Bianca Behrends retornou para equipe criativa da Beija-Flor de Nilópolis. A pesquisadora foi autora da sinopse do enredo da escola para o próximo carnaval, junto de Guilherme Niego e Vivian Pereira. Em entrevista ao CARNAVALESCO, ela contou sobre a relação com Laíla, a quem considera seu padrinho profissional, a história dele na escola, e como ele foi visionário no mundo do samba. A enredista está muito emocionada e feliz de retornar a equipe criativa da Beija-Flor, no ano em que a escola vai levar Laíla como enredo para a Sapucaí. Bianca salientou que a escola é a sua casa, nunca saindo da mesma, e ressaltou como a disputa pelo título de campeã está com o nível elevado nos últimos anos.
“Eu já estive fora da equipe, mas nunca fora da escola. Eu não estava Beija-Flor, eu sou Beija-Flor. A Beija-Flor é a minha casa, é a casa que sempre me recebeu, mais do que de braços abertos, de portas abertas. Então, voltar para a equipe já seria… A Beija-Flor é um enorme pedaço de mim, de verdade, são 21 anos, eu tenho 45, é quase a metade da minha vida aqui dentro. Mas voltar para a escola para ajudar a contar a história do Laíla, que foi meu chefe por 16 anos e que, junto com o senhor Anísio, é o meu padrinho profissional, eu estou vivendo um sonho. Com uma responsabilidade absurda, porque talvez por ter tido a oportunidade de conviver com ele na equipe, eu acho que convivi com ele por mais tempo e de perto. E tem uma cobrança que jamais veio, nem da comunidade, nem da escola, veio de mim mesma, porque o fato de eu ter a informação não significa que eu vá saber colocar isso no papel, nem que isso vire carnaval, porque não é um artigo, por exemplo, é um projeto carnavalesco. Mas eu estou felicíssima e transbordando gratidão pela oportunidade, pela equipe, pelo voto de confiança, pelo acolhimento. Eu já estou brincando carnaval desde que eu voltei, mas com a consciência de que é muito trabalho. O carnaval está com o sarrafo lá em cima. São 12 com o mesmo objetivo, é muito coração, muita felicidade, mas muito pé no chão para ter a responsabilidade. A gente tem que ter consciência, assumir a responsabilidade que nos compete”.
A pesquisadora continuou explicando como foi o processo de construção do texto e o que foi mais difícil de colocar na sinopse, que foi carregada com a emoção e as memórias, não só dela, mas de todos os entrevistados pelos enredistas, além de ressaltar a impossibilidade de fazer fazer um texto imparcial por se tratar justamente de Laíla.
“Na verdade, foi tão difícil que ficou impossível, a imparcialidade. Aspas como acadêmica ou como pesquisadora, a imparcialidade é um critério fundamental do nosso objeto de estudo ou de retratação. Impossível, não tinha como. A influência que o Laíla tem na escola, contar a história dele é contar parte da história da escola. Na minha vida individual também. E acho que também não se fez necessário se eu não tivesse tido liberdade para junto com a equipe a gente colocar a nossa emoção, talvez o projeto tivesse ficado muito técnico. Então, acho que o diferencial foi isso é que nos foi permitido trazer essa emoção e tentar usar essa emoção a nosso favor. Mas o que seria mais difícil seria imparcialidade, a gente abdicou disso e acho que o que academicamente ou em um primeiro momento seria questionável, acho que na verdade virou o grande tempero do texto que a gente conseguiu entregar no final para mexer com a emoção das pessoas. De colocar a alma, de trazer um Laíla de verdade, com todas as suas versões. E tentar a ideia de pertencimento, de brincar com a ideia de pertencimento da comunidade nesse projeto e se identificando com Luiz Fernando humano”.
Bianca continuou falando sobre o histórico de Laíla na Sapucaí, demonstrando como ele se destacou durante o tempo que o carnaval foi ao encontro da academia, mesmo com o homenageado não tendo o mesmo conhecimento acadêmico de outros grandes nomes da época.
“Eu acho que mais do que a homenagem, a história e a trajetória do Laíla como pessoa física ou como sambista, acima disso tudo que já é grandioso a gente tem as bandeiras que ele sempre defendeu ao longo da sua vida. O Laíla começa como sambista ‘profissionalmente’ com oito anos de idade. Quando ele já se projeta de fato no carnaval ele está num grupo com o Fernando Pamplona, com Rosa Magalhães, com Maria Augusta e com toda honra, todo mérito, são minhas referências, minhas fontes de inspiração diárias, mas a gente está falando de um grupo de artistas brancos e acadêmicos e de classe média, de uma outra condição étnico social. O Laíla estudou, se eu não me engano, até a segunda ou quarta série do ensino fundamental, era um homem preto, pobre, favelado. A família queria que ele fosse gari. Via no concurso para gari uma grande oportunidade da vida dele. Para ele se impor, talvez, até essa personalidade que ele tenha seja essa resistência que ele traz desde o início”.
Beija-Flor autoriza que compositores gravem sambas concorrentes em ‘formato coro da comunidade’
Ela destacou também a importância dos temas que ele trouxe aos desfiles, através dos enredos que ele propunha e levava para a Avenida.
“Mas, acima disso tudo, eu acho que a importância das bandeiras que ele sempre defendeu há quarenta, cinquenta anos atrás, de temas que continuam atuais, em uma época que ninguém falava com tamanha veemência, que é a questão da liberdade religiosa, do brado contra a intolerância, de respeito à diversidade. Eu tenho o direito de ser diferente. Eu tenho orgulho da minha ancestralidade, dos meus antepassados, eu carrego isso literalmente no meu peito. Da questão do protagonismo do povo preto e de um discurso antirracista onde a gente não falava de lugar de fala e ele sempre se reconheceu e defendeu e bradou por isso. Das dificuldades que ele vivia, que ele teve uma infância extremamente humilde e de falar sobre essas mazelas sociais, dessa violência atroz, porque as favelas, as comunidades, continuam sendo vistas como senzalas contemporâneas. Ele traz isso há trinta, quarenta, cinquenta anos atrás. A gente não falava sobre isso. Hoje a gente está em 2024 e o óbvio ainda precisa ser dito e repetido. Todos os dias a gente tem diversas formas de mídia, algum caso de intolerância. Os centros espíritas continuam sendo destruídos. As pessoas pretas, pardas, mestiças, continuam em uma classificação como se fossem pessoas inferiores. Tudo isso que ele vinha bradando é muito acima do que ele foi”.
Pontuando como foi a importância de Laíla para o carnaval como um todo, Bianca destacou seu legado que pode ser observado até hoje nos desfiles, e a importância, para o carnaval como um todo, dessa homenagem a um sambista visionário.
“E como sambista, embora já seja o maior sambista de todos os tempos, é o que mais tem títulos e o que mais colaborou para o Carnaval ser o que é hoje, tanto na estrutura dos desfiles das escolas de samba como da fundação da Liesa, das transformações. O Laíla era um revolucionário, era um visionário. É poder trazer esse caldeirão que ele era e celebrar isso tudo dentro do caldeirão que é o Carnaval, no maior palco que é a Avenida Marquês de Sapucaí. Eu acho que a felicidade da equipe conseguiu transbordar para a comunidade. E a gente espera que, independente do pavilhão de coração de cada um, que as pessoas venham brincar e homenagear um dos nossos. Homenagear um cara que era sambista, que era popular. Qualquer um de nós que tem uma origem simples, uma origem humilde, chegar onde ele chegou. A vitória dele é uma vitória de representatividade, de pertencimento. Eu acho que é isso que a gente quer mostrar, uma versão do Laíla de verdade, uma versão crua, com todo aquele personagem multifacetado que ele era, mas era um personagem de verdade. Que essa verdade contagie as pessoas. Que o amor que ele tinha pelo samba e por essa festa sagrada, dita profana, determinada curiosamente pelo calendário da Igreja, que as pessoas vão brincar com a gente, celebrar o samba. O samba cura. O samba é a maior expressão da nossa cultura. Então, que as pessoas venham celebrar um grande personagem do samba e da nossa cultura conosco. Ele é um de nós”.
Por fim, Bianca Behrends pontuou momentos e desfiles que Laíla considerava como seus grandes momentos na avenida, além do maior momento dela com ele na Sapucaí.
“O maior desfile da vida dele, para ele mesmo, eu não participei. Ele tinha ‘Agotime’ como o maior desfile, o mais representativo da vida dele. Eu não tive a oportunidade de viver isso com ele, mas ele falava que foi. Tinha alguma coisa na avenida e a energia foi descomunal. Vou responder por ele daquilo que eu ouvi do próprio. E, sem dúvida nenhuma, o maior desfile da Beija-Flor, para mim foi 2018, ‘Monstro É Aquele Que Não Sabe Amar’. Eu acho que esteticamente, em termos de cultura, 2007, ‘Áfricas – Do Berço Real à Corte Brasiliana’ foi um escândalo. Até hoje a imagem daquelas girafinhas entrando, foi capa, manchete, de tudo. Foi talvez o desfile estéticamente mais primoroso que eu tenha participado na escola. Mas a energia de 2018, aquele samba, o que aconteceu naquela avenida para quem estava lá, porque o carnaval visto pela televisão é completamente diferente do carnaval de quem está lá. O que aconteceu na avenida, conforme a escola ia passando e as pessoas acho que elas foram se reconhecendo de uma maneira tal da nossa realidade, acho que foi um desfile tão visceral, eu nunca vi acontecer na avenida o que eu vi em 2018. As pessoas pegavam na gente, as pessoas choravam, as pessoas gritavam o samba e a gente não está, eu pelo menos não estou, muito acostumada com essa reação da avenida, tirando a parte que a gente tem a torcida. Foi tão visceral, aquilo foi tão catártico na minha cabeça. Ousaria dizer que depois do nascimento do meu filho, de experiências particulares, está ali, das experiências da minha vida que valeram a minha reencarnação”.
Ela concluiu na torcida para que o próximo carnaval supere as emoções de 2018, e agradecendo a todas as oportunidades que ela teve através da escola, na área profissional e pessoal, e que essa é a maneira dela de realmente agradecer a tudo, estando muito feliz de estar com a equipe.
“Espero que 2025 supere e seja superior a tudo isso, porque se lá já não tinha nenhuma relação pessoal com o enredo e foi o que foi 2025 que tem, eu acho que eu vou estar ali com três gotinhas de Rivotril para acalmar o coração, porque eu sou muito emotiva. Já virei meme de mim mesma, porque eu sou muito chorona, mas que tem muito haver com o amor realmente que eu tenho por essa escola, e da gratidão que eu tenho por ambos, por ele e por esse pavilhão. A Beija-Flor é um enorme pedaço de mim mesmo. São vinte e um anos, não são vinte e um dias, nem vinte e um meses”.