Por Gustavo Lima e Will Ferreira

Mesmo com a temperatura girando em torno dos 14°C, no último domingo, a quadra da Mocidade Unida da Mooca, sob o viaduto Bresser, foi puro calor humano. A escola foi a primeira do Grupo Especial de São Paulo a lançar, de forma oficial, seu samba-enredo para o Carnaval 2026. A obra que embalará o desfile “Gèlèdés – Agbara Obinrin” é assinada por Lucas Donato, Gui Cruz, Aquiles da Vila, Fabiano Sorriso, Marcos Vinicius, Vitor Gabriel, Biel, Mateus Pranto e Willian Tadeu. E bastaram os primeiros acordes para mostrar que o samba já está na ponta da língua da comunidade. * OUÇA AQUI O SAMBA-ENREDO

Samba antes da sinopse

A dinâmica para coroar um samba-enredo na Mocidade Unida da Mooca é bastante peculiar. A canção, por exemplo, precede a sinopse. Esse é um ponto importante para entender uma das tantas particularidades da MUM, segundo Vitor Gabriel, diretor de carnaval da escola e um dos autores do samba.

“Desde 2017, a Mocidade Unida da Mooca opta por um processo interno. A gente não abre disputa. A escola seleciona alguns compositores, monta uma ala interna e desenvolve o samba, inclusive com a presença do presidente. Aqui, o presidente também é compositor. Ele é um pouquinho carnavalesco, um pouquinho compositor… se envolve bastante”, revelou.

Gui Cruz, também compositor e intérprete da escola, reforçou: “Na Mooca, quem manda é a música. A gente sente a energia e escreve. O texto base existe, claro, mas a construção parte do que a melodia nos inspira”.

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Gui Cruz (intérprete), Marcos Vinicius (diretor musical) e Vitor Gabriel (diretor de carnaval) que assinam o samba com os compositores Lucas Donato, Aquiles da Vila, Fabiano Sorriso, Biel, Mateus Pranto e Willian Tadeu. Fotos: Gustavo Lima e Will Ferreira/CARNAVALESCO

Fórmula que dá certo

Rafael Falanga é constantemente citado pelos artistas da escola como parte fundamental do sucesso. “Aqui, o presidente é um pouco carnavalesco, um pouco compositor, um pouco de tudo. Ele se envolve em todas as etapas”, diz Vitor Gabriel.

Falanga também fez questão de valorizar o caminho trilhado: “Damos liberdade para os compositores se expressarem com o coração. Música é sentimento. E é essa emoção que queremos levar para a avenida”, declarou.

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Gui Cruz (intérprete) e Marcos Vinicius (diretor musical) – ambos compositores do samba

Marcos Vinícius, outro compositor da canção, complementa: “A música fala primeiro. Não tem como a gente colocar uma letra dentro de um samba-enredo sem uma música . conduzindo o trabalho da ala musical e já saio um passo na frente”, comemorou.

Elogios à equipe

Outro profissional do MUM elogiado foi o carnavalesco Renan Ribeiro. Quem teceu homenagens a ele foi Vitor Gabriel: “O processo com o carnavalesco foi super tranquilo. O Renan é um cara que, além de ser um profissional excelente no seu trabalho, é muito aberto para as ideias. Eu participei desde a construção do enredo, desde quando a proposta surgiu. A acessível dele por esse desenvolvimento do enredo e do samba é a prova viva disso – porque, no samba, o compositor sempre foge um pouco do que o carnavalesco imaginava”, revelou.

Nada disso, entretanto, aconteceu com o carnavalesco da MUM: “Ele é um cara que não foi resistente a isso – pelo contrário: ele foi super agregador e gostou da proposta do samba. Mesmo as partes que estavam fora da ideia inicial dele, ele buscou se adaptar. Hoje, a gente já está na parte de produção dos pilotos, a gente já fez a construção final da sinopse e, tudo isso, o Renan foi se ajustando com a equipe dele. Tem sido super tranquilo, mesmo”, disse Vitor Gabriel.

Outro nome importante da Mocidade Unida da Mooca elogiado foi Rafael Falanga. E quem o elogiou foi Marcos Vinícius, relembrando a própria história dele na instituição: “Eu já tinha desfilado na MUM como cavaquinista por dois anos. O Rafael é um amigo de longa data.

Trio de intérpretes

Sté Oliveira, intérprete que passa a ser uma das oficiais do MUM a partir do ciclo de 2026, também elogiou o mandatário da agremiação: “O sentimento é de muita garra e muito carinho. sintetizou.

No fim das contas, as palavras de Sté Oliveira ressoam e destacam não apenas o enredo da MUM, para o papel social de uma escola de samba: “A verdade é que o tema faz parte da minha vida. O enredo não está falando só de mim, Sté, mulher preta, mas representa milhares de mulheres. Estou muito grata por estar cantando a minha própria história”, emocionou-se.

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Sté Oliveira, intérprete que passa a ser uma das oficiais do MUM a partir do ciclo de 2026

O elogio de Marcos Vinícius foi feito para um dos intérpretes da agremiação: “Acho que Deus coloca tudo no lugar certo. Para esse ano, já temos a volta do Gui Cruz para o tempo, que é um cara que tem dez sambas na escola e conhece os caminhos. Eu só quero agradecer a Deus e aos orixás por ter feito essa especificamente, porque é a primeira vez da escola no Grupo Especial e a gente foi agraciado com esse presente”.

Emerson Dias, outro componente do trio de intérpretes da Mocidade Unida da Mooca, fez questão de elogiar os companheiros de microfone principal: “Tem coisas que são inexplicáveis – e a gente não tem dimensão para poder falar o que acontece. Eu tinha escutado o samba, eu já vinha trabalhando ele lá do Rio de Janeiro. Ainda não tinha feito nada com a comunidade, nem com o Gui e a Sté – que, para mim, são um tesouro. Mais uma voz do carnaval de São Paulo que vai ganhar o Brasil, assim como Eliana de Lima, Bernadete e Grazzi Brasil”, comentou.

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Emerson Dias, componente do trio de intérpretes da Mocidade Unida da Mooca

Ele também enalteceu a comunidade mooquense: “A comunidade já roubou o samba e é acostumada a cantar. Parece que eles têm um grave defeito que é só fazer samba bom. A gente começou a cantar aqui um pedaço da discografia e foi só ‘porradão’, com a escola cantando muito. É um privilégio poder estar aqui mais um ano um ao lado daquelas pessoas que tanto batalharam para levar a escola ao Grupo Especial. O sonho foi realizado, a comunidade está feliz e eu acho que a escola tem um potencial muito grande para conquistar muito espaço ainda no carnaval de São Paulo. Tenho certeza de que a gente vai permanecer em uma posição muito boa e segura”, prometeu.

Palavra do presidente

Não foi apenas o samba que foi elogiado por Rafael Falanga – ele também fez questão de enaltecer o enredo da escola: “É muita felicidade! Mais um grande enredo, e, consequentemente, mais um grande samba. Quero agradecer inclusive os nossos compositores. encontrar raízes na comunidade. É um enredo relevante, é um samba que a comunidade escondeu e parece que é uma coisa natural Hoje foi uma demonstração: a escola cantou muito e acredito que vai ser assim até o final”, comentou.

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Presidente Rafael Falanga

O mandatário aproveitou para já projetar uma apresentação da escola, que inaugurará o Grupo Especial de São Paulo em 2026: “A MUM tem uma oportunidade na mão de fazer o maior e o melhor carnaval possível, entregar tudo que ela tiver e mais um pouco para fincar bandeira no Grupo Especial do carnaval de São Paulo. O que acontecer é consequência real de uma oportunidade que nós vamos abraçar com todas as forças, o tempo inteiro, a cada oportunidade que a gente tiver aqui dentro, no Anhembi e no dia do desfile”, vislumbrou.

Adaptações

O diretor de carnaval, Vitor Gabriel, também destacou algumas mudanças que a agremiação fez para estrear no pelotão de elite do carnaval paulistano: “Para começar a conversa, o início da produção dele já foi todo diferente. A Mooca foi a primeira escola a anunciar e divulgar o samba, a gente já divulgou lá no evento da ordem dos desfiles. Já foi diferente a partir daí, nessa antecipação. A Mooca é uma escola que está chegando agora pela primeira vez no Grupo Especial, as outras escolas saem um pouco na frente em processo de produção e tudo mais. Já a gente precisa acelerar alguns processos”, afirmou.

Inaugurar os desfiles da sexta-feira também entra na somatória de novidades do MUM: “Além da atenção e desse processo diferenciado, tem aquele peso do Grupo Especial, de abrir o carnaval no horário nobre na televisão, logo, tem essa questão de adiantar todo esse processo. Foi bem diferente, sem dúvidas”, refletiu.

Preferências

Muitas vezes, o samba-enredo costuma ter diversas partes citadas como favoritas por membros da escola. Em relação ao samba da Mocidade Unida da Mooca para 2026, entretanto, uma dessas partes foi muito comentada: o refrão principal.

Vitor Gabriel foi um deles: “Eu tenho trechos favoritos no samba. Mas eu acho que a cabeça do samba foge um pouquinho do convencional. Ele tem uma virada para a parte do silêncio, onde a bateria faz uma bossa… o meu xodó acaba sendo esse início do samba, mas chamo atenção para o refrão principal e para o refrão no meio. É um samba muito interessante, é um samba curto, samba divertido, samba gostoso de cantar. Eu tenho certeza que vai ser um sucesso para abrir o carnaval”, comentou.

Gui Cruz citou: “Eu gosto muito do refrão de cabeça: ‘Quero ver, casa-grande vai tremer’. Eu acho muito forte, e quando essa comunidade se juntar para cantar lá no Anhembi vai ser sensacional, tenho certeza”, revelou.

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Marcos Vinicius foi mais um a ir nessa linha: “O refrão de cabeça tem muita força e impulsos a escola a cantar. Eu costumo dizer que o samba-enredo é meio caminho andado para uma escola de samba ter sucesso no projeto, porque através do samba vem a dança do casal, evolução, canto, bateria. É tudo”, comemorou.

Emerson Dias ratificou: “O refrão de cabeça é de uma vibração única. Ele tem umas quebradinhas que… também vamos abrir um parêntese para esse gênio que é o mestre Dennys. Ele consegue ter uma percepção do que a música pede. Ele faz uns arranjos que completam o que a música está indo. Além de marcar a letra do samba e onde está sendo cantado, marca a posição e o corpo do componente – porque a comunidade se mexe de acordo com o que a bateria está fazendo”, finalizou, elogiando o mestre de bateria da Chapa Quente.

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Como foi o evento

O Samba da Barraca, realizado no meio da rua fechada Bresser, deu início aos trabalhos na quadra. Depois, a Chapa Quente, bateria da agremiação comandada por mestre Dennys Silva, fez o esquenta para a comunidade – já com algumas bossas no ritmo do samba de 2026. Após, todos os segmentos da Mocidade Unida da Mooca fizeram um show com pontos de orixás e grandes-sambas-enredo da agremiação.

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Rainha de bateria, Valeska Reis

Foi chegada a hora de se despedir de “Krenak – O Presente Ancestral”, samba que garantiu o vice-campeonato do Grupo de Acesso I de 2025 – e o primeiro acesso ao Grupo Especial da história da MUM. O pavilhão de enredo da agremiação também foi trocado ao som do samba-exaltação da escola. E, enfim, a agremiação começou a executar o samba-enredo.

Chamou atenção a evolução da escola, já com os segmentos em uma ordem próxima do desfile. Uma comissão de frente abriu o cortejo, seguida pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira e ala das baianas. Passistas, malandros, as demais duplas com um pavilhão e outros tantos grupos da agremiação já estavam perfilados. Para dar ainda mais cara de desfile, os componentes passaram a dar a volta pelo quarteirão, entrando e saindo do terreiro da escola pela rua Bresser.