O Centro Cultural Djalma Sabiá, localizado no Andaraí, em frente à quadra do Acadêmicos do Salgueiro, recebe neste mês a exposição “Mestre Louro – O Maestro Autodidata”. A mostra reúne fotos, troféus, documentos, registros de jornais, moções e diplomas de Lourival de Souza Serra, ou simplesmente Louro, considerado um dos mais respeitados e conceituados mestres de bateria do carnaval carioca. O responsável pela curadoria, Pedro Nobre, conversou com a reportagem do site CARNAVALESCO e relatou como surgiu a ideia do projeto.
“Há uns dois anos, mais ou menos, eu recebi todo o legado de um dos salgueirenses mais importantes da história que foi o Djalma Sabiá, nosso presidente de honra. Um sambista marcante, autor do primeiro samba-enredo gravado no Brasil e do primeiro samba-enredo com temática africana. O Djalma Sabiá era a memória viva do dos Acadêmicos do Salgueiro. Tive o orgulho de ele, antes de morrer, me entregar todo o legado dele, me confiar esse tesouro. Isso aí, para mim, foi motivo de muita honra por essa homenagem, esse gesto de respeito que eu recebi dele. Quando eu pensei que jamais poderia receber uma outra homenagem do mesmo quilate, tão grande quanto essa do Djalma, eu sou procurado pela família do mestre Louro, irmão do Almir Guineto, uma família de artistas, e eles me entregam toda a história, todo o legado do mestre Louro também, algo que me emocionou profundamente. Acho que essas duas homenagens, dentro do Acadêmico do Salgueiro, nada para mim será maior do que isso. Então, eu resolvi fazer assim como eu fiz com o legado do Djalma, que na época fundei um centro cultural chamado ‘Onde Conta o Sabiá’. Dessa vez, decidi fazer uma exposição, intitulada de ‘Mestre Louro – O Maestro Autodidata'”, contou o curador.
Para o site CARNAVALESCO, Pedro Nobre detalhou como ocorreu o processo de curadoria do material doado pela família de Mestre Louro. Ele explicou também que o centro cultural precisou passar por reformas antes de abrir as portas para receber a exposição.
“Tudo sem verba é muito difícil, muito complicado. E graças a Deus, a vontade, o respeito e a emoção de ter recebido um legado desses, tão forte e tão importante, não só para os salgueirenses como para os sambistas em geral, eu resolvi seguir em frente mesmo assim. O Salgueiro tem um centro cultural, um imóvel que fica em frente a quadra, mas o espaço não estava em boas condições, até por estar localizado em área atacada por insetos, por cupim. Tive que fazer um tratamento nesse local para poder realizar alguma coisa dentro. Contei com o apoio de amigos e de pessoas que me prestigiaram muito para conseguir começar a fazer essa exposição ganhar vida. Recebi toda a documentação, fotos, troféus, diplomas, coisas maravilhosas do mestre Louro e fui montando. Muita coisa não estava em boas condições e tive que limpar, restaurar, alguns objetos estavam muito oxidados, mas deu tudo certo e resultou nessa maravilha de exposição”, declarou.
Nascido e criado no Morro do Salgueiro, na Zona Norte do Rio, Louro é filho de Iracy Serra, o Seu Ioiô, um dos fundadores da Academia do Samba, e de Dona Fia, integrante da ala das baianas da escola. Vindo de uma família de músicos, o seu irmão Francisco de Souza Serra, o Chiquinho, fez parte do Conjunto Nosso Samba; já o outro, Almir Guineto, integrou a primeira formação do grupo carioca Fundo de Quintal e depois seguiu em carreira solo.
A trajetória dele no Salgueiro teve início ainda aos oito anos, na ala das crianças. O começo na bateria veio como pandeirista, atuando posteriormente como cuiqueiro e tamborinista. Em 1972, estreou no posto de mestre, dividindo a função com o irmão Almir Guineto. Porém, somente no Carnaval de 1978, é que Louro assumiu o comando solo dos ritmistas. A partir daí, foram mais de duas décadas no cargo até sair da vermelha e branca da Tijuca após o desfile de 2003.
Fora da Academia do Samba, Louro recebeu um convite do então presidente da Caprichosos de Pilares, Paulo de Almeida, e comandou a bateria da azul e branca nos carnavais de 2005 e 2006. Em seguida, se transferiu para a Unidos do Porto da Pedra, onde atuou por dois desfiles até ser obrigado a se afastar do cargo por problemas de saúde. O seu falecimento ocorreu pouco tempo depois, em 14 de março de 2008, aos 58 anos, vítima de complicações causadas por um câncer no estômago.
“O Salgueiro sempre teve diretores de bateria maravilhosos, inclusive o próprio Almir Guineto foi um deles, mas nenhum teve o tamanho e a importância do mestre Louro. E as pessoas da escola sabem dessa grandeza, mas mesmo assim muitos salgueirenses chegam na exposição e ficam surpresos com a quantidade de premiações e de homenagens que ele recebeu. Isso é uma coisa que chama muito a atenção. Outra, são os títulos que ninguém sabia que o Louro tinha, como uma série de moções do Governo do Estado, da Prefeitura do Rio, do Senado Federal até mesmo do Ministério da Cultura. Tudo isto só prova que o mestre Louro, além da competência, era uma pessoa muito querida, recordista dos mais variados prêmios e honrarias”, pontuou Pedro Nobre.
Além daqueles que conviveram ou eram admiradores de Mestre Louro, a exposição busca atingir os mais novo que não tiveram a oportunidade de acompanhá-lo em vida. Por conta disso, estão previstas visitações de crianças e adolescentes ao local da mostra. A expectativa do curador é que a história do ex-comandante da bateria Furiosa sirva de inspiração para essas gerações futuras.
“O Aprendizes de Salgueiro e um grupo de crianças da Unidos de Viradouro estão com visitas programadas para conhecerem a exposição. Tenho certeza que através dessa experiência, de descobrirem mais sobre quem foi o mestre Louro, muitos desses jovens vão ter o interesse despertado para ser um grande ritmista ou diretor de bateria. Além disso, tem um colégio perto do centro cultural que vamos convidar para visitar a mostra. A ideia é que todos e todas, independente de idade, conheçam a história desse músico, compositor e um dos maiores diretores de bateria da história do carnaval carioca”, afirmou.
Mas não só de imagens, registros e objetos que pertenceram a Louro que é feita a mostra. Entre o material exposto para o público está uma peça de arte em homenagem ao saudoso diretor de bateria feita especialmente por Zeca Cabeça Branca. Trata-se de um galhardete, nas cores vermelha e branca, representando o mestre e seus ritmistas.
“O galhardete foi feito a partir de uma orientação do Pedro. Ele me contou sobre a exposição e me pediu para fazer um. Então, comecei a pensar e, se tratando de mestre Louro, tinha que ser algo com bateria. Fui bolando, fazendo tudo artesanalmente, seguindo as coordenadas que tinham sido passadas e fiz a montagem disto que está aí para todo mundo ver na exposição, assim como eu já fiz coisas parecidas para diversos contingentes do Salgueiro, como bateria, baiana, harmonia, velha guarda, compositores… E fico feliz que o meu trabalho coincidiu perfeitamente com o restante do material e a decoração”, relatou Zeca em entrevista a reportagem do site CARNAVALESCO.
Hoje com 96 anos, Zeca Cabeça Branca já desempenhou diferentes funções dentro do Acadêmicos do Salgueiro. A história dele com a Academia do Samba começou ainda em 1954, quando a agremiação tinha apenas um ano de fundação. Por essa trajetória tão extensa é que Pedro Nobre teve a ideia de propor a criação do galhardete.
“O Zeca é um salgueirense abnegado. O Salgueiro por muito tempo foi uma escola pobre, que tinha muita dificuldade para colocar o seu Carnaval na Avenida. E o Zeca era tão dedicado que ele ia para o barracão e tirava uma de carpinteiro. Era ele quem fazia as alegorias todas, em uma época que não levavam ferro, que tudo era feito na madeira com perna de três, ripa e um monte de coisas. Então, ele fazia as estruturas dos carro e também decorava. Um exemplo foi no Carnaval de 1965, na homenagem a Eneida. Ela era paraense, então tinha um carro da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré. Essa representação da igreja foi feita pelo Zeca e decorada por ele com mais de duas, três mil flores brancas. E o Zeca também quando o Salgueiro não tinha lugar pra ensaiar, que ensaiava no Sport Club Maxwell, quem fazia todas as arquibancadas de madeira, a iluminação era ele. Então, alguém com a propriedade e a história que ele tem só enriquece essa exposição”, justificou o curador.
A exposição “Mestre Louro – O Maestro Autodidata” está aberta ao público todas às sextas-feiras de agosto, de 18h às 21h. O Centro Cultural Djalma Sabiá fica na Rua Silva Teles, no número 79, no bairro do Andaraí, na Zona Norte do Rio. A entrada é gratuita.
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