Por Leonardo Antan
Depois de uma noite de alto nível criativo no domingo, as agremiações de segunda-feira não deixaram o sarrafo cair e o que se viu foi uma das brigas mais regulares e disputadas da história do carnaval. Apresentando trabalhos primorosos em propostas artísticas das mais diferentes linguagens, diversas escolas se colocaram na briga pelas primeiras posições, cada uma apresentando erros e acertos em seus vários quesitos. No geral, nenhuma agremiação fez um desfile arrebatador e que saiu na frente como a possível campeã de modo inânime… Sobre as narrativas da noite, tivemos tantos temas bem desenvolvidos como outros que pecaram em alguns aspectos.
Começando pelos destaques negativos, Unidos da Tijuca e Beija-Flor apresentaram vícios parecidos no desenvolvimentos dos seus temas. Ambas resolveram fazer um passeio pela história da humanidade com pontos de paradas para lá de conhecidos de todos os sambistas: Egito, Roma, Feníncios, Maias, Gregos e todo o tipo de povo importante da antiguidade. Um show de clichês que poderiam ter sido evitados se as duas agremiações apostassem em uma liberdade poética maior para abordar a arquitetura e as ruas. Na azul e amarela do Borel, o samba-enredo ainda tentou apresentar uma linha poética interessante ao abordar as construções em seu aspecto social e simbólico, mas não foi isso que se viu nas alegorias de Paulo Barros. Os efeitos do mago dos truques também não funcionaram também, apresentando um conjunto estético irregular e bem abaixo da expectativa. A novidade da linguagem da escola foi a aposta em pequenos tripés que se assemelhavam a maquetes e traziam os monumentos abordados no enredo, uma aposta interessante. Outro bom ponto do enredo foram as fantasias desenvolvidas por Marcus Paulo, apresentando bom gosto e clareza na proposta. Ainda sobre a Beija-Flor, a agremiação se reencontrou com seu estilo opulento e clássico, que andou sumido nos últimos carnavais. O enredo confuso e mal setorizado apresentou uma série de imagens clichês, faltando uma aposta numa narrativa mais ousada. As alegorias tinham pequenos problemas de acabamento, apesar do bom trabalho de volumetria. O apelo que fica para essas escolas é que não é sempre obrigatório contar a história de algo passando por toda a história da humanidade, um enredo é uma obra artística poética e aberta a interpretação, que não precisa de amarras tão historicistas.
Quem soube mesclar um mergulho mais histórico sem perder o rumo e ainda apresentar uma interessante crítica social foi a São Clemente. O enredo até voltou no Brasil colonial para contar as origens da expressão “Conto do Vigário”, mas não se preocupou em elencar elementos de maneira cronológica, mas soube brincar com os vários golpes e trapachas que marcaram a cultura brasileira de maneira leve e bem-humorada. As fantasias e alegorias se destacaram pelo amadurecimento do traço cartunesco e jocoso de Jorge Silveira, mesclando uma excelente leitura e coesão estética. Foi, sem dúvidas, um dos grandes trabalhos artísticos do ano, que pecou apenas pela falta de animação da preta e amarela ao vestir tão bem a proposta do artista em resgatar a identidade da agremiação.
Mesmo com o destaque positivo para São Clemente, veio de Padre Miguel o enredo mais bem desenvolvido da noite. A espera homenagem a cantora Elza Soares passou de modo competente pelas criações de Jack Vasconcelos, que nos últimos anos se destaca com um dos grandes enredistas do carnaval. A narrativa não deixou a desejar ao contar a trajetória da homenageada e mesclar a crítica social e as pautas de militância que a artista muito defende em sua trajetória. Surpreendeu apenas uma aposta numa estética mais tradicional de Jack, as belas fantasias apostaram nas tradicionais plumas e as alegorias em formas simples e facilmente identificáveis, além do uso de muitas palavras de ordem e letreiros que tentavam dar contar de sublinhar a ideia a ser passada. Elza e Mocidade são dois monumentos da cultura brasileira, seu encontro num merecido tributo foi uma das mais belas páginas da folia.
Quem também fez uma importante homenagem a um artista negro foi o Salgueiro. Celebrando os cento e cinquenta anos do palhaço Benjamim, a Academia do Samba levou a cabo este apelido e cumpriu mais uma vez sua função de trazer um personagem pouco lembrado da cultura nacional e que merece todos os tributos. Lá no morro salgueirense, o negro nunca saiu de cartaz! Apesar da importância política do tema, o que se viu foi um enredo que pecou em ser pouco biográfico demais e não apresentar tanto a vida do artista, mas sim explorar com bastante densidade o universo circense, não faltaram malabaristas, mágicos, músicos e lonas. Na estética, a aposta foi num visual mais hollywoodiano e internacional, uma aposta consciente de Alex de Souza num universo visual mais rico e alegórico do que teria sido os circos onde Benjamim se apresentou. Apesar de mais um trabalho competente do carnavalesco, ficou a sensação que as formas alegóricas e fantasias podiam ter sido mais ousadas e menos tradicionais.
Encerrando nossa narrativa sobre “narrativas”, a Vila Isabel dividiu opiniões ao apostar numa fábula para homenagear os 60 anos de Brasília. Ao invés da história linear da cidade, se viu um passeio pelo território nacional guiados por menino indígena chamado Brasil e guiado por Jaçanã. O tema, apesar de pouco contundente, apresento uma tentativa interessante em desencadear setores que apresentavam diversas ligações com a construção da nossa capital. Sem contar, que o tema apesar de problemático, fui muito bem materializado pelo bom gosto de Edson Pereira, que criou uma imponente e luxuosa abertura para azul e branco de Noel.
Renovação parece ser a palavra de ordem. Conteúdo também. Não cabem mais enredos batidos e rasos no carnaval, o surgimento de uma nova geração de carnavalesco reafirma um feliz momento de reinvenção artística da festa. Novas proposta em vários setores se destacam e ajudam a manter um alto nível de proposições, que se destacam pelo sua pluralidade. Em meio a isso, parece importante observar como artistas já consagrados e com longa carreira parecem se portar na Avenida e que soluções e criações eles apresentam nesse cenário em meio a tantas mudanças, alguns parece insistir em velhos truques que já não comunicam como antes, mais alguns outros seguem numa estética competente mais tradicional demais. O que se espera pro futuro da festa? Descobriremos na quarta-feira com apresentação o julgamento irá contemplar, seja qual ela for, certeza que muitas escolas vão correr atrás de repeti-las. É do jogo da festa.
A mensagem que fica dos desfiles é o tamanho das nossas escolas de samba, se foi um ano de crise não foi o que se viu na pista. A briga acirrada e equilibrada pelo título marca uma festa em pleno processo de reencontrar com usas principais vocações. Viva o carnaval!