Por Milton Cunha, Victor Raposo, Thiago Acácio, Reinaldo Alves, Tiago Freitas e João Gustavo Melo
“TRAVA NA BELEZA: Imaginários sobre o destaque de luxo de escola de samba”, que será publicado no Dossiê da Revista Policromias do LABEDIS, Museu Nacional da UFRJ, com Editoria de Tania Clemente.
Para chegar aos núcleos temáticos, fizemos uma série de entrevistas que passamos a publicar no site CARNAVALESCO, duas vezes por semana. Este material acabou não entrando no corpo do texto, por limitação de espaço, e não queríamos deixar de mostrar. É uma homenagem aos esforços destes luxuosos personagens que habitam nossos sonhos de folia! Viva os Destaques de Luxo, mensageiros do glamour.
Monique Lamarque – Salgueiro
O que você imagina que a plateia imagina quando te vê passando na avenida durante o desfile?
Monique Lamarque: Acredito que as pessoas achem as roupas dos destaques lindas e ao mesmo tempo devem pensar: Que loucos! Tanto trabalho e dinheiro para um desfile de 40 minutos.
Gostaria de saber como surgiu o seu interesse em ser destaque de luxo? Quando foi o seu primeiro desfile nesse posto? Como e quando foi a sua chegada no Salgueiro? Já desfilou em outras agremiações nesse posto? Se sim, quais?
Monique Lamarque: Vamos lá! Vou te contar a história rapidinho. Eu nasci e me criei no Santo Cristo, que é aqui ao lado da cidade do samba. Então eu desde criança eu tive muito acesso porque aqui não é longe da Marquês, não é longe de onde era o desfile antigamente, que era na Presidente Vargas, né. Eu era vizinha do Dacopê que foi diretor, vice-diretor de Bateria da Portela muitos anos. Depois ele foi diretor de bateria da tradição e eu frequentava muito a Unidos de São Carlos, que depois virou Estácio de Sá. Então eu saí algumas vezes assim na, tipo de destaque de chão, na Unidos de São Carlos, né. Com o passar dos anos, que eu fui meio infiltrando mas assim no meio do Samba eu conheci o Luiz Fernando que era carnavalesco da Caprichosos de Pilares e fez um ou dois anos a União da Ilha, então eu comecei a desfilar com ele. Ele me dava um figurino não desenhado e me dizia: “eu quero isso, isso, e isso”. E eu seguir a base do que ele queria. Um ano existiu o concurso de rainha do carnaval e eu fui ser jurada e no júri estava o Roberto Szaniecki, que na época era carnavalesco do Salgueiro. Então, neste ano, tava sobrando um figurino e ele perguntou se eu tava interessada. Isso aí foi em 1995. E aí eu peguei esse figurino e de lá para cá eu tô no Salgueiro até hoje. Entrei no ano de 1995, numa época que no Salgueiro tinham quase 50 destaques, e com o passar do tempo né foram peneirando, peneirando nós nos tornamos seis destaques, que era um para cada carro durante quase 14 anos. E de uns 3, 4 anos para cá nós somos nove destaques na Academia do Samba. E eu sempre gostei muito de carnaval porque, como eu fui nascida e criada aqui, aqui tinham blocos de carnaval muito antigos. Na época que tinha o Banho de Mar à Fantasia, o Fala Meu Louro, o Coração das Meninas, o Eles que Digam e o Estácio, que hoje é Estácio, mas era São Carlos, era só atravessar o viaduto e tava na quadra deles né. Então foi assim que surgiu minha paixão pelo carnaval e eu sempre fui muito apaixonada pelo carnaval assim desde criança até pela área em que eu nasci, que eu me criei, né. E, porque você sabe que aqui nesse bairro, antes da cidade do samba, foi sempre onde existiu todos os barracões de escolas de samba, né. Todos de barracão de escola de samba eram aqui na Zona Portuária. E hoje tem a Cidade do Samba, então foi aí que surgiu minha paixão de carnaval. Mas isso foi desde criança, criança mesmo entendeu? Até eu acho que por influência do bairro. De todas as pessoas que tinham aqui. Aqui tem muita gente envolvida com carnaval muita gente Da Unidos da Tijuca, muita gente da Portela. Muita gente principalmente da bateria da Unidos da Tijuca. Aqui moram muitas pessoas que trabalham na Cidade do Samba. O chefe de ferragem, o Sandro, mora aqui, entendeu? O Bruno que faz as placas de acetato é meu amigo de infância. Então, por aí eu fui me integrando, né, e ficando cada dia mais sólida essa minha coisa dentro do carnaval, entendeu? Não sei se isso atende a pergunta que você fez, qualquer dúvida você me fala que eu respondo de novo, tá meu amor? beijo!
Como é o seu planejamento para desfilar? Qual o seu papel na concepção e elaboração da fantasia? E como é a relação do carnavalesco nesse processo?
Monique Lamarque: O carnavalesco ele dá o desenho, né. Você depois leva um papo com ele falando sobre o material, cores, etc e tal, ideias. Depois o menino que costura, e o que borda e eu nos reunimos e pensamos outras ideias, e assim vai adiante o processo de criação.
E em relação ao personagem/papel que você vai interpretar no desfile. Você faz alguma preparação corporal, nos aspectos de gestual e de semblante? Como que você “encarna” aquilo que está vestindo? Como internaliza as personagens que representa?
Monique Lamarque: Não faço preparação nenhuma não só gosto de malhar. Agora, infelizmente com essa pandemia, nem malhar você pode, né. Mas eu não faço preparação nenhuma não. A não ser os detalhes para que a roupa fique bem dentro do esquema do personagem que vou interpretar na Avenida, entendeu?
Você tem apego com as fantasias? Como lida com a ideia de que ela será vista em pouco tempo pelo público?
Monique Lamarque: Eu não tenho apego pela fantasia não, muito pelo contrário. As minhas roupas, normalmente… Eu morei muitos anos na Suíça aí eu morei com uma amiga, e lá o carnaval da Suíça é no mês de maio e a minha amiga usa minha roupa quando termina o carnaval, ou ela ou alguém. Normalmente ela está aqui porque ela vem assistir o carnaval, ou as poucas vezes que ela não veio alguém levou para ela a roupa. E ela usa roupa lá e depois ela me devolve só as penas, porque normalmente o resto pouco se aproveita entendeu?
Pra você, o que faz uma fantasia de destaque se eternizar na mente de quem assiste os desfiles? E o que faz um destaque se distinguir dos demais destaques de luxo do carnaval?
Monique Lamarque: Eu acho que o que faz eternizar uma fantasia de carnaval é o lugar, a posição que você vem, e o carro quando ele é muito marcante. Por exemplo, nesses 25 anos de Salgueiro, eu tive muita sorte. Eu vim em vários carros que marcaram o carnaval assim, entendeu? Impactou muito, como o carro todo de néon com Renato fez o que eu vim de Fênix e o carro era todo de néon e no topo do carro eu tava sozinha vestida de Fênix. Outros carros que tiveram como Candaces que eu vim de Guerreira, que era o último carro. E outros carros. O do King Kong, muitos outros carros. O que faz distinguir dos demais destaques de luxo? Eu acho que cada um tem seu estilo, o seu comportamento. Alguns fazem personagens e saem com a cara, com rosto coberto e realmente se transforma. Então cada um tem o seu estilo, entendeu?
Tem alguma fantasia ou fantasias por qual você sempre é lembrado (a) ou que tenha se tornado inesquecível para as pessoas? Se sim, por qual motivo isso aconteceu?
Monique Lamarque: Sim! Tem fantasias que ficam marcadas, como eu falei na pergunta anterior a da Fênix pelo carro ser todo de néon e eu estar sozinha. Normalmente o sempre venho sozinha, né. Agora no Salgueiro que tão botando dois destaques por carro, porque durante 16 anos no Salgueiro era um destaque para cada carro. O enredo de Candaces, que eu vim de guerreira, a roupa ficou muito marcada também porque eu vim de seios de fora. No ano que Salgueiro foi campeão que eu vim no carro de rainha do Maracatu, que era uma sombrinha maravilhosa e o carro todo em vime. Várias fantasias ficam marcada assim no desfile, pelas pessoas que assistem e é comentários sempre na roda e todo mundo comenta sobre essas roupas, entendeu?
Você considera o luxo essencial para a festa? Se sim, por qual motivo?
Monique Lamarque: O luxo é essencial para festa porque se não tiver aquela figura com aquela roupa gloriosa e tudo mais… O destaque ele compõe o personagem e ele é a figura central do carro, ele que faz o acabamento do carro, ele que acrescenta algo mais no carro, entende? Então eu acho que acrescenta sim. O luxo ele é importante porque ele dá um arremate final naquela obra que já é o carro, entendeu? Ele é o X da questão ali no carro é o destaque de luxo!
Antigamente, cada destaque vinha em uma alegoria. Hoje, com a diminuição do número de carros, isso tem sido menos frequente. Como você enxerga essa mudança? É um problema pra você dividir a atenção do público?
Monique Lamarque: Em relação ao número de destaques eu não sei, eu acho que o Salgueiro era uma das escolas que vinham assim… Eu acho que quando tem muito destaque, muita composição fica meio meio poluído. Porque fica muita coisa, fica o destaque fica um monte de composição. Quando é um destaque só com as composições eu acho que fica uma coisa mais clean. Você consegue visualizar melhor a roupa do destaque, as composições, o carro em si… Porque quer o que que adianta você fazer um carro maravilhoso, glamouroso se tiver 800 mil pessoas em cima? Não sei se você concorda comigo. O menos é o mais, né? Quanto mais coisas você botar em cima, menos visível, menos você consegue entender o que quer dizer uma coisa ou outra. E o Salgueiro, de um tempo para cá, tá botando dois destaques por carro. Quanto a isso eu não tenho problema nenhum porque eu tô de boa, entendeu? Mas eu acho que quanto mais clean mais bonito. Flui melhor o desfile, entendeu? Fica mais legível o enredo, o entendimento do que significam as coisas.
Pra você o que a figura do destaque simboliza para os demais componentes da escola? E como é a relação deles com você?
Monique Lamarque: As pessoas elas ficam alucinadas durante a montagem da roupa, entende? Principalmente quando você já tá muitos anos na escola, como eu que já estou há 25, que todo mundo te conhece, as pessoas com sempre… As pessoas sempre esperam mais, e mais, e mais, e mais entendeu? Só que também você não pode inventar muito né, porque pena é pena e, no fundo, no fundo, as roupas ela mudam né, de uma para outra, mudam e mudam muito, mas não tem mais muito o que inventar, né. Você vai tentando criar em cima, cada vez mais, mas as pessoas elas ficam muito impactadas com as roupas. Eu acho que a escola normalmente tem uma relação muito boa com os destaques, entendeu? Tô te falando no meu caso, no Salgueiro, entendeu?
O carnaval vem passando por uma crise financeira e muito se fala que as escolas precisam voltar às suas raízes. Você acha que a comunidade se sente representada quando vê vocês nos dias de hoje? Sentiu alguma mudança na relação entre você e a comunidade nos últimos anos?
Monique Lamarque: Não! Em relação a mudança da comunidade em relação a gente, eu acho que eu não tem. Mudou muito não porque todo mundo sabe que o grande investimento dos destaques são as artes plumárias, as penas, faisão, etc e tal, né. E isso tudo a gente reaproveita, né? Se bem que às vezes os carnavalescos dão uma uma piradinha, “viajam na batatinha”, como diz o outro. Inventam umas coisas que ficam meio impossível de você realizar, entendeu? Mas normalmente os destaques eles têm a parte mais cara da roupa que são as penas em si, né.
Você falou, na resposta ao Milton, que as pessoas devem pensar que vocês são loucos quando os vêm no desfile. Como você vê essa relação entre destaque de luxo e loucura?
Monique Lamarque: Eu falei as pessoas devem achar que nós somos tudo loucos é porque, na realidade, porque a gente fica 40 minutos na Avenida, né. Então é uma é um corre-corre é uma antecipação. Você começa a fazer roupa quatro, cinco meses antes e pensando no monte de coisa, se preocupando com um monte de coisa para uma coisa tão, tão curta, né. Porque você, na realidade, você se arruma meia hora, 40 minutos antes e você passa na Avenida 40 minutos. Então é uma uma doideira muito grande para muito pouco tempo ser aproveitada, para ter essa sensação durante muito pouco tempo. 40 minutos é muito pouco, para quem ficar três, quatro, cinco meses trabalhando numa roupa, entendeu? Mas eu acho que isso é mais uma coisa de ego, uma coisa realmente é para quem realmente gosta e gosta muito, sabe, de desfilar! É nesse sentido que eu me referi a louco. E as pessoas falam mesmo: “Vocês são tudo maluco! Gastam muito dinheiro! É muito trabalho para muito pouco tempo de desfile!”
Com quanto tempo de antecedência você chega no sambódromo? Em qual tipo de carro você chega? Quantas bolsas você carrega? Como são feitas essas bolsas? Tem pessoas para dar apoio? Na hora que chega e vê as alegorias desmontadas, de tarde, muito antes de qualquer pessoa, o que você sente? O que você pode contar desse processo de montagem e depois de desmontagem da alegoria? Sente tristeza de jogar lá de cima os plumeiros? Como é essa sensação?
Monique Lamarque: Eu sempre chego no Sambódromo antes de começar a primeira escola. Porque mesmo que a minha escola que é o Salgueiro, eu só desfilo no Salgueiro, seja a última ou a penúltima. Eu sempre chego […]. Por exemplo, se o desfile começar 9h15, como é hoje em dia, 9h30. Eu 9h tô no Sambódromo porque depois fica muito tumultuado, entendeu? As minhas bolsas são feitas de nylon dublado, bem grandonas, uma para o esplendor; uma para as penas; outra para os adereços e encaixes; outra para a roupa; e eu levo uma bolsinha menor minha que eu já tenho, normal, onde eu boto calcinha, perfume, maquiagem, meia, sapato, grampo, spray, essas coisas assim que você precisa de último momento para finalizar para poder desfilar. Dependendo, às vezes, são quatro bolsas: três grandonas com as roupas todas e uma menor com a minhas coisas de uso mais pessoal. Os apoios vão comigo, me ajudam, que são três, mais eu quatro. Eu quando chego, os carros já estão em fase de teste, como eu te falei eu chego quase na hora de entrar a primeira escola e eu nunca vou de tarde, eu nunca vou de tarde. Eu sinto um pouquinho de tristeza assim às vezes, sabe? Tá sujo, mas eu sempre levo uma canga, eu pego uma garrafinha d’água e molho a canga e passo no queijo para poder começar a botar roupa. Forro com uma canga que é para poder não ficar sujo, por causa de poeira. Para não estragar, né, as penas, a roupa em geral, entendeu?! As coisas poderiam ser mais organizadas, mas enfim é carnaval, né, sempre foi assim. Eu acho que até se mudar vai ficar estranho, né, sabe?