Luis Carlos Magalhães (artigo publicado em O DIA na Folia)

O local não poderia ser melhor. Jornalista consagrado, militante político, Sergio Cabral fez do auditório da ABI uma ambientação, um clima de tal forma acolhedor, impondo de tal forma seu imenso carisma que nos sentimos todos em um imenso botequim suburbano.
Mangueirense dos mais festejados, amicíssimo de Cartola, Nelson cavaquinho, Nelson Sargento, Dona Zica, Dona Neuma, Cabral “acarinhava” a todos ali como se estivesse no quintal da casa onde viveu sua infância em Cavalcanti.

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Foto: Reprodução de TV

A definição exata de Mario Lago deu o clima da noite de lançamento do DVD biográfico do Cabral. Disse Mario Lago: – “Sérgio Cabral é o Rio de Janeiro andando”.

O diretor Dermeval Neto teve o exato mérito de ter dado ao filme clima muito semelhante, claro que com o auxílio luxuosíssimo da narração/interpretação de Haroldo Costa.

Logo no início, ao se auto-definir, Cabral lembra o personagem Gonzaga de Sá, de Lima Barreto que ao contemplar sua cidade registra: “eu moro no Rio de Janeiro, e o Rio de Janeiro mora em mim”. “Eu também sou assim”, disse Sérgio.

E vai sua história desfilando; o início de sua carreira, a ida para o JB, sua carreira de produtor musical, seu “momento” no Pasquim, e sua não menos marcante presença literária como biógrafo de importantíssimas figuras de nossa cultura popular e por seu fundamental livro “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro”, produto de escritos, estudos e pesquisas realizados ao longo de 30 anos no JB.

Tudo com muito Vasco e muito Roberto Dinamite, com gol-de-balãozinho-no-Osmar e tudo. Para nossa alegria, ao se referir a mega e inesperada explosão de ‘Sassaricando’, Cabral já cuidou de anunciar espetáculo semelhante, já no forno, desta vez só com sambas carnavalescos. Nada de samba-enredo ou samba de meio de ano: só sambas que rivalizavam com as marchinhas para o carioca brincar o carnaval.

O melhor momento da fita é a narrativa do momento certamente mais rico de sua vida, quando da inauguração do Zicartola na Rua da Carioca onde, segundo ele, se inaugurou a primeira casa de samba do Brasil. Sérgio foi rei ali, super querido pelos sambistas e super importante para os sambistas.

Não há uma só foto do Cabral no Zicartola em que não se veja um ser humano na sua plenitude, literalmente “um pinto no lixo”. O filme mostra bem isso.

Figura tão querida quanto conhecida, emérito contador de histórias, Sergio deu a seu diretor Dermeval Neto todos os ingredientes para fazer do filme uma perfeita “caixa de goiabada cascão”, para usar mais uma espirituosa frase de Nei Lopes, justamente dedicada a ele, Sérgio Cabral.

Única restrição foi a ausência, a ausência ou a perda da oportunidade de deixar mais uma vez registrado o que considero ser o mais importante registro jornalístico da histórico da cultura popular brasileira. Refiro-me àquela memorável entrevista do Cabral com Donga e Ismael Silva mostrando a clara diferença entre o samba da Praça XI e o samba do Estácio.
E tudo transcorreria sem surpresas não fosse a entrada em cena do chargista-carnavalesco-portelense Lan.

Lá pelas tantas, eis que Lan “sapeca” a informação que fez ecoar certo zum-zum-zum na assistência. Lan afirmou com toda certeza, toda convicção, dando seu testemunho pessoal que Sérgio não só foi pela primeira vez à Portela com ele, como também, e muito mais que isto, Sergio continuou Portelense.

Bem, eu, de minha parte, sempre desconfiei disto. Havia no ar uma história de que ele “teria sido” Portelense um dia e que depois caíra de amores pela Mangueira. Mas a verdade é que a partir dali foi criado certo clima de dúvida na platéia.

Então pensei comigo. Esta é uma informação tão relevante que certamente o filme não deixará a dúvida em branco.

Lembro uma vez que ao fazer uma pesquisa, uma busca, sobre uma entrevista marcante do Candeia para o Pasquim, mirei no que vi e acertei no que não vi.Acabei encontrando um outro exemplar do jornal onde Sergio entrevistava Clementina de Jesus, sabida e festejadamente Mangueirense.

Para minha surpresa…assim “na lata”, tranqüila e serenamente a nossa rainha maior se declara Portelense, ela à época moradora em Oswaldo Cruz. ‘Tá lá escrito, se alguém aí desse lado quiser é só olhar na coleção da Biblioteca Nacional.

Ao prosseguir a entrevista Clementina esclarece que sua fortíssima relação com a Mangueira se deve ao fato de ter se casado com Albino Pé Grande, seu companheiro de toda vida, esse sim Mangueirense purinho. Falei isso p’ro Cabral um dia e ele ficou meio incrédulo, não sei se por não lembrar ou por não acreditar. Mas agora era diferente. Como disse lá em cima, eu não conseguia compreender como uma pessoa como ele, morando por ali, freqüentando a escola, vivendo aquele grande momento azul e branco, convivendo com aquela turma toda de Madureira, poderia não se ter deixado seduzir “por uma escola tão fantasticamente sedutora”.

O filme entra em sua fase final e a cena se dá na quadra da Mangueira com Sérgio, na presença de Rildo Hora, Ataufo Júnior e Nelson Sargento. Todos conversam animadamente antes de começarem a cantar “Os Meninos da Mangueira,” samba que é seu orgulho, parceria com Rildo, e que recebeu tão bonito tratamento sinfônico do maestro Marcelo Versoni entre outros sambas da escola.

E forma-se assim o “clima”, a ótima oportunidade para Cabral aproveitar o tema Mangueirense, a presença na quadra para definitivamente esclarecer a dúvida deixada pelo depoimento de Lan. Afinal, pensei, como pode um ser como ele conviver tão intensamente com Cartola, Carlos Cachaça, Zica, Neuma, e não se deixar seduzir “por uma escola tão fantasticamente sedutora”.

E foi o que Cabral fez. Em meio ao tralalá, ao trelelé, Cabral desfere:

“ESTE PORTELENSE QUE ESTÁ AQUI TEM UM GRANDE AMOR PELA MANGUEIRA”. Vou repetir: Sérgio Cabral disse no filme a seguinte frase: “ESTE PORTELENSE QUE ESTÁ AQUI TEM UM GRANDE AMOR PELA MANGUEIRA”.

E a fita acabou. Entre canapés, cervejas e refrigerantes comentei tal fato com vários convidados. Hermínio já sabia. Confeti também, assim como João Batista Vargens e Haroldo Costa.

O resto… bem… o resto teve que dormir com esta.
Portanto, rapaziada Portelense: …é nós…
Modéstia à parte, claro…