Sinopse:
GRES ACADÊMICOS DO CUBANGO CARNAVAL 2020
A voz da liberdade
“Nasci na cidade de São Salvador, capital da província da Bahia, em um sobrado da Rua do Bângala, formando ângulo interno, em a quebrada, lado direito de quem parte do adro da Palma, na Freguesia de Sant’Ana, a 21 de Junho de 1830, pelas 7 horas da manhã, e fui batizado, 8 anos depois, na igreja matriz do Sacramento, da cidade de Itaparica.
Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina, (Nagô de Nação) de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa.
Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito.
Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do Dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856 e em 1861, na Corte, sem que a pudesse encontrar. Em 1862, soube, por uns pretos minas que conheciam-na e que deram-me sinais certos, que ela, acompanhada com malungos desordeiros, em uma “casa de dar fortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses “amotinados” fossem mandados pôr fora pelo governo, que, nesse tempo, tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores. Nada mais pude alcançar a respeito dela…
Meu pai, não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas: era fidalgo; e pertencia a uma das principais famílias da Bahia, de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome… Esbanjou uma boa herança e, reduzido à pobreza extrema, vendeu-me como escravo…”
(Trechos da carta de Luiz Gama a Lúcio de Mendonça, de 25/07/1880.)
Raízes Africanas
Luiz Gama assume de sua raiz materna – Luiza Mahin – o espírito revolucionário e insubmisso na luta contra a escravidão. Mulher negra e africana nasceu livre na Costa da Mina, onde pertencia à nação nagô, da tribo Mahin, originária do Golfo do Benin, noroeste africano, de onde proveio grande parte dos negros embarcados que eram vendidos para o trabalho escravo na Província da Bahia.
Filha de reis africanos, a princesa Luiza Mahin foi arrancada violentamente de sua tribo e transportada para o Brasil como escrava, onde foi um importante elemento nas conspirações de negros oprimidos pelo regime escravocrata.
As Insurreições dos escravos
As insurreições baianas fizeram parte do mundo de Luiz Gama, que passou a infância num ambiente rodeado de resistência de um povo que, bravamente, lutou por sua liberdade. Sua personalidade acentuada tomou forma e força naquelas circunstâncias, em que a criação de laços de solidariedade entre negros livres e escravos de diversas nações africanas eram os elementos ordenadores de convivência entre eles.
Durante as primeiras décadas do século XIX várias rebeliões de escravos explodiram na província da Bahia. A mais importante delas foi a Revolta dos Malês, ocorrida na cidade de Salvador em janeiro de 1835. Protagonizada por negros africanos em especial os Malês, termo originário da palavra Imalê, na língua iorubá, que significa mulçumanos de etnia nagô. Tinham o objetivo principal de libertar o povo negro de sua condição de escravos e acabar com a imposição do catolicismo. Além disso, queriam derrubar o governo imperial para estabelecer uma republica islâmica.
A revolta durou menos de um dia e entrou para a história da resistência do povo negro que escreveu com seu sangue essas paginas.
Sua casa, na Bahia, tornou-se um dos fortes redutos de chefes da grande revolta de 1835. Ninguém sabe seu fim. Mas o seu nome permanece na história e na lenda como um grande símbolo do valor de mulher negra no Brasil.
Mão de obra escrava
“Em nós, até a cor é um defeito.
Um imperdoável mal de nascença, estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que a cor é uma origem da riqueza de milhares de ladrões que nos Insultam; que esta cor convencional da escravidão, tão semelhante a terra, abriga, sob sua superfície escura, vulcões onde arde o fogo sagrado da liberdade…” (Luiz gama.)
Por muito tempo a cana de açúcar foi o principal produto de exportação da economia colonial do recôncavo baiano, gerando riquezas imensuráveis para os grandes senhores de engenho, uma elite branca consolidada da região que enriqueceu através do desumano trabalho escravo, mão de obra predominante dos grandes latifúndios.
Os escravizados eram utilizados nos mais diferenciados ofícios, como nas minas de ouro e diamantes, nas lavouras de algodão, nas fazendas de café, nos trabalhos domésticos e em trabalhos urbanos: escravos de ganho e escravos de aluguel; de forma geral, quanto mais especializado era considerado o ofício mais alto era o preço do trabalhador escravizado. Muitos eram alugados e outros trabalhavam para si, sendo obrigados a pagar uma jornada para seus senhores.
Havia negros livres que aqui nasceram e permaneceram livres, outros conseguiram comprar a própria liberdade com ganhos de seus trabalhos e alguns tiveram que provar na justiça que nasceram livres, mas foram escravizados indevidamente. Luiz Gama, paradoxalmente, viveu essas duras realidades.
A luta pela liberdade
Luiz Gama foi uma das mais emblemáticas figuras na luta abolicionista do Brasil. Conseguiu, com muito sacrifício, estudar e chegou a frequentar aulas de direito no Largo de São Francisco, em São Paulo; como rábula – um advogado que não concluiu o curso de direito – foi responsável pela liberdade de mais de 500 negros escravizados. Suas defesas jurídicas se baseavam nas próprias leis vigentes, que recorrentemente eram descumpridas e também em argumentos próprios para justificar suas causas judiciais: “O escravo que mata o seu senhor pratica um ato de legítima defesa”. (Luiz Gama)
Suas atuações nas causas abolicionistas não se basearam apenas no ramo do Direito. Foi jornalista, literário, orador e escritor, garantindo a ele o titulo de Patrono da Abolição da Escravatura do Brasil.
Poeta, Luiz Gama lançou, em 1859, o livro Primeiras Trovas Burlescas, que foi um conjunto de poemas líricos e de criticas políticas e sociais. Em um de seus poemas de titulo “Quem sou eu”, mais conhecido como Bodarrada, ele expôs o preconceito de cor na sociedade brasileira. Foi escrito em resposta ao apelido de bode que os intelectuais brancos da época tentaram impor aos negros: “Se negro sou, ou sou bode, Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta, Pois que a espécie é muito vasta… Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus e outros nobres, Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios, importantes, E também alguns tratantes… Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra; Nobres condes e duquesas,
Ricas damas e marquesas, Deputados, senadores, Gentis-homens, veadores;
Belas damas emproadas, De nobrezas empantufadas;… Frades, Bispos, Cardeais, Fanfarrões imperiais,
Gentes pobres, nobres gentes,… Em todos há meus parentes… Tudo marra; tudo berra…..” (Luiz Gama)
A partir da década de 1860, começou a carreira jornalística junto do caricaturista Ângelo Agostini, na capital paulista. Fundaram em 1864 o primeiro jornal ilustrado humorístico, satirizando impiedosamente os homens públicos, intitulado Diabo Coxo. A imprensa foi mais uma das ferramentas utilizadas por Gama em prol das causas abolicionista e republicana no Brasil. Foi um dos raros intelectuais negros do século XIX, o único autodidata a ter passado pela experiência do cativeiro; pautou sua vida na defesa da liberdade dos oprimidos e na conquista da República. A trajetória singular e de vínculo estreito com o Direito mereceu o reconhecimento da Ordem dos Advogados do Brasil e fez com que o conselho Federal e a Seccional Paulista da Ordem lhe conferissem o título póstumo de “Profissional da Advocacia”, mesmo 150 anos após sua brilhante atuação como rábula.
A GRES Acadêmicos do Cubango resgata na figura de Luiz Gama, a luta antirracista, a construção de um país melhor e uma sociedade igualitária cantando A VOZ DA LIBERDADE!
Referências Bibliográficas:
AZEVEDO. Elciene. A trajetória de Luiz Gama na Imperial cidade de São Paulo. Campinas: Unicamp, 1999.
CÂMARA. Nelson. O advogado dos escravos. São Paulo: Editora Lettera.doc,
2010. GOES, F. Luiz Gama. Trovas burlescas e escritos em prosa. São Paulo: Edições Cultura, 1944.
LUNA, Luís. O negro na luta contra a escravidão. Rio de Janeiro: Editora Cátedra- MEC, 1976.
CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Editora Moderna, 1999.
LOPES, Luiz. O negro na luta contra a escravidão. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, MEC, 1968.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932.
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil – A história do levante dos Malês em 1835. São Paulo: Cia da letras, 2003.
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos. São Paulo: Editora Corrupio, 1987.
LOPES, Nei. Bantos, Malês e identidade negra. São Paulo: Editora Autentica, 2004. GAMA, Luiz. Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. São Paulo: Tipografia Dois de
Dezembro, 1859.
BOSSI, Ecléa. Memória e sociedade – lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
Raphael Torres e Alexandre Rangel
Carnavalescos
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Pesquisa e desenvolvimento do enredo