Em alta na opinião pública carnavalesca depois do último desfile, Marcelo Misailidis fez sua estreia como coreógrafo da comissão de frente da Mocidade Independente no desfile de 2025. Pegando todo mundo de surpresa, a aposta do formato do quesito empolgou o público, mas não agradou tanto três, dos quatro jurados, que encontraram motivos para despontar a escola. Com o samba escolhido, ele e sua equipe, começam a dar corpo definitivo ao projeto de 2026, com as expectativas lá no alto para abrir a segunda-feira de Carnaval, homenageando Rita Lee. Em entrevista ao CARNAVALESCO, o coreógrafo falou sobre o resultado, como tem visto o quesito e revelou que considera ter sido despontuado, porque o jurado não tinha como comparar o seu trabalho com outros. Leia abaixo.
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Que balanço você faz do seu quesito, no desfile de 2025 e como viu o seu quesito no conjunto das 12 escolas?
“Eu fiquei muito feliz com o resultado. Eu já vinha há algum tempo observando que as questões envolvendo a volumetria e comissão de frente, às vezes, acaba tirando o protagonismo essencial que o quesito deve ter como narrativa. Esse foi um projeto que a aposta foi feita pensando, principalmente, na questão da oportunidade que se tem para refletir que é possível se fazer espetáculos com grandiosidade, mas apostando na questão da narrativa da comissão de frente e não subvertendo para uma alegoria. Eu acredito que, se nós profissionais não observarmos esse detalhe, o sentido da pertinência de um coreógrafo vai desaparecer. Hoje em dia, o peso está sendo mais em função da alegoria do que do projeto que a comissão de frente se propõe. Não quero dizer com isso que sou contra alegorias, mas eu acho que tem que ter um equilíbrio competitivo. Uma alegoria não pode existir para trocar um elenco inteiro. Em um processo competitivo tem que ter equidade, e igualdade em nível de competição. Deve ser sempre 15 componentes contra 15 componentes, não 15 componentes contra uma pequena ala se apresentando. É sobre essa ótica, porque senão essa tendência pode gerar uma modificação para outros setores, o que impede existir um casal de mestre-sala e porta-bandeira na primeira cabine, ter um segundo casal na outra e o terceiro na outra? A rigor pode, basta você chegar com uma placa de primeiro casal. Enfim, o que eu quero dizer é o seguinte: não é que eu seja preso ao tradicionalismo, mas eu acho que possa se pensar e trabalhar criativamente para o desenvolvimento de caractere que fortaleça o quesito de comissão de frente”.
Você acha que o quesito está refém de uma alegoria para ter um ápice, que alguma coisa da comissão de frente precisa explodir e até a questão do elevador, exaustivamente usado no nos últimos anos?
“A questão da observação de um projeto de comissão de frente é muito rápida. É muito difícil para um julgador saber tirar todas as noções em dois minutos e meio de apresentação. O que tem acontecido é as pessoas criaram um bloco de soluções cênicas que a alegoria justifica essas soluções. É como se fosse um credenciamento para que você diga: ‘o meu trabalho já tem impacto, já tem um visual garantido’. Mas esse visual não é da comissão de frente necessariamente, é de um elemento cenográfico. Isso tem levado a maior parte das escolas em geral a convencionar isso como um facilitador. Se a agremiação tem mais potencial de investimento, traz um carro mais luxuoso, com mais soluções, com mais efeitos. E você consegue criar uma estrutura enorme justamente para dar conta desse gigantismo que se busca nessa questão alegórica. Mas, isso está esfriando a questão humana, o protagonismo, que deve ser quem apresenta a escola. Não é só um espetáculo, é quem apresenta uma escola”.
Olhando o Grupo Especial, você desde a Beija-Flor traz alegorias mais baixas para realmente favorecer algum componente. Você traz 15 componentes sem troca de elenco também. Você se sente sozinho nesse tradicionalismo?
“Eu fui protagonista de começar essa grande volumetria. Depois eu percebi o risco que está por trás de grandes alegorias. Estou começando a buscar um equilíbrio nesse processo. É um elemento, a alegoria, que muitas vezes ajuda na articulação de uma narrativa, mas o problema é como isso é usado. Porque, a maior parte das vezes as pessoas não entendem, necessariamente, que o elenco se propôs a fazer, mas o que o elenco consegue tirar daquilo como efeito. Eu estou tentando investir em dar visibilidade para a importância do quesito em si”.
Nós temos agora no meio do Sambódromo uma cabine espelhada. Você já parou para pensar no seu trabalho?
“É uma questão bem legal. Porque traz um resgate de como eram as avaliações anteriormente que improvisavam apresentar o cortejo. Todos os quesitos, com exceção de comissão de frente e casal, se apresentam indo em frente. Não tem porque um casal ou uma comissão de frente ter que virar de costas para a parte do público que pagou o mesmo valor pelo ingresso. É interessante que o julgador entenda o espetáculo. E essa iniciativa, é para que as pessoas comecem a verticalizar a apresentação e que não haja essa pausa necessária para o jurado. Em comissão de frente, a exigência é apresentar a escola e saudar o público, não é virar para o jurado. É sobre isso que tem que se fazer um trabalho de educação, de explicação, para que as pessoas entendam que o desfile tem que ser voltado para frente. Isso é que é o importante”.
A sua comissão de frente de 2025 é um trabalho incontestável para o público. Menos para três jurados que te tiraram pontos do quesito. Como é que você recebeu essas notas? E como é que você viu a justificativa, por exemplo, a que dizia sobre um componente estar fora de sinergia com o restante do grupo?
“Eu só tive uma nota 10, as outras eu perdi. Em relação à avaliação do julgador, penso que ele foi surpreendido com a apresentação. Mediante a tudo que ele tinha visto, não tinha parâmetros comparativos. Na base da pressão, acredito que ele se viu na condição de como não entendeu claramente a proposta, e como ele precisa dar uma nota, na qual deve ter uma lógica com tudo que ele já avaliou, ficou mais confortável tirar um décimo nosso, porque caso contrário ele não tinha como tirar o 10 daquele que ele já deu. Foi uma surpresa para muita gente, a Mocidade aparecer com uma comissão de frente totalmente no chão e sem nenhuma alegoria. Não condeno o julgador, mas foi um efeito surpresa. Enfim, a mensagem mais importante foi a reflexão que isso gerou, que é voltar a dar visibilidade para o quesito sobre as possibilidades artísticas que tem”.
E se você mesmo disse que o julgado foi surpreendido, o que fica para o ano que vem? Você vai insistir no modelo ou vai adotar um tripé para não surpreender tanto o jurado e não ser tão diferente das outras 11 escolas?
“O projeto ainda está em desenvolvimento. E essas perguntas que você me faz são as mesmas perguntas que internamente a gente discute. Para que lado a gente vai? Porque a gente também tem a responsabilidade de trazer um resultado com nota para a escola. Eu não estou no carnaval para gerar tese. Lógico, como artista, a gente quer mostrar o nosso trabalho, mas a gente tem uma responsabilidade de trazer resultado para a agremiação, porque senão uma nota baixa pode decidir a colocação de uma escola. Essa é uma pergunta que, para mim, está sendo muito difícil saber como que a gente vai se posicionar diante disso”.
E sobre a Rita Lee? Quais as perguntas você se faz para trabalhar o enredo sobre a Rita Lee? E o que você já conversou com o Renato para fazer a comissão de frente?
“Nós estávamos aguardando a definição do samba-enredo, que isso ajuda a nortear algumas decisões. A Rita Lee tem um universo maravilhoso, não só na obra musical, mas como também na questão da vida pessoal dela. Tem várias possibilidades abertas e que está tudo interligado. Quais são as soluções que a gente vai dar de modo responsável, mediante a importância da Mocidade e os cuidados para não permitir com que a escola fique nessa classificação que ficou esse ano”.
Você sempre espera o samba para trabalhar, gosta de contar uma narrativa ou isso depende do enredo?
“A narrativa é muito importante para que você traga um elemento não pautado em querer trazer surpresas da internet. É importante que você traga alguma coisa viva do homenageado, no caso de 2026, ou do enredo em questão. É importante que a narrativa tenha clareza, um propósito, objetivo, não só de você apresentar e saudar a escola, mas apresentar o teu enredo também. E trazer um processo que ajude a contar a história de tudo que está por vir. Comissão de frente é um quesito estratégico, que é a abertura do espetáculo, mas que por trás disso é como se fosse uma protofonia de abertura de uma ópera. Ele tem que ter todas as nuances emocionais do que vem depois”.