Hoje, na Igreja Matriz, em Quintino, Zona Norte do Rio, como na Igreja de São Gonçalo Garcia e São Jorge, na Praça da República, no Centro da cidade, ainda antes do amanhecer teríamos, louvor, adoração ao santíssimo, teatro retratando a história do guerreiro e às 5h da manhã uma belíssima alvorada. Mais tarde, missas de hora em hora com uma multidão indo ao encontro da imagem dentro das igrejas.
Seria comum vermos sambistas devotos nas proximidades das igrejas. Agradecendo, pedindo por saúde, prosperidade e etc. A identificação do apaixonado por samba com São Jorge se dá por ele ser o santo responsável por proteger bares, clubes de futebol, prostíbulos, bancas de jogo do bicho, e, é claro, quadras de escola de samba.
Outro fator importante, é a semelhança do santo com o Orixá Ogum. Não é novidade que as quadras de escola de samba tem em sua raiz a cultura africana e que as religiões que seguem a linha, como Umbanda e Candomblé, estão presentes em todos os ambientes do carnaval. Apesar de não existir um fator único de Jorge ser o padroeiro de várias agremiações, algumas histórias se entrelaçam permeadas pelas coincidências.
Atrás de personagens do carnaval devotos do santo, a equipe do CARNAVALESCO conversou com Serginho do Porto, intérprete da Estácio de Sá. Devoto desde criança, o cantor afirma emocionado que confia na lança do guerreiro.
“Sou devoto de São Jorge desde meus 8 anos de idade. Havia um campo de futebol onde eu brincava quando era moleque, e lá achei uma imagem dele, junto da oração. Levei pra dentro de casa e minha mãe me explicou toda a história. De que ele vivia na lua, protegendo a todos, pois era um bravo general. Como todo menino da comunidade, que tem o sonho de vencer, eu também tinha a vontade de ir para as forças armadas, como isso me abracei a São Jorge. Minha devoção vem desde essa época. Ele é minha fé, meu caminho, minha proteção. Me emociono ao falar dele. Nós, do carnaval, estamos há 1 ano e 2 meses sem trabalhar, precisamos nos reinventar e procurar outros caminhos para levar sustento para dentro de casa. Minha devoção me deixou firme com muita determinação”.
Serginho acrescenta que em 2020, ainda no início da pandemia, a Estácio conseguiu manter sua festa de São Jorge na quadra, sem aglomeração, com distribuição de quentinhas. Porém, esse ano as coisas estão mais difíceis e não irão acontecer.
“Já se vão duas festas de Jorge sem a gente poder estar com nossos amigos reunidos para comemorar. Para nós que somos sambistas essa confraternização é muito importante. Ano passado fizemos uma live pequena, com missa, para levar um pouco de acolhimento às pessoas em situação de rua. Hoje sentimos muito por não poder atender e fazer novamente”, afirmou.
Em 2007, o Império da Tijuca levou a vida de São Jorge para a avenida. Num desfile emocionante e bem explicativo principalmente para os não devotos. Sandro Gomes, carnavalesco da escola na época, confessa ter se tornado devoto a partir daquele ano.
“Foi uma grande surpresa quando o Tê (presidente) me apresentou o tema. Começamos a fazer uma pesquisa minuciosa sobre São Jorge, e depois de muito estudo acabei me tornando devoto, porque a história é muito linda. A partir dali entendi porque a comunidade do samba se identifica tanto com ele. Somos vencedores de batalhas diárias, o povo que sofre muito sabe o que é preciso fazer para conquistar os objetivos, por isso nos vemos muito em São Jorge”, comentou Sandro.
O carnavalesco também afirma que a fé tem o sustentado nesses dias difíceis, mas sempre crendo em boas notícias no que se refere a pandemia.
“Eu tô pedindo a São Jorge e a todos os Orixás que nos livrem dessa doença e que a vacina seja distribuída para as demais idades o mais rápido possível. Perdemos muitos amigos do carnaval e de outros convívios. Essa quantidade de mortes pelo mundo inteiro assusta bastante. Mas com certeza São Jorge nos livrará desse dragão que nos assusta”, finalizou.
Atravessando a Dutra e indo para São Paulo, onde vários sambistas também carregam a devoção, conversamos com Toninho Decastro, integrante da comissão de carnaval do Tatuapé.
“A minha devoção vem da minha mãe, que era mãe de santo. Tínhamos muitas imagens em casa e quando ela parou de atender, deixou apenas a de São Jorge. Eu era ainda muito jovem e ela me explicou toda história, e me levava para ver a lua cheia, contando onde ele morava, deixando claro que seríamos protegidos sempre”, explicou Toninho.
Em 2014 o Tatuapé homenageou diretamente o santo. Desde então, ele o adotou como padroeiro da escola.
“Nós estávamos numa reunião e o Erivelto Coelho (diretor da escola) pediu para começarmos a pensar no enredo do próximo ano. Eu estava com uma camiseta de São Jorge e falei pra todos que o enredo estava ali. Expliquei a história e viemos embora. Seis da manhã do dia seguinte o Erivelto me ligou falando que havia passado a noite pesquisando e que já tinha 60 páginas. A partir daí fiz uma promessa a São Jorge de que se ele fosse enredo da minha escola eu faria uma tatuagem em homenagem. Dito e feito, hoje tenho ele marcado na minha pele. Foi um desfile emocionante, digno de um dos maiores carnavais de nossa escola e desde aquele ano São Jorge tem seu espaço reservado no Tatuapé.
Tradicionalmente a azul e branco lançaria seu enredo do próximo ano em sua festa homenageando o santo. Apesar da festa não acontecer, a agremiação irá preparar 2 mil quentinhas para distribuir de forma gratuita.
“Ficamos tristes pela situação mas batalhamos mais uma vez para que a gente pudesse servir 2 mil feijoadas. Doaremos 1500 em formato drive-thru e 500 para pessoas em situação de rua. Isso conforta um pouco nosso coração, principalmente por sermos devotos. Ficamos aliviados e pedimos para que isso tudo passe logo”, finalizou.