Leandro

O carnavalesco Leandro Vieira conversou de maneira franca com a reportagem do CARNAVALESCO sobre as profundas mudanças no regulamento da disputa de samba da Mangueira para o Carnaval 2020. Divulgadas na semana passada as novidades causaram grande repercussão no mundo do samba. Dentre as principais alterações estão a proibição de cantores de fora da Mangueira, as chamadas torcidas “comerciais”, e o pagamento de uma taxa de R$ 4.800,00 que segundo a escola custeará todo o processo, sem nenhum outro gasto para as parcerias, que estarão limitadas a quatro compositores.

De onde surgiu a ideia de mudanças tão profundas?

Leandro Vieira: “O presidente levou sua inquietação com o atual modelo de disputa ao conselho de carnaval da escola. Lá debatemos as questões fundamentais sobre o caso e eu fiquei entusiasmado demais com a possibilidade de mexermos nessa estrutura. Passei a levar casos hipotéticos ao conselho levando em consideração possibilidades diversas e assim fomos chegando ao formato hoje apresentado. Sei que não é perfeito e há o que melhorar no formato. Seguiremos a avaliando a organização e a prática daquilo que propomos, mas temos a certeza que o que é apresentado democratiza a disputa e fomenta o interesse por um dos mais clássicos gêneros do samba tradicional, que é a modalidade popularmente batizada como samba de enredo.”

Quatro parceiros por samba não é muito pouco?

Leandro Vieira: “Historicamente o crescimento do número de autores assinando um samba enredo é proporcional ao crescimento da necessidade de investimento financeiro nas disputas. Se olharmos para a gênero e sua tradição artística, encontraremos sambas de parcerias nominalmente reduzidas como os do Silas de Oliveira, Dona Ivone, Noel Rosa de Oliveira, Anescarzinho, e aqui na Mangueira, por exemplo, os sambas assinados por Hélio Turco e Jurandir. Na época desses artistas as disputas eram mais parelhas e o investimento para se levar um samba para a quadra era reduzido. Hoje, ‘bota’ nome como autor em samba-enredo quem investe no panfleto, banca a cerveja da torcida, paga o ônibus e compra o ingresso daqueles que vão fazer volume de gente na quadra. Esse é o motivo real para que um samba leve oito nomes como autor.”

Algumas pessoas acharam elevado o valor de R$ 4.800, vocês não concordam?

Leandro Vieira: “Quando determinamos que a disputa na Mangueira terá um custo máximo para todas as parcerias, e esse valor é o valor real para que a obra esteja em igualdade técnica ao longo da disputa, acreditamos que estamos privilegiando o compositor popular e diminuindo a influência do capital no processo artístico da produção de sambas de enredo. Na reunião que realizamos na quadra com os compositores que tradicionalmente inscrevem sambas na Mangueira duas falas me chamaram a atenção. Uma partiu de um diretor da escola que falava que atualmente havia a ‘cafetização’ do verdadeiro compositor e que era preciso combater isso. A outra foi de um compositor campeão de samba enredo na Mangueira que declarou que com as novas propostas da Estação Primeira, ele passaria a ‘não dar mais nome, pra quem sequer possui apelido.’ Ou seja, um samba de verdade precisa apenas de um, dois ou três artistas de fato. O resto é gordura.”

final mangueira 2019 157Que tipo de torcida está vetada do concurso?

Leandro Vieira: “É importante deixar claro que não queremos aquela torcida financiada. A torcida apaixonada e espontânea é o que mais queremos dentro da Mangueira. Queremos os segmentos da escola, nossos passistas, nossas baianas, nossa velha-guarda e todo tipo de desfilante da Mangueira cantando livremente aquilo que ele achar bom. Queremos também que o carioca, ou aquele torcedor da Mangueira que mora fora da cidade, tome conhecimento de que há na disputa da verde e rosa um determinado samba que desperta nele a vontade de ir até o Morro defender e cantar espontaneamente a obra que ele acredita ser melhor. Se ele achar que o samba do compositor tal lhe representa, que é o melhor para Mangueira levar para a Avenida, que ele compre de forma espontânea e vá para a disputa viver essa experiência conosco.”

Como será essa gravação dos sambas pela Mangueira?

Leandro Vieira: “Trouxemos para nós a responsabilidade de gravar as obras porque acreditamos que é preciso garantir que todos os compositores tenham as mesmas condições técnicas e que apenas a qualidade musical estará no foco da produção artística. Privilegiamos e damos prioridade aos cantores da casa porque acreditamos no potencial artístico da instituição. Tenho a convicção de que é preciso incentivar o surgimento de talentos e que o que diferencia o cantor de reconhecimento público no cenário carnavalesco do cantor dito desconhecido é a oportunidade. Faremos a implantação do modelo, veremos as novas demandas e a partir delas, faremos o aprimoramento. Temos um grupo de conselheiros na escola que querem o melhor pra Mangueira e somos todos dispostos ao trabalho.”

final mangueira 2019 092A Mangueira decidiu ‘abrir’ a ala. Porquê?

Leandro Vieira: “Permitir que os compositores assinem aqui e em outras agremiações é dizer que não há mais restrições para o bom compositor e que aqui não há necessidade da hipocrisia que caracteriza a máquina dos escritórios. O bom compositor é bem vindo na Mangueira. O bom compositor é parceiro da Mangueira. O bom compositor é um artista sensível que pode não ter sequer pisado na quadra mas pode se sensibilizar por um, ou mais de um tema para sentir-se inspirado a compor para a Mangueira. Queremos compositores sensíveis à disposição da Mangueira. Não nos importa se são mangueirenses, se são estrelas da MPB, se até aqui estiveram distantes das escolas de samba e próximos das rodas de samba das ruas, se compõem para a escola “A” ou “B.” Sabemos que a Mangueira é uma ‘bela rosa’ e que todo bom compositor sente-se inspirado para dedicar-lhe palavras. Se o que propomos o inspira a compor para a “rosa” que cultivamos aqui, ele é compositor da Mangueira e ponto final.”

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