas. As notas de evolução vieram, a Mooca subiu por conta das notas de Evolução – e, sem dúvida nenhuma, a rua foi muito importante para essas notas de Evolução”, relembrou.

Mais especificidades

Outros segmentos também apontaram algumas questões pertinentes a departamentos específicos. Jefferson destacou que a irregularidade do asfalto, embora traga desafios em ensaios de rua, também traz benefícios mais para frente: “Referente ao asfalto, o contato com o solo e os cuidados que temos que ter, de não é o chão adequado. Mas a vantagem é que, quanto mais dificuldades no chão irregular, a gente realiza a coreografia ainda melhor no chão regular, com muito mais tranquilidade e facilidade. Na rua, tem valeta, a rua meio descaída. Quando vai para o chão do Anhembi, retinho e lisinho, a gente já consegue executar bem melhor. Se um giro saiu torto na rua, no plano ele sai tranquilo”, comemorou.

Indagada se o vento na rua Bresser (com muitas faixas e bastante aberta até o começo do viaduto de mesmo nome) é maior ou menor que no Anhembi, Karina destacou que o desfile oficial, por vezes, traz atenuantes: “É uma pergunta difícil porque venta em todos os lugares. Como é muito aberto, tanto na rua quanto no Anhembi, a importância desse ensaio é justamente para a gente conseguir ter uma noção de como vai ser no Anhembi – lá também é muito difícil. Quando é o desfile oficial, acaba abafando um pouco por conta dos carros alegóricos e por conta do público que vai em peso. Tudo isso ajuda um pouco. Mas, mesmo assim, a gente pode enfrentar essas adversidades – e, por isso, a gente faz tanta questão de ter esses ensaios na rua, em específico, e se empenhar bem para que a gente esteja realmente preparado”, refletiu.

Sair da quadra e caminhar cerca de meio quilômetro tocando algum instrumento também é algo que fez com que mestre Dennys respondesse à reportagem: “Eu aprendi com os mais velhos que a gente tinha que ter uma resistência. Esse é o momento de pegar braço, falando com a linguagem bem popular. Precisamos ter resistência na avenida. Estamos no Grupo Especial agora, é um pouco mais de tempo de desfile. Tem que ter essa resistência e é bom treinar desde agora. São quase seis meses de treino, todo mês a gente vai fazer um ensaio de rua. Vai ser bem legal, é muito importante”, destacou.

Vale destacar que, no Grupo de Acesso I, o tempo de desfile é, obrigatoriamente, entre 50 e 60 minutos; no Grupo Especial, entre 55 e 65 minutos. Os limites em questão foram averiguados pela reportagem de acordo com o Carnaval 2025.

Avaliação e desafios

Vitor Gabriel não falou apenas sobre o quão histórico realizar um ensaio de rua em agosto é. O diretor de carnaval também fez questão de avaliar algumas situações da MUM: “Com certeza dá para avaliar algumas questões do quesito a quesito. O primeiro ponto que eu vou falar que dá para a gente avaliar é a questão do samba: depois da definição do enredo da escola, a primeira coisa que se define é o samba-enredo. E, aqui, a gente já começa a sentir se o samba está legal – ainda mais na Mooca, onde todo o mundo do samba sabe que o samba é um samba encomendado, é um samba feito dentro de casa. Até a gravação da Liga-SP, entre setembro e outubro, até a entrega da pasta, é passível altera o samba. A gente, fazendo esse ensaio agora, já sente primeiro ponto: se o samba está com tudo bacana, se tem que fazer ajuste de letra ou de melodia”, destacou.

Há mais avaliações passíveis, de acordo com o diretor: O segundo ponto é a questão dos próprios quesitos que a gente vê. A gente consegue avaliar o casal e a comissão-de-frente, por exemplo: ver se a coreografia que eles estão fazendo está funcionando, eles ganham uma margem maior para alterar isso. Se eles sentiram que algo não está legal, eles ganham um tempo. A mesma coisa com os segmentos. A gente iniciando antes esse processo, temos um tempo maior para ajustar. É possível avaliar, sim – e é fundamental”, prometeu.

O profissional também destacou algumas questões pertinentes ao bairro da Mooca, dos mais tradicionais e cheios de personalidade da cidade de São Paulo: “Quem conhece a região da escola sabe que é muito difícil a gente achar uma grande avenida para ensaiar. Aqui é um bairro de fato: ruas curtas, muita curva. A Radial Leste, que a gente tem do outro lado, tem um hospital. A gente tem que se virar. É muito difícil para a gente esse processo de liberação: onde a gente ensaia é uma alça de acesso para a Radial Leste – quem é de São Paulo conhece e sabe a importância dessa via. É muito complicado”, comentou.

Ao sair da quadra da Mocidade Unida da Mooca, à esquerda, o primeiro logradouro existente é a avenida Alcântara Machado – primeiro nome dado à Radial, que conta com mais de 23 quilômetros de extensão e vai até a cidade de Ferraz de Vasconcelos. Dois quarteirões passando a Alcântara Machado, aparece o Hospital Salvalus – já mais próximo da estação Bresser-Mooca do metrô.

O diretor também aproveitou para destacar que, por vezes, a escola precisa mostrar a veia mais guerreira que existe na comunidade da Mocidade Unida da Mooca: “Mesmo com muita antecedência, às vezes a gente tem uma negativa. Só que, mesmo assim, a gente bota a escola na rua. Vou ser sincero: a gente é um pouco teimoso. No ano passado, a gente conseguiu a autorização para cinco ensaios de rua dos dez que previmos. Nos demais, a gente meteu as caras e foi para a guerra. Pedimos liberação para a CET e entramos com ofício solicitando o espaço para a subprefeitura da Mooca com até vinte dias de antecedência – mas nem sempre é acolhido; e, mesmo assim, a gente vai para a rua. Às vezes, a CET fala para a gente acelerar o passo e ir embora logo para a quadra – e em outras vezes, igual hoje, a gente passa tranquilo”, revelou.

Vem mais por aí

De acordo com o presidente da MUM, os próximos passos da agremiação também incluem surpresas: “A partir da semana que vem já começam os ensaios gerais na quadra. Nós temos uma agenda de quadra e rua, que serão alternados conforme a estratégia da Harmonia. Daqui para o carnaval todo domingo; em janeiro, sexta e domingo. Sobre o que tem de pioneirismo (e eu nem sei se essa é a palavra, acho que seria melhor dizer que estamos queimando largadas) daqui para frente, a gente vai deixar como segredo e vai anunciar nas redes sociais. Vem mais coisa por aí, com certeza”, finalizou Rafael Falanga.